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Nenhum estado suporta a autonomia
11 abril 2010
Por Egydio Schwade da Casa da Cultura do Urubuí/Amazonas Com o titulo “Pequenas e Médias Cidades na Amazônia”, Fase e Universidade Federal do Pará, publicaram, recentemente, um livro que aborda a urbanização da Amazônia. O primeiro capítulo da geógrafa Elis Miranda, trata do projeto de Pombal, pai da urbanização na Amazônia, em confronto com os aldeamentos dos jesuítas do século XVIII.
Atrevo-me a abrir o leque de opiniões, análises e interpretações correntes da história amazônica. Os missionários jesuítas do período colonial, (distingo aqui os missionários jesuítas dos Professores jesuítas de colégios e de universidades, porque enquanto estes eram funcionários de instituições, aqueles procuravam realizar uma vocação ou missão junto a um povo), portugueses ou não, todos vieram para o Brasil em naus dos governos colonialistas. Isto lhes tirava a autonomia e a liberdade no trabalho com os povos indígenas, esses povos autônomos das Américas. A Ordem jesuítica convoca periodicamente Congregações Gerais para avaliar os impasses que seus missionários enfrentam. Assim em uma dessas reuniões pelo final do século XVII concluíram que a sua ação junto aos povos indígenas prejudicava os índios e favorecia os comerciantes e fazendeiros. Por isso, decidiram mudar o seu estilo de missão tornando-a mais independente dos Estados. Simultaneamente, em diferentes partes das Américas, criaram um novo paradigma ou modelo de missão que devolvia, paulatinamente, a autonomia aos povos indígenas, grande parte já sob o domínio colonial.
Experiências desse tipo, ocorreram no Canadá, no México, Juli/no Peru, a famosa República Comunista dos 30 povos Guarani(Argentina, Paraguai e Brasil, onde com o incentivo dos jesuítas e a pata do boi, como arma, os Guaranis reconquistaram boa parte do território que haviam perdido) e, finalmente, a dos aldeamentos da Amazônia. Em todos eles começou a reinar um novo tipo de governo. Convém observar que quase todos os historiadores influídos pela literatura dos vencedores, ou seja, dos estados colonialistas, unidos contra o novo paradigma de governo emergente destas experiências com os povos indígenas das Américas, continuam até hoje difundindo a balela de que quem dominava esse modelo eram os jesuítas e não os indígenas o que não deixa de ser fantasioso. Primeiro por que os missionários jesuítas não passavam de um grupinho insignificante de pessoas dentro das sociedades coloniais e indígenas e minoria até dentro da própria Ordem. A maioria da Ordem era, ontem como hoje, constituída de professores de universidades e de colégios, a serviço das elites e muitas vezes em conflito com os missionários. Basta citar um caso da época para se ter uma idéia dessa realidade conflitante.
Quando os Sete Povos das Missões dos Guaranis no Rio Grande do Sul foram invadidos por bandoleiros paulistas e 15 mil guaranis presos e amarrados levados ao planalto de Piratininga, para escravos dos paulistas, um grupo de missionários jesuítas seguiu atrás dos índios, a pé, até São Paulo para protestar junto aos seus irmãos de Ordem que eram professores dos filhos desses bandoleiros e assassinos, que destruíram as aldeias e capturaram os Guaranis, não só não receberam apoio dos seus irmãos, mas nem abrigo lhes foi dado. Seguiram então para Roma de onde voltaram com uma Bula de apoio do Papa. Mas nem assim receberam abrigo nas casas jesuíticas. Chegando ao Rio, ficaram literalmente na rua. Engavetaram, então a bula papal que se tornara instrumento inútil e voltaram às suas missões, onde comprometidos com o povo Guarani, reconstruíram as aldeias destruídas e decididos a defendê-las, daí para a frente, com novos meios. Por isso, em novo ataque os paulistas foram fragorosamente derrotados pelos Guaranis dos Sete Povos, deixando o Governo Colonial irritado contra os jesuítas. As missões, reduções ou aldeamentos jesuítas devolviam aos índios a autonomia, a igualdade e a fraternidade. Não conheciam a fome. No Sul a criação de gado trouxe uma abundancia que virou mito até os nossos dias nos pampas gaúchos e continua sendo celebrada nos CTGs-Centros de Tradição Gaúcha. Em uma ação conjunta, os 30 povos Guaranis, formaram em apenas um ano uma fazenda de um milhão de cabeças de gado, reconquistando os campos da Serra Gaúcha de São Francisco de Paula. Quando os 7 povos foram destruídos em 1758 essa fazenda foi invadida por bandoleiros portugueses que mataram o gado, deixaram a carne aos urubus e arrastaram o couro até as praias, de onde os navios portugueses o levaram à Europa sem um escrúpulo registrado na História.
