fevereiro 07, 2010

"As meninas do Brasil"

“AS MENINAS DO BRASIL”

Fotografias de Ronaldo Aguair
Teatro Eva Herz

Avaliação critica feita por Jair Alves sobre a peça AS MENINAS
Luciana Brites e Clarissa Rockenbach

Deslumbrante, se não fosse trágico, apresenta-se à adaptação do romance de Lygia Fagundes Telles para o palco, realizada pela dramaturga, Maria Adelaide Amaral. A peça, AS MENINAS, permanecerá em cartaz, até o final do mês de fevereiro, inexplicavelmente somente aos sábados e domingos (alguém, por favor, tem como explicar esta limitação de sessões, semanais???). A orientação, no entanto, só pode ser uma, partindo de quem leva muito a sério o Teatro - não deixem de conferir e tirar suas próprias conclusões, sobre o que se segue.

É difícil afirmar que tenha acontecido, nas últimas décadas, alguma adaptação para o palco, tão feliz e eficaz como esta. Lembro que lá pelo início dos anos oitenta, uma heróica montagem veio ao palco, no entanto, sufocada pelos acontecimentos do momento por que passava a sociedade brasileira, o esforço de algumas meninas (também jovens atrizes), sucumbiu. Esta, que pode ser assistida na Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura (Conjunto Nacional) se transforma num divisor de águas, na relação teatro/literatura. É difícil dizer, quem é mais responsável pelo êxito: a adaptação, a direção, ou o elenco; raras vezes tão homogêneo, nos dias atuais. As três jovens atrizes que interpretam “as meninas”, protegidas pelas brilhantes interpretações de experimentadas atrizes (Clarisse Abujamra e Tuna Dwek), “matam todas as cobras” e desafios, e ainda por cima, dão uma colher de chá para um promissor ator (Julio Machado) fazer um contra-ponto, não mais do que isso. A figura masculina se transformou num detalhe (indispensável, por sinal). A montagem é algo muito sério, que vai muito além do que “algumas mal traçadas linhas”. Clarisse Abujamra

Sobre o texto de Lygia: é impressionante o bem para humanidade que a literatura pode causar, principalmente quando segue a sutileza, demonstrada na escrita de Lygia Fagundes Teles. Para quem vibrou com a primeira conquista do Brasil, na Suécia, em 58, ouviu pela primeira vez os acordes de João Gilberto pelo rádio e Caetano Veloso pela tevê; e ainda mais, que tenha procurado, ansioso, sua própria foto naqueles cartazes horrorosos, espalhados pelos bares e rodoviárias, poder ver este texto no palco é mais do que um luxo. É um gozo. É raro encontrar uma escrita que revele todo um período, sem descrever um fato histórico sequer. É o caso dessa montagem. Ela trouxe até as luzes dos refletores desse século que mal começa, os horrores e a perplexidade de um momento também raro, de todas as nossas vidas. Não se aplica neste caso, àquela visão reacionária: “nossa, como esse texto é atual, não?”. Pelo contrário, ao assistir AS MENINAS, em nenhum momento esquecemos que tudo faz parte de um mesmo livro, um romance, e de uma novela, implacável; mas, mesmo assim, apaixonante! Conforta, ainda mais, quando é possível socializar os dramas e esperanças (por que, não?), de meninas, hoje mulheres, que olham com ternura nosso passado.

A dramaturga, e o que resultou: acompanhamos Maria Adelaide Amaral, desde Bodas de Papel, um estrondoso sucesso, no Teatro Itália, nos anos setenta. Na tevê, nem sempre concordamos com a “recriação histórica”, em algumas minisséries, mas como aqui o foco é a adaptação de um texto já consagrado, o que se pode dizer é que a dramaturga “fez o parto de uma criança que teimava nascer, desde de há muito”. O resultado é uma menina robusta e perturbadora, na sua beleza.

As atrizes: não bastasse o primor na atuação de Clarisse Abujamra, no papel de Mãezinha, que consegue arrancar graça e descontração da própria desventura, de uma mulher pouco amada (da personagem, é claro), o elenco é um luxo só. Para o teatro, é fundamental que o ator traga em cada fala uma síntese dos sentimentos e história de sua geração. É o que Clarisse consegue fazer, especialmente quando murmura - “Nem fala, nem fala...” (Ouvi direito o que ela disse? Ela disse isso mesmo? Inacreditável!!). Tuna Dwek, “roda a baiana” nos contrastes de uma freira, sem cair no riso fácil. Ela faz um desenho primoroso de sua contradição, premiando àquele que vai ao teatro. Quanto às três atrizes, interpretes das meninas, é comovente vê-las no mergulho de um contexto que, em verdade, sequer ouviram falar direito. Não há literatura, ou pesquisa na Internet que consiga encubar esta experiência vivida por aqueles personagens, no entanto, elas conseguiram - o que é próprio da magia do teatro, recriar, sem retoques, o furor daqueles tempos. Desconcertante, para os da geração que se dizem “espadas”, descobrir somente agora o que se passava por dentro das entranhas daquelas parceiras da mesma aventura. As “Culpadas” por esse espanto são as atrizes (Clarissa Rockenbach, Luciana Brites, e Silvia Lourenço foto abaixo). Vida longa, a todas elas.
Direção: não se pode acusar a direção de ter optado por soluções mirabolantes - atrizes descendo do teto, penduradas por cabos de aço; sons estridentes, procurando atingir emoção, na marra. De qualquer forma, o resultado é espantoso. Yara de Novaes provou que o silêncio pode atingir mais fortemente, do que um tiro. Não ouvimos tiro, tão pouco sangue no palco. Não foi preciso. A lembrança de que pode ter havido morte e destruição, basta. A direção, aí sim, é responsável - deslumbrantemente, culpada.

A equipe de AS MENINAS, que permitiu este prêmio ao Teatro Brasileiro, é extensa e pode ser verificada no “serviço”, que acompanha essa singela avaliação.

O espetáculo (meu texto) acabou aqui! Tem mais, no próximo final de semana.

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(*)Mudança no elenco da peça “AS MENINAS”, de Lygia Fagundes Telles, em cartaz no Teatro Eva Herz: As atrizes, Clara Carvalho e Patrícia Gaspar, integram o elenco, a partir de 06 de fevereiro, substituindo Clarisse Abujamra (mãezinha) e Tuna Dwek (Irmã Priscila), respectivamente. No papel de “As Meninas”, continuam Clarissa Rockenbach (Lorena), Luciana Brites (Ana Clara), Silvia Lourenço (Lia), além de Julio Machado (Max, Guga e M.N.).

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