IPEA ameaçado - Lúcia Hipólito 22/01/2008
*Lúcia Hipólito ( * )
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi criado em 1964, já durante a ditadura. Seu idealizador foi o então ministro do Planejamento, Roberto Campos, e seu fundador e primeiro presidente foi o ex-ministro Reis Velloso.
A proposta era criar um instituto que pensasse o Brasil a médio e longo prazo, com estudos aplicados à realidade brasileira - saber teórico era com a universidade.
Ao longo de seus 43 anos, o Ipea transformou-se na consciência crítica dos governos brasileiros - de todos os governos.
Sua produção acadêmica vai desde estudos sobre industrialização, estudos pioneiros sobre agricultura no cerrado brasileiro - a expansão da fronteira agrícola brasileira é resultado desses estudos -, estudos sobre distribuição de renda, pobreza, gastos públicos, previdência.
Em seus primeiros anos, o Ipea contou com o trabalho de um dos mais importantes economistas vivos, o prof. Albert Fishlow, que se dedicou aos estudos do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento).
Mais recentemente, o governo Lula deve a um pesquisador do Ipea, RicardoPaes de Barros, o maior especialista brasileiro em pobreza e distribuição de renda, a proposta de unificação dos programas sociais do governo, que resultaram no Bolsa-Família - maior sucesso da administração petista.
Fábio Giambiagi, outro importante pesquisador, é responsável pelos estudos mais recentes sobre a Previdência no Brasil e sobre as contas públicas brasileiras.
Além de realizar estudos para o governo, o Ipea formou quadros dos mais importantes para a administração pública brasileira. Por lá passaram Pedro Malan (pesquisador desde 1965), Dorotéia Werneck, Pedro Parente, Régis Bonelli, entre outros.
Durante esses 43 anos, a independência intelectual e institucional do Ipea incomodou muitos governos - praticamente todos.
Mas nesses 43 anos jamais houve um único caso de censura ou qualquer tipo de interferência do governo no Ipea.
Nem mesmo a ditadura interveio nos trabalhos do Instituto.
Entretanto, desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, era voz corrente no governo a tentativa de "enquadrar" o Ipea, manifestada principalmente pelo então todo-poderoso chefe da Casa Civil, ex-ministro José Dirceu (réu no STF por formação de quadrilha e corrupção ativa).
Mas o Instituto resistiu.
A nomeação de Mangabeira Unger (intelectual respeitado em Harvard) como ministro das Ações de Longo Prazo (Sealopra) atendeu à intenção do governo de "domesticar" o Ipea.
Imediatamente após a nomeação, os técnicos do Instituto receberam a visita de dois emissários do PRB, partido de Mangabeira e dos bispos da Igreja Universal, interessados em saber quantos cargos em comissão havia e qual era o montante de recursos destinados pelo governo ao Ipea. Não é preciso dizer que os técnicos ficaram de cabelo em pé - jamais tinham passado por semelhante situação.
Agora, os piores temores estão se confirmando.
Desde que a nova direção assumiu, trabalhos foram recusados, substituições foram feitas nas diretorias, e acabam de ser afastados quatro dos mais importantes pesquisadores, todos críticos do excesso de gastos do governo federal: Fábio Giambiagi, Otávio Tourinho, Gervásio Rezende e Regis Bonnelli (este, um dos pioneiros do Instituto, junto com Pedro Malan).
A Diretoria de Estudos Macroecônomicos, a mais importante do Ipea, cujo atual titular é assessor econômico do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal, solicitou que os pesquisadores desocupem suas salas.
Censura e aparelhamento ideológico.
Será desastroso se o governo Lula destruir um dos mais importantes e independentes centros de estudos econômicos do país.
Um governo que se diz de esquerda terá feito um papel que nem a ditadura de direita ousou fazer.
(*) Em tempo: Sou co-organizadora, com Maria Celina D'Araujo e Ignez Cordeiro de Farias, do livro "Ipea - 40 anos apontando caminhos". Publicado pela Editora FGV.
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