Aqui no norte o peixe abundava nos rios amazônicos e os frutos variados coloriam a margem de rios e igarapés em volta dos aldeamentos. Índios livres progrediam em suas aldeias com força e saúde para além do regime mercantil português. A alfabetização nos aldeamentos, e nas línguas nativas, estava mais avançada do que nas cidades mais modernas da Colônia: Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. A primeira imprensa, que os livros de História do Brasil afirmam ter tido início no Rio de Janeiro em 1758, em verdade, funcionou em Piraveri(hoje Pombal), na margem do Rio Xingu. E foi extinta pelo mitológico homem de estado: Pombal, exatamente em 1758. E se existiu o propalado controle de comércio das especiarias por parte dos jesuítas desses aldeamentos, os pesquisadores ainda precisam provar a quem ele serviu e como funcionou? Se os jesuítas exportaram especiarias, como muitos afirmam, supõe-se que o faziam rumo a Europa. E como esse punhadinho de jesuítas não tinha navio algum, de que frota de navios se valeu? Dos portugueses obviamente não foi e muito menos dos navios protestantes da Inglaterra, França ou Holanda, por razões evidentes?
Pombal inaugurou a fome e a dependência dos povos da região, porque inaugurou a urbanização da Amazônia. A urbanização é um processo, instrumento do Estado que leva sistematicamente à fome, à depredação da mãe-terra, ao fim da autonomia de qualquer povo. A Revolta dos Cabanos foi uma revolta dos pobres da Amazônia e foi sustentada principalmente pelos indígenas empobrecidos com o fim do sistema das aldeias e dos aldeamentos e a inauguração oficial do domínio português.
Mutatis mutandi, vivenciamos, em nossos dias, experiência semelhante a dos jesuítas. Em 1987 o CIMI-Conselho Indigenista Missionário, órgão da Igreja Católica de apoio à autonomia dos povos indígenas e à reconquista da sua terra e da sua cultura, sofreu uma dura perseguição. Os seus missionários foram expulsos de diversas áreas indígenas. Na oportunidade, também nós fomos expulsos da aldeia Yawará/Roraima, onde morávamos com os índios Waimiri-Atroari, povo que havíamos alfabetizado na sua língua materna com plena aprovação dos índios e dos cientistas que acompanhavam nosso trabalho. Fomos todos difamados pela grande imprensa com acusações ridículas semelhantes às que pesam, até hoje, sobre os missionários jesuítas que atuavam nos aldeamentos da Amazônia. Acusações de tipo: “serviço à mineradoras estrangeiras”, “agitação”, “amigos do estanho”… Poucos historiadores foram verificar a veracidade das acusações e creio que não passou por nenhuma cabeça de professor de colégio jesuíta ou até de PUC-Pontifícia Universidade Católica, com subsídios do Governo, darem apoio público aos missionários do CIMI. Imagine o que os pesquisadores do futuro escreverão do trabalho do CIMI e do nosso trabalho junto ao povo Waimiri-Atroari, quando fizerem as suas pesquisas e teses de universidade? Prevalecerá, provavelmene, o que a mídia dominante escreveu. E ao CIMI teria acontecido em 1987 o mesmo que aos jesuítas que no século XVIII também tentaram mudar os rumos da Historia das missões indígenas nas Américas, não fosse vinculado à Igreja Católica, mas apenas a uma Ordem religiosa.
Abrir novos rumos ao conhecimento dos povos amazônicos com olhar crítico sobre a História de mentiras e preconceitos criada pelos governos coloniais; adentrar-se na sabedoria desenvolvida pelos povos do lugar; analisar a ação de quem conviveu despretensiosamente com as populações regionais e partilhou com elas a sua vida e por vezes até ampliou sua visão introduzindo novos conhecimentos úteis; formar parcerias que levem alunos, cientistas e povo aos conhecimentos e aos documentos originais dos vencidos, (por exemplo, para aprofundar o período pombalino, seria interessante hoje manter contato com alguma universidade alemã, próxima a Fulda, onde se situava a sede da Província jesuítica responsável pelo envio da maioria dos missionários do século XVIII para os aldeamentos amazônicos), esta é uma tarefa essencial que se nos impõe hoje.
Aprender e ensinar a ler os bastidores da História, a buscar as letras miúdas dos vencidos, suas razões e motivações. O Estado é uma ficção que o homem criou para aliená-lo e domesticá-lo. A urbanização, o “divida et impere” e o dinheiro, são os principais instrumentos dessa domesticação. Nenhum Estado suporta um povo livre realizando a vocação de pessoas livres. Por isso mesmo, há que se pensar em novos paradigmas para a administração dos bens da vida na terra. A Amazônia, com sua grande biodiversidade, com os povos indígenas e ribeirinhos que vivem de uma economia invisível ao PIB, ao Estado, podem ser uma fonte de inspiração. A organização original dos povos das Américas e as experiências dos jesuítas na metade do século XVIII, junto a alguns desses povos, nos oferecem sementes e caminhos na busca de novos paradigmas para a garantia e a reorganização da vida na terra.
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
Um comentário:
Boa Tarde...
Digamos que entre a urbanizaçao na amazônia , o dinheiro , e outros, uma coisa que precisa ser compreendida é a questão de que os índios são místicos e trablham do seu jeito, um jeito difernte daquele que os brancos do mundo moderno fazem, ou sejam há uma tese antítese entre ser da natureza ( mais da alma ) e a questão do trabalho do branco ou simplesmente a questão do trabalho do índio com a do trabalho do branco...há ainda a questão meio ambiente e meio saúde....
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