PICICA: "O debate
atual, é quase sempre contra ou a favor das pulsões fascistas
resultantes da resignação com um mundo distópico ou, na outra ponta,
baseado nas esperanças messiânicas de mudança ou a reação histérica
contra as "decepções". Dilma era a presidenta-guerrilheira que iria
"avançar" com o projeto plebeu-reformista-revolucionário de Lula e,
logo, converteu-se na sua deformação burocrática-positivista. Até que
ponto ele foi (ou pôde ter sido) isso ou é tal coisa agora? Poderemos
confiar nos Freixos e nas Marinas? Haddad, com todos os bons sinais do
seu início de gestão, seria a resposta? O que nos aguarda logo mais?"
Apatia e Ditadura da Segurança em Tempos de Crise
Depois de dias corridos e um involuntário sabático das páginas deste blog, há uma miríade de questões que emergem enquanto evento neste mundo em crise. A dita "crise", cuja existência quase coincide com a existência d'O Descurvo, é menos acidente e mais a realidade do sistema em que vivemos: não é a crise do sistema global, mas a crise como sistema.
Certamente,
os leitores deste blog estejam ansiosos com o quadro atual, à espera de
boas novas, embora o que se põe em jogo para tão logo seja quase o
mesmo. E que as boas novas virão tão quanto o Godot de Beckett. O mestre Giuseppe Cocco, no entanto, publicou um belo artigo no
qual sintetiza muito bem o estado da arte e a arte do estado atual.
Movimentos surgem, movimentos se apagam, heróis vêm e são as decepções
do amanhã. Um belo início de conversa sobre o que interessa.
O debate
atual, é quase sempre contra ou a favor das pulsões fascistas
resultantes da resignação com um mundo distópico ou, na outra ponta,
baseado nas esperanças messiânicas de mudança ou a reação histérica
contra as "decepções". Dilma era a presidenta-guerrilheira que iria
"avançar" com o projeto plebeu-reformista-revolucionário de Lula e,
logo, converteu-se na sua deformação burocrática-positivista. Até que
ponto ele foi (ou pôde ter sido) isso ou é tal coisa agora? Poderemos
confiar nos Freixos e nas Marinas? Haddad, com todos os bons sinais do
seu início de gestão, seria a resposta? O que nos aguarda logo mais?
É possível que a resposta é confiar em nada, mas não como o niilista, mas sim como o pleno de vida. Como aquele que deixa para lá o negativo em vez de submergir nele
-- que não é diferente do crente, mas aquele prefere se agarrar a uma
nova tábua da salvação imaginária, uma vez perceba-se perdido. As
ilusões, confusões e demais acidentes de ótica são um mal inerente
àquela área da física. Na política, é mais prudente entrar no movimento
em vez de observa-lo, ou pensa-lo pela observação, é preciso preferir a
cinética à ótica.
Vivemos em um mundo no qual, depois de mais de um século alentando o sonho da utopia,
a segurança tornou-se um ente plasmoso e total: se tudo não pode ser
transformado de uma vez, precisamos nos higienizar, nos isolar, nos
blindar médica, urbana, social, econômica e sexualmente.
Tudo se torna objeto de segurança:
hiperdosagem de drogas para não adoecermos, sistema de segurança nos
lugares que habitamos -- tornando o comum que se pode extrair do público
em extensão da Casa --, práticas sociais cínicas e desconfiadas,
seguros para nossos bens e para o nosso patrimônio -- e seguros dos
seguros --, sexo seguro etc.
O desejo de
segurança é menos que um desejo, é quase um instinto, um ruminar aquém
do humano em uma época dita pós-human(ist)a Quase como o ímpeto do cão
que persegue o próprio rabo, caso o alcance, moderá a própria carne,
embora é provável que nem isso consiga. Como ficaremos mais seguros
torna-se a pergunta posta nas redes sociais, nas ruas, no almoço de
domingo. Sem isso, estamos desesperados e, em face do desespero, o homem
é animal.
A resposta
das esquerdas é quase sempre a esperança. Uma volta ao tempo que
podíamos ter esperança, a esperança que o Partido conquistasse o Estado
e, assim, realiza-se a revolução e fizesse a liberação. É uma aposta,
convenhamos, ruim porque o mundo pós-moderno é mais ou menos o que
resultou do desastre de quando a luta política foi reduzida a modelos
ideais, fazendo-se vapor em seguida; o que ocorre quando as causas
temporais exteriores à esperança a fazem atual? Via de regra, o
desespero daquele que chegou ao Paraíso e não gostou do que viu.
Utopia que se preste é menos NoWhere e mais Now-Here. E
se a crise da política moderna está posta, por outro lado, a
insustentável leveza dos novos movimentos cai por terra: o que é social,
embora intenso, sem ser propriamente político faz-se vapor facilmente,
seja pela captura do novo tirano -- que se parece mais com um burocrata
de uma seguradora do que um rei -- ou pelas velhas formas de tirania e
seu poder disciplinar.
O grande nó que está posto é complexo. Exige, de um lado, é o fim da esperança em qualquer coisa, sem cair no devaneio securitário --
ou contra ele, que é efeito relativo a escassez, e não causa -- para se
entregar ao seu antagônico: o movimento em fluxo, veloz e turbilhonar,
pois o movimento do rio que sempre flui e nunca é o mesmo é o oposto à
ideia da secura (que, não à toa, embasou o conceito do afeto de
"segurança"). Pelo outro, uma
teoria prática, e uma prática teórica, que dê conta da compreensão da
diferença entre o social -- virtualidade de coexistência -- e o político
-- atualizador virtual -- e a operação da produção de diferenças na
multiplicidade, em larga escala singular..
Espiritualmente,
tragamos contra o desespero uma prudência -- logo, uma resposta prática
e empírica -- no agir, seja nas instâncias mais simples da vida às mais
complexas; enquanto modo de atuação atuação, uma superação do social --
das redes físicas ou virtuais e suas conveniências -- para abraçar uma
engenharia de intervenções, povoada de ritmos e formas geométricas.
As
transformações necessárias exigem muito esforço, muita atuação. É
preciso alegrar-se e constituir uma fortaleza existencial, uma vez que,
no fundo, só nós mesmos podemos nos ferir. É preciso sair do choque, é
preciso não cair em uma nova teologia-política.
Fonte: O Descurvo
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