PICICA: "O
higienismo social, pródigo em dividendos eleitorais, inventa uma
“epidemia” para justificar a exceção, enquanto a epidemia verdadeira, a
do álcool, responsável pela grande maioria das internações e das mortes
pelo uso de drogas, não gera alarme; só lucro e hipocrisia. No mais, se
assegura clientela às clínicas psiquiátricas, ao invés de se investir
nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) e em
redução de danos. E tudo sob o aplauso geral e sem uma pergunta
procedente. Não é perfeito?"
HIGIENISMO E DESINFORMAÇÃO |
26 de janeiro de 2013 | |
Marcos Rolim
Minhas diferenças sobre política de drogas com o deputado Osmar Terra são conhecidas.
Há alguns meses, travamos debate exaustivo a respeito (textos em: http://migre.me/cW8xc).
Partimos de pressupostos diversos para a construção de uma política
pública eficaz. Na discussão de outros temas, já estivemos do mesmo
lado. Entendo que o Projeto de Lei do deputado Terra (PL 7663/10- http://goo.gl/BGWWN), a par das suas intenções, não deve prosperar. Uma parte dos motivos, resumo aqui.
Inicialmente,
é impressionante observar que o PL 7663/10 esteja sendo apresentado
como iniciativa para assegurar internação compulsória. Primeiro, porque a
medida já existe (art. 6º, parágrafo único, III, da Lei 10.216 da
Reforma Psiquiátrica) e o PL não altera o que já é lei; segundo, porque o
PL trata de outras coisas. Para descobri-lo, é preciso medida
excepcional e difícil: ler o projeto. Excepcional, porque ler é uma
prática rarefeita no Brasil. Difícil, porque o PL é um cipoal
burocrático de normas, parte delas grosseiramente inconstitucional (por
violar o princípio federativo, por exemplo), entre as quais se inseriu
disposição que, se aceita, poderá redundar em mais de 56 mil funções
remuneradas nos Conselhos de Política de Drogas (art. 8-E, § 1º e seus
incisos e § 2º, II). Há recomendações intrigantes como “valorizar as
parcerias com instituições religiosas, associações e ONGs, na abordagem
das questões da sexualidade e uso das drogas” (art. 5-C,VI), afinal, o
que as religiões têm de importante a dizer sobre sexualidade e drogas é
algo que aguça a curiosidade moderna. No caso brasileiro, especialmente,
as denúncias conhecidas sobre abusos praticados em comunidades
terapêuticas de orientação religiosa não podem mais ser ignoradas. Mas
interessante mesmo é o disposto no § 2º do art. 10º do PL, in verbis:
“Na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado
(...), o Poder Judiciário poderá determinar que o tratamento seja
realizado na rede privada, incluindo internação, às expensas do poder
público”. Uma regra que expõe o curso natural da cruzada moralista:
despejar milhares de dependentes em clínicas privadas e mandar a conta
para todos nós que não comemos bolinha de cinamomo. Não estamos falando
do conjunto de usuários de drogas, claro. Os que caçados nas ruas, como
já ocorre no Rio e em S. Paulo, serão os dependentes do crack. Nestes
estados, eles são “avaliados” por médicos – a maioria recrutada por
Simão Bacamarte – que decidem sobre a privação da liberdade, sem
acusação e sem defesa. Para “tratamento”, é o que dizem. O fato é que
não há evidência a amparar política pública centrada em internação
involuntária. Tal medida é, quase sempre, um fracasso recheado por
fracassos mais graves, além de porta para abusos de toda a ordem.
O
higienismo social, pródigo em dividendos eleitorais, inventa uma
“epidemia” para justificar a exceção, enquanto a epidemia verdadeira, a
do álcool, responsável pela grande maioria das internações e das mortes
pelo uso de drogas, não gera alarme; só lucro e hipocrisia. No mais, se
assegura clientela às clínicas psiquiátricas, ao invés de se investir
nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) e em
redução de danos. E tudo sob o aplauso geral e sem uma pergunta
procedente. Não é perfeito?
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Fonte: Marcos Rolim
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