PICICA: "O STF é uma má instituição porque concentra muito poder. Decide,
sobretudo, acerca das competências de cada órgão do Estado, inclusive de
si mesmo. A concentração da competência de ser, afinal, a cabeça do
judiciário e o guardião da constituição torna tudo, inclusive, pior.
Encarna, pois, um poder moderador, um retorno do dispositivo de
suspensão de direitos à normalidade institucional, o que o torna mais
perigoso do que quando empunhado pelas Forças Armadas, por exemplo. E ao
fazê-lo, aliás, torna os juristas uma casta super-representada na
República, tanto que eles terminam por perder sua própria condição e
significado -- como, por exemplo, ocorreu com os militares durante a
ditadura, quando acabaram reduzidos a burocratas trajando verde-oliva."
O STF e o Significado Político da Indicação de Barroso
O advogado carioca Luis Roberto Barroso foi indicado pela
Presidenta Dilma para o cargo de ministro do STF. Sua indicação, aliás,
pôs a suprema corte brasileira novamente sob os holofotes. Estaria Dilma
agora povoando o STF com juristas "progressistas"? Ou seria ele apenas
um perfil que se enquadra bem para substituir Ayres Britto, seu
antecessor? É fato que a suprema corte brasileira, cujo poder já não era
pequeno originalmente em 1988, só viu sua força aumentar desde então, a
ponto de estar, hoje, na ribalta do jogo político nacional com questões
como "julgamento do mensalão" e o seu confronto aberto com o Congresso
Nacional.
Barroso, por seu turno, é um constitucionalista aclamado, dono de uma oratória ímpar e um texto rebuscado e fluído,
que ganhou notoriedade nos últimos anos ao assumir casos de grande
repercussão -- e populares em meio à esquerda -- como as defesas do ativista italiano Cesare Battisti, da União Estável entre casais homoafetivos e da descriminalização da interrupção clínica da gestação de fetos anencéfalos --
considerada, até aquele momento, como "aborto". Há, no entanto, outros
lados pouco lembrados de Barroso, como sua proximidade (intelectual,
inclusive) com as reformas privatizantes dos anos 90 e seu papel
militante como advogado da Abert, associação das empresas de rádio e TV
que, basicamente, ressoa os interesses das Organizações Globo,
carro-chefe do oligopólio midiático brasileiro.
O governo petista (2003...) patrocinou reformas constitucionais e legais que ampliaram o poder do STF -- vide Emenda Constitucional n. 45/2004 -- e teve, por força das inúmeras aposentadorias de ministros, o espaço para indicar inúmeras cadeiras. A composição da corte, dez anos depois, não ficou satisfatória, por certo. Barroso junto com (o já aposentado) Eros Grau (e talvez o próprio Ayres Britto) foram os poucos nomes com alguma relevância no pensamento jurídico nacional -- o que por si só já não seria muito. Não é de se espantar, portanto, que a corte tenha embarcado nos últimos anos em uma trajetória narcísico-populista, com o conflito contra o Poder Legislativo ou, também, na briga para saciar o ímpeto moralista-punitivo da nossa sociedade com o caso do Mensalão -- ao arrepio de direitos e garantias individuais.
O governo petista (2003...) patrocinou reformas constitucionais e legais que ampliaram o poder do STF -- vide Emenda Constitucional n. 45/2004 -- e teve, por força das inúmeras aposentadorias de ministros, o espaço para indicar inúmeras cadeiras. A composição da corte, dez anos depois, não ficou satisfatória, por certo. Barroso junto com (o já aposentado) Eros Grau (e talvez o próprio Ayres Britto) foram os poucos nomes com alguma relevância no pensamento jurídico nacional -- o que por si só já não seria muito. Não é de se espantar, portanto, que a corte tenha embarcado nos últimos anos em uma trajetória narcísico-populista, com o conflito contra o Poder Legislativo ou, também, na briga para saciar o ímpeto moralista-punitivo da nossa sociedade com o caso do Mensalão -- ao arrepio de direitos e garantias individuais.
A corte na qual Barroso, possivelmente, ocupará a cadeira de ministro
tornou-se o que é com o golpe de 64, que reformou seus quadros com o
afastamento de ministros não-alinhados com a nova ordem (ditatorial) e
inaugurou uma ritualística cheia de salamaleques (togas, incluso). O
STF, tal como restou desenhado pelos militares, sobreviveu incólume ao
processo constituinte de 1988, nos legando uma corte suprema que detém,
ao mesmo tempo, as atribuições de tribunal constitucional e de órgão
máximo do judiciário -- na Europa e nos demais países que usam o sistema
jurídico romano-germânico, normalmente, essa confusão não acontece --,
na qual os ministros não possuem mandato e, ainda, são escolhidos por
meio de um processo pouco claro de indicação pelo Presidente da
República com nomeação via "sabatina" do Senado.
