PICICA: "Integrantes da classe média suburbana francesa, os personagens de O Amigo da Minha Amiga são a síntese de um cinema interessado em falar da contemporaneidade. E que, nesse desejo, acabam se tornando algo a mais, algo que eles, a priori, desconhecem."
O Amigo da Minha Amiga
Publicado originalmente em Cinefilia – Revista de Cinema
Restituir o verbo
O Amigo da Minha Amiga é último filme da série Comédias e Provérbios (que conta com outros 5 filmes, entre os quais dois de seus melhores trabalhos Pauline na Praia e O Raio Verde),
e como fecho de um ciclo, o encerra com elegância. Como no restante da
série, aqui temos um ciclo amoroso complexo, em que desventuras amorosas
e conflitos morais transitam nas mentes e nos corações dos personagens.
A palavra, como sempre, é parte da encenação. É através dela que os
personagens transeuntes do filme irão expressar suas aflições, tentando
resolver questões existenciais – familiares a todos. Integrantes da
classe média suburbana francesa, os personagens de O Amigo da Minha Amiga
são a síntese de um cinema interessado em falar da contemporaneidade. E
que, nesse desejo, acabam se tornando algo a mais, algo que eles, a priori,
desconhecem. Portanto, não deixa de ser um filme sobre uma jornada pelo
descobrimento pessoal do mais íntimo dos sentimentos humanos.
O filme conta a história de dois casais
franceses, que vivem (e convivem) entre si, enfrentando suas
peculiaridades e desejos. Blanche (Emmanuelle Chaulet) é uma secretária
que, por ocasião de um almoço ao acaso, fica amiga de Léa (Sophie
Renoir), que é técnica de informática. Blanche tem certa dificuldade em
arrumar namorados, em razão de uma suposta timidez, apesar de sua beleza
e inteligência. Lea namora Fabien (Eric Viellard), mas seu namoro não
vai lá muito bem das pernas. Fabien é amigo de Alexandre (François-Eric
Gendron), que é namorado de Adrienne (Anne-Laure Meury). Enquanto
Blanche se apaixona por Alexandre, Lea, que não sabe se vai continuar
com Fabien, tenta fazer com que Blanche se interesse por ele. Mas Lea é
indecisa, pois nunca sabe ao certo se quer ou não continuar sua relação
com Fabien, o que acaba confundindo ainda mais os sentimentos tanto do
próprio Fabien quanto da amiga Blanche.
A teia de relações fica sempre
balançando entre o amor e a amizade, e por vezes podemos ser confundidos
pelo naturalismo com que os personagens falam um com os outros. Apesar
de demonstrarem sempre interesses banais, no subtexto existe sempre o
flerte mais ousado – que acaba disfarçado pelo “cinismo bondoso” dos
diálogos. Alexandre, que tem Blanche em suas mãos, mas a esnoba, é afim
de Lea, e chega sempre com “sutilezas na palavra” (influência explícita
de Camus e Balzac) quando se dirige a menina. Lea, cedo ou tarde irá
ceder ao charme discreto do rapaz, enquanto Blanche pode estar saindo
com seu namorado. É esse mesmo o clima (Rohmer, como poucos, era um
mestre em criar atmosferas), de relações não tão organizadas, mas
certamente previsíveis aos personagens – estes, aliás, de tão diferentes
entre si, de tão opostos num mesmo espaço, acabam por adquirir
interesses sexuais em comum. E na organização desse espaço (cênico),
Rohmer é craque.
Para elucidar personalidades extremas
(Blanche e Lea não são como o fio e a navalha) Rohmer brinca com os
figurinos. Se as duas vão a uma festa, uma veste azul em cima e branco
embaixo e a outra o exato oposto. Os figurinos voltam com função
dramático-metalinguística nos planos finais do filme (desta vez com o
verde), mas que, para não estragar o desfecho, não vão ser detalhados
aqui. Não que um filme possa ser reduzido a questões de encerramento,
até porque (ainda mais quando falamos de Éric Rohmer) o que vale mesmo é
a estrutura que lhe sustenta no caminho até esse desfecho. Não cabem
“bons momentos” ou “pequenos momentos”, no final do filme, soma-se o
geral do conjunto das experiências totalizantes. O Amigo da Minha Amiga
é assim, dotado de mecanismos rigorosos de construção dramática e
precisão na criação de “climas”, seja pelos diálogos sempre sofisticados
que se inserem dentro de planos e contra-planos posicionados
habilidosamente pelo diretor ou pelos momentos de puro prazer de ver
aqueles personagens em embates ácidos através da troca de palavras.
Rohmer também economiza na “musicalidade”, assim com Bresson, para
evitar, segundo ele, a banalização dos sentimentos. Deixava que seus
personagens expressassem sentimentos diversos através da palavra.
(L’ami de mon amie, França, 1987) De
Eric Rohmer. Com Emmanuelle Chaulet, Sophie Renoir, Anne-Laure Meury,
Eric Viellard, François-Eric Gendron.
Fonte: Tudo [é] Crítica
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