maio 22, 2010

Urubus do mal tentam me atazanar...

... mas não conseguem o intento beligerante (maniqueísmos à parte)

Nota do blog:
Por três vezes tentaram ofender o blogueiro durante a II Conferência Estadual de Saúde Mental, realizada no Centro Cultural dos Povos da Amazônia entre os dias 19 a 21 de maio. Saiu tudo na urina, depois que respondi à altura os disparates dos meus desafetos. Todos os absurdos foram ditos pelas bocas da ignorância travestida de pseudo-conhecimento. O saber que sustentavam as acusações tinham como pano de fundo os transtornos provocados por velhas feridas narcísicas. Vamos ao primeiro episódio. Onde já se viu pedir retratação deste velho militante antimanicomial por ter redigido um texto identificando a instituição psiquiátrica como uma instituição da violência (recomendo a leitura de: Vinicius, M. (organizador). A Instituição Sinistra – Mortes violentas em hospitais psiquiátricos no Brasil, CFP, Brasília, 2001.)? A identificação com a instituição totalitária, maquiada e repaginada, não é outra coisa do que uma perversão do conhecimento nessa altura da história da construção da reforma psiquiátrica. Vista à luz da luta antimanicomial, trata-se de uma franca agressão aos princípios éticos que norteam as novas práticas de atenção à saúde mental. Não foi à toa que essa turma andou propondo serviços residenciais terapêuticos no interior do próprio hospital psiquiátrico. Essa história tem antecedentes. Uma outra turma andou fazendo cursinho de alfabetização para os internos do hospital psiquiátrico, como o sugestivo nome de "projeto be-a-bá" (trata-se da mesma turma que havia proposto a implantação dos "lares abrigados" no mais remoto dos nossos bairros). Enquanto o primeiro tinha a duvidosa intenção de proteger internos de longa duração, o segundo depunha contra o conceito de inclusão social, com o agravante de infantilizar demandas reais de letramento negado à população psiquiátrica. O mais curioso nessa história é que a autoridade de saúde resolveu ouvir mais essa turma - numa suposta tentativa de democratizar a audição das partes -, em detrimento das propostas mais ousadas e coerentes com o ideário da reforma psiquiátrica antimanicomial que vinha, e vem, sendo defendida por setores dentro e fora do governo. Durma-se com um barulho desses! Pra essa turma que nega a radicalidade cidadã dos que propõem o fim da instituição da violência, minhas condolências. "Bem ou mal é essa instituição que ainda serve para atender os casos de crise", foi com esse "comovente" argumento que os conferencistas puderam identificar os atores sociais que ainda pregam tolerância para com a existência dos hospícios - vixe! Minha presença, e sobreduto a radicalidade do meu discurso, involuntariamente proporcionou a queda de algumas máscaras, aquilo que venho identificando como os "reformistas de araque". Penitenciem-se, fariseus! Há uma massa crítica em construção. A visibilidade obtida por essa turma que flerta perigosamente com o campo da contra-reforma, deve-se exclusivamente aos acordos entre pares de uma mesma classe: a classe média iletrada. Por fim, recomendo outra leitura, a do texto "Uma Luta Histórica : pela Transformação de uma Assistência Psiquiátrica Perversa e Desumana", do Conselho Federal de Psicologia, um primor de retrato do que vem sendo mantido por uma psiquiatria perversa e desumana. O segundo episódio tirei de letra. O médico recém-formado pela residência médica em psiquiatria (criada na minha gestão como coordenador estadual de saúde mental - 2003-2007), ao negar o papel disruptor da Associação Brasileira de Psiquiatria -ABP no debate público sobre a Reforma Psiquiátrica, ali onde temos reconhecidas deficiências que vem contribuindo para a regeneração do tecido conservador até então desarticulado por mais de 20 anos de avanços da luta antimanicomial, revelou ao mesmo tempo um precoce "esprit de corps" e a urgente tarefa de revisão dos fundamentos da formação de médicos psiquiatras no interior do hospício local (essa contradição - a de instalar a residência médica em psiquiatria no interior da instituição totalitária -, tinha como estratégia uma eventual superação dos limites impostos pela prática manicomial, mesmo porque Manaus só possuia apenas um CAPS funcionando precariamente no extremo da cidade, para atender a densa população da zona norte da cidade). A boa notícia - que ainda não circula por falta de transparência na informação da Secretaria Estadual de Saúde - é que o IPUB, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vai "incubar" a residência médica em psiquiatria do Amazonas. Crescem as chances de termos um profissional com formação compatível com o novo modelo de atenção psicossocial em vigência no país, e com uma visão mais crítica da psiquiatria conservadora ainda praticada entre nós. Tenho notícias de que a ABP vai levar uma tropa de choque para a IV Conferência Nacional de Saúde Mental, a ser realizada em junho em Brasília. Vamos enfrentá-los no debate. O terceiro episódio deu-se por ocasião da escolha de delegados à conferência nacional. Um velho desafeto teve a ousadia de desqualificar a Universidade do Estado do Amazonas (onde fez concurso e não foi aprovado), da qual sou Pro-Reitor de Extensão, como instituição parceira da Reforma Psiquiátrica brasileira. Depois de rotular a UEA como autoritária, ao tentar me execrar obteve um resultado para ele inesperado: tive a maioria dos votos dos presentes. O que esse cidadão desconhece é que coerência se constrói com discursos e práticas. Penso que o coletivo me aprovou, por ser testemunha da indissociabilidade da minha prática com os princípios éticos com que atuo dentro e fora dos cargos que tive, e tenho, a honra de por eles responder.

Às tentativas de humilhação, ridicularizacão e ofensa, restou-me, durante minha exposição na mesa de discussão do eixo da Intersetorialidade, fazer uma declaração pública de amor à minha Nivya, sem a qual não suportaria as dores (e as delícias) de ser Chico Inácio, nome da Associação do Campo da Atenção Psicossocial, que ajudei a fundar em 2004 e que se mantém fiel aos princípios de independência e autonomia dos poderes públicos, políticos e religiosos. O gesto, muitas vezes considerado ridículo pela claque masculina, teve a simpatia do público feminino.

Esse longo texto foi inspirado num outro quilométrico, de autoria do nosso considerado Miguel do Rosário. Mordido por uma suposta ofensa, depois de uma noite mal-dormida em que o Flamengo perdeu a oportunidade de ir para a Libertadores, Miguel, exemplo do bom urubu, escreveu um belo texto - como sempre - que vai além dessas questiúnculas para colocar em pauta a importância de ser Dostoiévski. Acesse para ler: Patetices de um rubro-negro triste.


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