O resumo da ópera é que o STF julga desde questões de Estado -- como a
constitucionalidade das leis -- até matéria criminal, seus ministros
podem ficar 35 anos no cargo pelos critérios atuais e não há um critério
não-casuísta para sua escolha. Embora, evidentemente, o buraco seja até
mais embaixo. O problema tal como apresentado é só o primeiro capítulo.
Além das mazelas propriamente brasileiras, o STF, enquanto corte
constitucional, não deixa de reproduzir os problemas gerais ligados ao
controle de constitucionalidade em toda parte.
O STF é uma má instituição porque concentra muito poder. Decide,
sobretudo, acerca das competências de cada órgão do Estado, inclusive de
si mesmo. A concentração da competência de ser, afinal, a cabeça do
judiciário e o guardião da constituição torna tudo, inclusive, pior.
Encarna, pois, um poder moderador, um retorno do dispositivo de
suspensão de direitos à normalidade institucional, o que o torna mais
perigoso do que quando empunhado pelas Forças Armadas, por exemplo. E ao
fazê-lo, aliás, torna os juristas uma casta super-representada na
República, tanto que eles terminam por perder sua própria condição e
significado -- como, por exemplo, ocorreu com os militares durante a
ditadura, quando acabaram reduzidos a burocratas trajando verde-oliva.
Há, também, uma questão fundamental por trás dessa "concentração de
poder", coisa que mesmo o constitucionalismo moderno e polido de um
Barroso também deixa escapar: é a noção de que a Ordem decorre de um
processo revolucionário ou reformista que, no entanto, é reduzido a um mito fundador, que
deve ser mediado por um dispositivo; por exemplo, a redemocratização
constituinte nos fundou, mas não é mais possível se pôr como quem quer ainda
constituir direitos politicamente, mas por uma ladainha quadrada e
inofensiva, autorizada pelo Estado -- como também não é mais possível
ser revolucionário ou nômade, mas a revolução é posta como base da ordem
moderna e o nomos, desde Sólon, seja a base das leis e do direito.
O nômade, como ser do que não aceitou a sedentarização da pólis, o revolucionário, aquele que não aceitou a acomodação da nova velha ordem, o constituinte, quem entende que a constituição de direitos é constante como a vida e não um monumento, são posições incômodas, pois afirmam o nomos, a revolução e o movimento constituinte como devir, não como em função atrelada a um período histórico datado, estático e representacional. Nessa concepção, pensando em termos negrianos, o STF é o dispositivo que aparece e sujeita essa potência constituinte, procurando torna-la virtual no discurso para adestra-la: dizer não às demandas ou afirma-las como outorgas, meras benesses do soberano, em sua imensa piedade, aos súditos.
O nômade, como ser do que não aceitou a sedentarização da pólis, o revolucionário, aquele que não aceitou a acomodação da nova velha ordem, o constituinte, quem entende que a constituição de direitos é constante como a vida e não um monumento, são posições incômodas, pois afirmam o nomos, a revolução e o movimento constituinte como devir, não como em função atrelada a um período histórico datado, estático e representacional. Nessa concepção, pensando em termos negrianos, o STF é o dispositivo que aparece e sujeita essa potência constituinte, procurando torna-la virtual no discurso para adestra-la: dizer não às demandas ou afirma-las como outorgas, meras benesses do soberano, em sua imensa piedade, aos súditos.
A presença de Barroso, ao mesmo tempo que diz muito simbolicamente, no entanto, quer dizer pouco. Dilma já nomeou três ministros que disseram pouco, ou muito no mau sentido, como Fux -- envolvido em declarações bisonhas de que teria feito lobby junto a réus do Mensalão para ascender ao STF -- Rosa Weber -- que disse pouco a que veio, apesar da pouco animadora sabatina no Senado -- e Teori Zavascki, além dos membros nomeados em governos anteriores. Ainda assim, o grave atoleiro institucional que nossa República se encontra, e que Lula não conseguiu dar jeito, muito menos sua sucessora, seguirá ainda por mais tempo. Não é questão de um novo recomeço, uma reforma política institucional, uma nova constituinte (isto é, uma representação de processo constituinte por meio de algum drama parlamentar), mas de um processo contra o Estado que leve em conta, ainda, o tamanho do desafio que é conjurar o Leviatã.
Fonte: O Descurvo
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