outubro 25, 2009

O nome da Rosa



Notívagos daqui e de além-mar, deixo-vos com o nome da Rosa.

Boa noite.

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A razão contra a inquisição

O filme “O nome da Rosa”, baseado no livro de Umberto Eco, conta uma estória que se passa na última semana de novembro de 1327 num mosteiro beneditino construído no século XIII nas montanhas italianas e tem como trama a investigação da morte de sete monges em sete dias. O título escolhido: “o nome da Rosa” era uma expressão usada na Idade Média que servia para denotar o infinito poder das palavras e este é o ponto principal da estória, pois a igreja tenta a todo custo “apagar” as palavras de Aristóteles, um filósofo extremamente conceituado pelo clero pelo fato da igreja ter assumido o sistema cosmológico do grego, que colocava que o universo era composto de duas regiões: o céu e a terra. Teoria esta que se afinava com o Gênesis bíblico. Aristóteles passou a ser figura respeitável do clero quando São Thomas de Aquino, uma expoente figura da teologia cristã inseriu no cristianismo a ciência e a filosofia de Aristóteles, passando inclusive a ser chamado por muitos do clero como “O Filósofo”, portanto, contrariar Aristóteles era o mesmo que contrariar as sagradas escrituras. Aristóteles que era até então “usado” pela igreja passa a ser um “problema” quando é descoberto o segundo volume de uma obra sua sobre a Poética que tratava da comédia. Vale a pena ressaltar que a existência desta obra não é comprovada até hoje por um destes dois motivos: ou nunca foi escrita ou então foi queimada no incêndio da Biblioteca de Alexandria. O suposto segundo volume da obra de Aristóteles pregava a natureza boa e cognitiva do riso, fato que era inaceitável para a igreja na Idade Média que ligava o riso ao diabo, e a obra sobre a comédia dizia ser o riso e a sátira remédios milagrosos e que a representação exagerada dos defeitos, vícios e fraquezas purificava as paixões, como acontece num processo de catarse. Muito interessante é o uso do exagero dos defeitos, do feio, dos vícios pelas personagens do filme, não ficando nenhum dos 7 pecados capitais de fora desta exposição exagerada (a gula, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, o orgulho e até a preguiça através da vida contemplativa e também sustentada dos monges). Porém a igreja temia que o riso fizesse o povo deixar de temer o diabo e além da questão ideológica ser ferida também seria diminuído o poder da igreja, pois esta era a “única” defensora dos mortais pecadores diante das artimanhas do demônio e da fúria implacável de Deus. Diante deste cenário, para desvendar os assassinatos dos monges é chamado o ex-inquisidor William de Baskervile, que na estória representa a “razão filosófica” e a “ciência” e ele é apresentado como um homem de idéias e procedimentos avançados para a época, pois traz consigo dois instrumentos: o astrolábio (instrumento usado pela astronomia que tem como uma de suas utilizações a redução dos erros acidentais por parte do observador, o que nos permite aqui um significado simbólico para a aparição deste na estória) e um quadrante (outro instrumento da astronomia e que é a quarta parte de um círculo e que buscando uma analogia representa as 2 teorias do cosmos: o círculo deitado é a teoria de que a terra é plana como pregava a igreja, e o quadrante ao ser utilizado era o círculo em pé movimentando-se pelas estrelas que era a teoria heliocêntrica preconizada por Galileu e Giordano Bruno, sendo este último queimado na fogueira pela Inquisição). Estes instrumentos eram usados pelos mouros e era desconhecido pela maioria dos cristãos. Outro objeto de William de Baskervile que nos permite uma analogia eram suas lentes de leitura que pode nos levar a imagem do homem que procura enxergar melhor o conhecimento e assim era William: um buscador da verdade através da razão. William é uma figura criteriosamente escrita por Umberto Eco: é franciscano (que na época conflitavam com os beneditinos), é científico (e assim opõe-se a crença cega religiosa), é justo (e assim não pode ser peça de manipulação no jogo de interesses da igreja), porém a maior representação de William é a “razão”, fazendo dele um espelho de Descartes que é o pai do racionalismo. Sem a intenção de resumir a estória e sim a de refletir em seu contexto filosófico, vejo na forma utilizada para se cometer os assassinatos uma rica linguagem simbólica, pois o livro de Aristóteles, que representa o “conhecimento” teve suas páginas envenenadas e metaforicamente podemos visualizar que a fé cega (no caso a igreja) colocava como “sina” que todo aquele que busca o conhecimento morre nesta busca, ou seja, aqui temos uma nova representação de Adão e Eva que foram expulsos do paraíso ao comerem o fruto do conhecimento. A igreja criou a Inquisição para assim ter o papel de Deus em suas mãos e através de suas fogueiras poder expulsar todo aquele que não compartilhasse da idéia do paraíso carrancudo da igreja católica da Idade Média. Duas falas do filme que penso ser interessante citar, ambas ditas por William de Baskerville ao seu aprendiz Adson:

“A única prova que vejo do demônio é o desejo de todos em vê-lo atuar”

Frase que retrata a posição de que o homem prefere criar e manter um erro para manter para si a aparência de que está certo. Sintetizando: a arrogância e a hipocrisia são criações humanas e não divinas.

A outra frase dita por William é:

“A dúvida é inimiga da fé”

Frase que sintetiza a filosofia, pois o propósito do filósofo é o de buscar o saber e não simplesmente crer, por isso a filosofia é a arte do questionar.

Para finalizar fica um questionamento: Por que Adson não ficou com a sua mulher amada? E como desfecho fica uma citação: “O coração tem razões que a razão desconhece”.

Paulo Rogério da Motta

Fonte: http://www.euniverso.com.br/Filmes/O_Nome_da_rosa.htm

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