Nota do blog: Hoje, uma pessoa com transtorno psíquico foi agredida violentamente na cidade de Olinda. Mais do que um desabafo, a mensagem do companheiro Francisco do Nascimento Couto - psicólogo antimanicomial que atua em Recife-PE -, enviada para o e-mail de grupo da rede em-defesa-da-reforma, vale a transcrição. Seja como denúncia da arbitrariedade, seja como constatação de que o processo de desinstitucionalização da loucura deve envolver o aparelho de estado em todas as suas instâncias. Em Manaus, o advogado Felix Valois, quando Secretario de Estado de Justiça e Cidadania, no governo Amazonino Mendes (1999-2002), acolheu uma sugestão do saudoso Adamor Guedes, então presidente da AGLBT do Amazonas, que, cansado de ver seus pares sendo agredidos pela Polícia Militar, resolveu propor qualificação para os policiais aprenderem a tratar com humanidade a população homoerótica da cidade. Desnecessário dizer que a qualificação ficou por conta da AGLBT. O quartel ficou arejado com a frescura da abordagem e a violência não só reduziu, como sumiu naquele período. Fica o exemplo para nós outros que militamos no campo dos direitos humanos.
Arbítrio violento: policial contra "louco" de Olinda
Companheiros antimanicomiais, desculpe se ocupo esse espaço com um desabafo talvez mais pessoal do que pertinente as discussões estritas desse espaço; mas a indignação que me acomete não pode ser cessada!
Hoje,22 de Outubro pouco depois das 14h30min; eu estava num dos famosos pontos turísticos de Olinda/PE, a praça do Carmo, quando vi um morador de rua (conhecido pelos moradores do bairro Carmo) negro,só de bermuda, maltrapilho e que gritava frases sem encadeamento lógico-strictu sensu entre si. Provavelmente estava delirando.... Os moradores do Carmo com quem conversei diziam ser " o louco do bairro"... Num dado momento esse cidadão que delirava chegou a se dirigir aos dois policiais militares de PE que estavam na cabine de "Tourist Police", dizendo: "Vocês são tudo frangos! [gíria pernambucana pejorativa para homosexuais], vou jogar pedra aí[a guarita]". Ao que um policial prontamente se dirigiu a ele o espantando que nem cachorro e depois começou a dar cacetadas nas costas dele até sangrar... Nesse momento eu gritei: "Olha o abuso de autoridade aí!!!"
Um segundo policial que estava na categoria me lançou o famigerado: "Quem você pensa que é?"
Eu respondi: "Eu sou cidadão e conheço a Constituição !!"
Segundo policial: "E você sabe o que esse cara vem fazendo desde manhã?"
Eu respondi:" Não , mas to vendo a reação...."
Esse morador de rua que os moradores do Carmo desconheciam o nome, o tratavam só como "o louco do bairro", e que além disso é negro e pobre (e para mim ele não apresentava estar sob efeitos de drogas), essa mesma pessoa, após tomar tantas cacetadas nas costas e senti-las sangrando, reagiu e deu um soco na cara do policial!! Os óculos escuros que o policial agressor (cabo Wagner) usava caíram no chão...
Aí.... o bicho pegou meeesssmooo...... Os dois policiais da guarita foram em direção ao morador de rua o deitaram no chão à força e o algemaram. Um terceiro policial apareceu e conduziu o preso a uma delegacia que fica nos arredores.
A essa altura, uma transeunte veio perguntar para mim o que estava ocorrendo. Eu relatei minha versão e ela se apresentou como também profissional da Saúde Mental. Fomos nós dois a frente dessa delegacia tentar algum diálogo que sensibilizasse a corporação policial para as sutilezas do problema apresentado.(infrutíferos esses diálogos, mas enfim...).
Quando eu comecei a usar os poucos créditos que tinha no celular para ligar para conhecidos da Prefeitura do
Recife, políticos, jornalistas....aí começou a ter uma aglomeração de policiais em torno da delegacia e aglomeração de populares curiosos. Aí um cabo (se não me engano de nome Moura) se apresentou como a autoridade da corporação para intermediar o "diálogo".
Eu relatei o que testemunhei e falei sobre a lei Paulo Delgado, falei que estavamos em Olinda então a unidade de saúde mental de referência seria o CAPS transtorno de Olinda, falei que pessoas com transtornos mentais não deveriam ser tratadas dessa maneira pela corporação policial.
Rosana, a técnica de SM que testemunhou também a prisão desse morador de rua, argumentou também que a Polícia não deveria prendê-lo mas levá-lo ao CAPS e que ele não deveria ter sido agredido nas costas, conforme eu havia testemunhado.
O cabo ouviu por um ouvido e deixou sair pelo outro... Ele chamou dois rapazes que trabalham como guias turísticos no local e pediu que eles relatassem o que haviam presenciado. Eles disseram que desde manhã esse "louco" estava gritando coisas contra os policiais e que naquela hora o policial o foi afastando com o cacetete...
- Afastando COMO???- eu perguntei no meio.
- É...dando cacetada e tal...- um rapaz respondeu.- daí ele deu o soco no policial e foi preso.- concluiu.
O cabo usou esses relatos para justificar a ação policial e dizer que "quebrava teus argumentos".... Eu tentei infrutiferamente argumentar o contrário. Mas isso não impediu que o algemado fosse posto no porta malas da viatura e mandado a um hospital psiquiátrico não informado ao público presente .(provavelmente a porta de entrada da Rede Mental no Estado de Pernambuco: o hospício da Tamarineira!).
Uma colega minha , estudante italiana em intercâmbio, viu o algemado ser colocado na viatura e tentou se queixar aos policiais sobre os direitos humanos da vítima do arbítrio, inutilmente... Uma hora ela ainda escorregou na banana ao dizer:" Vocês tem de tomar cuidado...."
"A senhorita está me ameaçando???"- respondeu um policial de pronto.
Nessa hora eu intervi dizendo que ela não falava bem português portanto fora um problema de comunicação. Aí eles a liberaram...
Bom...liguei para vários jornais de PE. Uma TV me retornou mas como eu não tirei foto do evento (que droga não estar com uma máquina fotográfica!!!) eles se desinteressaram de publicar. Um jornalista do Diário de Pernambuco, Jailson, me falou que vai tentar citar o incidente em sua coluna no Diário/PE de amanhã.....
Esse Brasil também faz parte do que deve ser transformado urgentemente para em 2016 mostrarmos, sem hipocrisia, uma sociedade que consegue reconhecer e promover direitos humanos a todas pessoas que a compõem, consoante com o "espírito olímpico"....
Conseguiremos??
Saudações indignadas e libertárias
Francisco do Nascimento Couto, psicólogo , funcionário do CAPS Souto da Prefeitura do Recife e militante antimanicomial
2 comentários:
Absurdo e revoltante este fato, ainda mais por ter sido na cidade onde trabalho e vivo.
Mas seria muito melhor ler o texto se não tivesse sido interrompido pela música que toca AUTOMATICAMENTE, e sem termos a opção de parar. É IRRITANTE.
Sugiro que retire isso do seu blog. Há formas de colocar players de música que só toquem quando o visitante assim desejar.
Um abraço.
Meu caro Anizio, há duas opções para não ouvir a música "irritante" dos Beatles. Baixar a zero o volume da sua caixinha de som, ou apertar o pause do Picica musical. Com isso, sua leitura fica preservada, sem a interferência musical. Au revoir.
Postar um comentário