I Encontro Nacional de Saúde Mental
Foto: Rogelio Casado - Belo Horizonte-MG, julho/2006
Em destaque: Sílvia Maria, ao lado dos seus companheiros da Asussam-MG
Foto: Rogelio Casado - Belo Horizonte-MG, julho/2006
Em destaque: Sílvia Maria, ao lado dos seus companheiros da Asussam-MG
Sílvia Maria abre o verbo
A sessão de eletrochoque não me pareceu no hospital São Pedro... mas com todas aquelas "modernidades": anestesia, aparelhos para controlar os batimentos cardíacos... o horror, segundo diz o repórter, ficou definitivamente no passado. A pessoa não perde a memória, não fica aérea e esse não é um procedimento altamente invasivo. Quem defende o eletrochoque acha que a lei está errada, que ao invés de ser o último procedimento depois de tentar todos os recursos, esse deveria ser o primeiro recurso, visto a sua imediata resposta. Cheguei a ler que o eletrochoque se compara a um tapão que damos no televisor e a imagem da antena passa a pegar os canais. No caso, os nossos neurônios seriam como essas ondas de televisão que com o eletrochoque passam a funcionar ordenadamente e a captar as imagens, digo a realidade. Mas eles tem razão, daqui a pouco eles encontram o gene, o neurotransmissor, o ponto do cérebro onde localiza a loucura e a eliminam da face da terra. Esse grande mal que assombra nossa infeliz sociedade hedonista, consumista e espetacular.
Não queremos respostas imediatas, respostas fáceis. Tudo o que é fácil demais a gente desconfia.
O problema da população de rua, portadora de transtornos mentais, em São Paulo, é um trunfo da contra-reforma para dizer que a reforma não funciona. Dos casos que o Caco Barcelos apresentou apenas dois eu percebi sinais de transtorno mental. A população de rua cresce a cada dia em nosso país e não é um problema apenas da saúde. Em São Paulo não existe SUS, tudo o que eles investem em saúde pública é em hospitais de todas as áreas. PSF, CAPS, centro de saúde... nada. Apesar de haver míseros núcleos de resistência que resistem bravamente. Outro problema é a falta de vagas (em hospitais) uma vez que a reforma irresponsavelmente fechou os hospitais, fechou os hospitais para implantar os serviços substitutivos do SUS. Isso na minha terra funciona e não falta vagas.
E como é triste para um pai internar um filho... já dizia o "poeta" Ferreira Gullar. Por que o Caco Barcelos, ao invés de ficar na porta do CAPS, não entrou e conversou com as famílias que são convidadas a se comprometer e ajudar na recuperação do seu parente em crise?
E o Trem Tam Tam? Um Centro de Convivência, perdido no nada, onde os portadores 'transformam as próprias fantasias em música'. Sabia que da experiência dos Centros de Convivência realizamos uma Mostra de Arte Insensata e que antes deles havia muita história? Que os centros funcionam numa rede e que a beleza e potência do Trem Tam Tam não nasceu do nada?
Como não foi do nada que partimos para Brasília. Ou vc, Caco Barcelos, acredita que se estivéssemos internados nós iríamos à Brasília? A contra-reforma defende o status quo onde a loucura ocupa sempre o lugar da doença, do problema, de um mal que a ciência, via medicina, dará conta de eliminar. Esse papo de eliminar a medicina sempre realizou com os manicômios ao retirar da vida social os loucos.
A sociedade tem uma dívida histórica para com a loucura e nós estamos lutando para resgatá-la. Não queremos a invisibilidade da doença e sim a visibilidade da cidadania.
O por quê o manicômio tortura? Porque eu não tenho a liberdade de ser louca. Ao tentarem me normalizar, sob o pressuposto de que sou perigosa, estão colocadas um campo de forças que me obrigam a ser o que eu não sou. E, enquanto louca, eu tenho algo muito bom pra oferecer. É só saber ouvir, aceitar a diferença e saber compartilhar.
Sílvia Maria Soares Ferreira
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