Amazonas em Tempo
Até a presente data, a principal referência de política de saúde mental para o Amazonas está contida num documento aprovado pelo Conselho Estadual de Saúde (CES) em 4 de novembro de 2003. Como a municipalização da saúde só seria assinada um ano depois, até então cabia ao estado as ações ali propostas (confira no meu blog).
Fundamentado num forte arcabouço socioético, o novo modelo propunha uma elevada experiência ética nos cuidados em saúde mental, em que a dependência mútua entre os sujeitos dá-se através da atividade e interação incessante dos protagonistas aí envolvidos: usuários, familiares e técnicos de saúde mental.
Sobre as mais baixas variações da incidência de doença mental, tendo como base um relatório da OPAS/OMS (Organização Pan-Americana de Saúde / Organização Mundial de Saúde), projetou-se a rede de serviços substitutivos ao manicômio, tanto na capital quanto no interior.
Baseada nas experiências exitosas de outros estados, nem os centros de convivência foram negligenciados, posto que os cuidados compreendem demandas médicas, mas, também, as sociais. São esses centros, com suas peculiaridades, que ao sustentar um espaço para a construção coletiva da autonomia, através de projetos de geração de renda, enfrentam a indiferença social e o fechamento do mercado formal às pessoas com problemas mentais severos e persistentes.
Para nossa satisfação, as propostas aprovadas na Conferência Municipal de Saúde Mental (CMSM), com poucas variações, giram em torno dos eixos definidos naquele documento. A rigor, não há como fugir deles: implantação e expansão da rede diária de atenção psicossocial, formação e qualificação de pessoal.
A residência médica em psiquiatria, apesar de ter sido pouco mencionada pelos desafetos contrários à sua implantação, e que está em seu quarto ano de existência, saiu reforçada como um dever do gestor. Há informações de que ela será incubada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – reconhecido centro de formação que aderiu à reforma psiquiátrica –, como era nosso desejo. Junto com o curso de especialização da Fiocruz, elas são instrumentos importantes na construção de um novo perfil profissional exigido para a prática da clínica antimanicomial.
Alguns ajustes são operacionais. Por exemplo, o fim do hospício. A plenária da CMSM referendou o que estava contido na Política Estadual de Saúde Mental escrita em 2003, bem como na recente moção do CES: substituição do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, dispositivo histórico da violência institucional e simbólica contra os loucos, por um Hospital de Clínicas, mantido o Pronto-Atendimento para atenção às crises psiquiátricas.
Se a desativação do velho hospício depende da implantação de uma rede de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), a transformação de um núcleo, criado após minha greve de fome nos fundos dessa instituição moribunda, em um Centro de Reabilitação Psicossocial, só depende de vontade política.
Está na hora de fazer valer a Lei Estadual de Saúde Mental, transformar verbos e predicados, fazer as coisas acontecerem. E como tem coisa por fazer. O tempo perdido passou do limite suportável. Conhecemos a textura que deu contornos à política da indiferença. Ele já não se sustenta às portas da IV Conferência Nacional de Saúde Mental. De conferência em conferência, os familiares e usuários de saúde mental estão a cobrar políticas mais consistentes. É isso aí!
Manaus, Maio de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
Nota do blog: Artigo publicado no caderno Saúde & Bem Estar do jornal Amazonas em Tempo, edição deste domingo.
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