18 de maio: um dia para refletir
Rita de Cássia de Almeida
Psicanalista
A história do tratamento das doenças mentais no ocidente confunde-se com uma história de abandono, exclusão, desrespeito e violência. Entendida como lugar do avesso ao homem racional, a loucura seguiu sendo compreendida como algo a ser excluído, abolido e alijado, tanto do meio social quanto para fora do próprio homem.
No Brasil, essa história vem tomando novos contornos nas últimas décadas. Em 1987, iniciou-se em nosso país um movimento social importantíssimo - o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial - que elegeu o 18 de maio como seu dia comemorativo. Esse movimento tinha como horizonte mudar a forma de tratar as doenças mentais e de olhar para a loucura, compreendendo-a para além de uma doença ou deficit, mas como manifestação radical de uma diferença. A bandeira desse movimento sempre foi buscar novas formas de cuidado e tratamento que rompessem com o modelo tradicional: um modelo excludente, desumano e discriminatório, que condenava os doentes mentais ao isolamento dos manicômios.
Hoje, as comemorações do dia 18 de maio continuam a acontecer em todo Brasil. As bandeiras de agora não são as mesmas de antes, já que as mudanças propostas por esse movimento foram contempladas em lei - a Lei 10.216 de 2001 - e encampadas pelo SUS. Novos dispositivos e formas de cuidado e tratamento tem sido implementados, estimulados e financiados pela Política Nacional de Saúde Mental no intuito de superar o modelo tradicional, oferecendo tratamento humanizado, aberto e com vistas à inserção social. Sendo assim, o verbo mais conjugado pelo lema deste 18 de maio continua sendo “substituir”. Substituir os muros por portas abertas; substituir a exclusão pela inclusão; substituir a perda de direitos civis e sociais pelo exercício da cidadania; substituir as longas internações por internações curtas e pontuais, apenas nos momentos de crise; substituir o abandono pelo acolhimento na família e comunidade; substituir o silêncio pela palavra, pela criação e pelo trabalho; substituir a discriminação pelo respeito às diferenças; substituir o preconceito pelo entendimento; enfim, substituir o isolamento pela partilha e o acolhimento.
Desde 1987, muita coisa mudou no âmbito do que hoje se entende por saúde mental. Mudaram teorias, políticas, instituições, legislações, discursos, formas de abordagem, metodologias, práticas e até mesmo construções ideológicas. Sabe-se, no entanto, que em qualquer mudança de paradigma, a última coisa a mudar são as mentalidades. Sendo assim, ainda mantemos em nós muitos “pensamentos manicomiais”. Não é incomum sermos tomados, por exemplo, pela fantasia de criar uma ilha isolada do mundo e o mais distante de nós possível para a qual destinaríamos todos aqueles ou tudo aquilo que nos incomoda, nos abala, nos adoece, nos atormenta e nos tira do eixo. Um lugar geograficamente delimitado para onde destinaríamos tudo o que nos é estranho, tudo o que tememos. Ou invertendo a lógica, também pensamos em criar uma redoma segura e hermética, na qual poderemos viver seguros e despreocupados das imperfeições do mundo.
Transcendendo, portanto, o que o 18 de maio tem de importante para os progressos nas políticas de saúde mental no país, entendo que esse possa ser um momento oportuno para rever nossas mentalidades, compreendendo que a maneira mais humana e acertada, ainda que não a mais fácil, de lidarmos com as diferenças, os tormentos e os incômodos diários deva ser dialogando e convivendo com eles, para assim produzir novas formas de relação, convivência e existência.
Fonte: Tribuna de Minas
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