O fim do manicômio
Na academia não há quem desconheça a importância de combater o estigma social provocado pelos transtornos subjetivos . Porém , como sustentar os direitos dos portadores de sofrimento psíquico se o modelo manicomial insiste em pairar sobre nossas cabeças ? Ao modelo clássico de segregação da diferença , baseado numa falsa moral , a nova discriminação aos transtornos psiquiátricos ganha suporte na suposição de que a “dor de existir ” é produto de complexas interações neuro-químicas, daí o uso abusivo de psicofármacos.
Desinstitucionalização em saúde mental é um processo que requer a recuperação da complexidade e do desenvolvimento das diversas aptidões de nossas vidas e de nossas clientelas . Que cada um indague se está amadurecido para o desafio de criar um projeto teórico , político e assistencial que contemple as novas perspectivas definidas na Lei Paulo Delgado - esta, sim , fruto de experiências concretas baseadas numa clínica de efeitos desapassivadores.
Se os dispositivos institucionais ainda tardam entre nós é porque o desmonte do modelo manicomial ficou no meio do caminho da história da Reforma Psiquiátrica no Amazonas , resultante da cumplicidade conformista entre a sociedade civil e a sociedade política . Cumplicidade que perderia sua força no início deste século . Recuperar o elo perdido dessa história não é reivindicar por uma Reforma já acontecida, cujos ideais caducaram, mas apostar na sua vertente mais radical : o fim dos manicômios . A clínica antimanicomial é o seu principal instrumento .
Manaus, junho de 2005.
Rogelio Casado , psiquiatra e psicoterapeuta
Coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental
Nota do blog: Artigo publicado no jornal Amazonas em Tempo, onde o autor escreve quinzenalmente, aos domingos. Gostaria de dedicá-lo a todos os lutadores sociais empenhados na construção de uma sociedade sem manicômios, presentes à IV Conferência Nacional de Saúde Mental. Como essa construção depende, também, de um novo processo de formação, expresso aqui meu apoio ao projeto de incubação da Residência Médica em Psiquiatria, criada na minha gestão como coordenador do Programa Estadual de Saúde Mental (Amazonas). Se o IPUB-UFRJ entrar na área, muda o jogo no segundo tempo. Já era hora. Não tem graça nenhuma a permanência desse importante instrumento de formação no interior do velho hospício de Manaus. Caso contrário, é dar asas pra cobra.
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