junho 29, 2010

Abobrinhas cibernéticas

[ Report love ]



por Camila Pavanelli – Eu já recebi esse e-mail, você já recebeu esse e-mail, o Brasil já recebeu esse e-mail e ainda assim ele continua voltando à sua caixa de entrada como as formigas à sua cozinha. É o e-mail da “piada inteligente”, que costuma ser finalizado com um alarmante “e tem gente que ainda vota!”, cujo objetivo último é demonstrar, com muito duplo-sentido e malemolência (recursos sofisticadíssimos do humor), que o Lula é terrorista, a Dilma é analfabeta, o Obama é um sindicalista cachaceiro e o Lula (mais uma vez e ad infinitum) é um preto safado. Todos eles, claro, uns tremendos duns vagabundos – ao contrário de nós, que estamos repassando a piada em horário comercial. Nós, não! Somos cultos, inteligentes, trabalhadores – brancos! Jamais nos rebaixaríamos a esse zé-povinho que de repente acha que pode dominar o mundo na base da ladroagem e de alguns milhõezinhos de votos.



-- Oooooh!! --

Muito bem. Você recebe esse e-mail do seu ex-cunhado, da irmã da sua futura sogra, do primo do seu melhor amigo. Então você faz uma careta de vergonha alheia, clica no abençoado botão de report spam e segue com a vida.

Até que um dia, report spam notwithstanding, você recebe esse e-mail de novo. Mas, desta vez, ele não vem dos recônditos internéticos da sobrinha da sua massagista, do meio-irmão do seu avô, do advogado da sua enteada. Ele vem do computador da sua mãe. Do seu pai. Da sua esposa.

Nos casos anteriores, um botão resolvia tudo. Algumas pessoas, porém, simplesmente não podem ser marcadas como spam – e muito menos por conta de figuras públicas mais distantes de mim do que o Brasil do hexacampeonato.

Ou podem?

Não sei vocês, mas eu realmente não me importo com a vida e os costumes de Lula, Dilma, Obama. Me importo um pouco, porque isso me afeta, com o que eles fazem em seus respectivos trabalhos – e devo dizer, com tranquilidade, que é raro o dia em que não tenho pelo menos uma decepção com algum deles. Anotem: a isso chamamos vida.

Por outro lado, é igualmente raro o dia em que minha mãe, meu pai, minha esposa não me trazem alguma grande alegria (apesar de que não tenho mãe nem esposa, fazer o quê). É com essas pessoas que me importo, não com políticos ou celebridades genéricas.

O problema, portanto, não é a ofensa dirigida a tais pessoas genéricas, até porque apenas as ofensas de gente igualmente genérica e importante chegam até elas – a politizada classe média brasileira tenta, mas até agora não há relatos de que seus pepetês piscantes já tenham atingido a Casa Branca.

O problema, assim, é o que a ofensa diz sobre o ofensor – que, aliás, nem está ofendendo! Na concepção dele/a, trata-se apenas de uma piada – e muito sagaz e engraçada!

Naturalmente, a sagacidade é muito mais relevante aí do que a graça. A piada provocar o riso do destinatário é o que menos importa: o e-mail é encaminhado não pela mensagem que deseja transmitir sobre Lula, Dilma, Obama, mas pela mensagem (imagem) que o próprio remetente deseja transmitir sobre si mesmo. E que mensagem é esta?

Não é difícil de entender. Ao escrever ou encaminhar aquele e-mail, o implacável piadista sente um fugaz jato de superioridade a atravessar-lhe o cérebro: sou muito mais esperto e inteligente do que todo mundo! Enquanto a massa ignorante, alienada e desmiolada segue seus carismáticos líderes acarneiradamente, sem nenhuma crítica ou reflexão, só eu, justo eu, é que percebi o nível de manipulação a que esses pobres coitadinhos estão submetidos! (O raciocínio geralmente continua com “maldita bolsa família”, mas vamos pular esta parte.)


-- IMPORTANTE! --
Pessoas que constantemente pedem desculpas por acreditar que não sabem nada me dão um pouco de aflição: a pessoa tem mestrado, doutorado e três anos de especialização com o Mestre Miyagi no tema “O cultivo das abóboras em terrenos desérticos” e se sente uma fraude porque, afinal, ela não sabe exatamente, sabe apenas 99%, do que é necessário fazer para se plantar abóboras em terrenos semi-arenosos.

Mas pessoas que acreditam saber tanto das coisas a ponto de apenas e tão-somente elas serem capazes de “votar conscientemente” – já que os outros, frequentemente pobres, são apenas massa de manobra de políticos ishperrtos e todos iguais – bem, essas pessoas é preciso amar muito para poder conviver.
Em vez de marcar como spam, portanto, decidi criar uma pasta especial no meu gmail para essas mensagens, enquanto o botão “report love” não é criado. Chama-se “amor incondicional” e inclui todo o conteúdo que, se proveniente de pessoas como o filho da sua depiladora ou a secretária da sua dentista, você faria um esforço consciente para não ultrapassar os cinco minutos de contato anual com elas.
Como é de amor incondicional que se trata, porém, você arquiva a mensagem, se lembra de que não há nada mais inútil e ingênuo do que tentar mudar as opiniões de outra pessoa – e sorri.

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