maio 16, 2013

"PIMESP, racismo e classismo na academia", por Adriana Rodrigues Novais e Frederico Daia Firmiano

PICICA: "No Brasil, autores como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha viam no “branqueamento” um caminho para o Brasil em direção à civilização. Com a exceção notória de Manoel Bonfim, médico sergipano, que via na condição colonial a origem do atraso relativo dos países latino-americanos, a elite intelectual brasileira atribuía todos os males à composição racial negra, indígena ou mestiça do seu povo."
EM TEMPO: O PICICA oferece um doce de cupuaçu japonês para quem identificar quem foi o psiquiatra que queria introduzir nas instituições médicas e de ensino a prática da eugenia no Estado do Amazonas.

PIMESP, racismo e classismo na academia


O PIMESP é a ponta de um iceberg. O que está por baixo é a matriz do pensamento social brasileiro, baseado na teoria racial e no “darwinismo social”.
13/05/2013

Adriana Rodrigues Novais* e
Frederico Daia Firmiano**

No século XIX, as ciências sociais no Brasil tinham como marco teórico a teoria racial, a teoria climática e o “darwinismo social”. Era o relato dominante entre os intelectuais da América Latina a propósito do povo. Aquele foi um período de constituição de Estados de costas para a Nação e que tomavam a Europa como referência de civilização. O território era, para esses intelectuais, a sede da barbárie.

No Brasil, autores como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha viam no “branqueamento” um caminho para o Brasil em direção à civilização. Com a exceção notória de Manoel Bonfim, médico sergipano, que via na condição colonial a origem do atraso relativo dos países latino-americanos, a elite intelectual brasileira atribuía todos os males à composição racial negra, indígena ou mestiça do seu povo.

Nina Rodrigues, mesmo sendo um abolicionista declarado, chegou a “provar” que a desvantagem intelectual dos negros tinha bases na sua constituição biológica. Observou que a soldadura dos ossos cranianos dos bebês negros, assim como os brancos que depois apresentavam atraso mental, era precoce, impedindo assim o desenvolvimento do cérebro.

Nina Rodrigues fez uma experiência, registrada no seu livro “Africanos no Brasil”,  na qual tentou retardar o fechamento do crânio de bebês negros por meios mecânicos, mas “comprovou” que a soldadura precoce era apenas um sintoma, e não a causa do reduzido desenvolvimento cerebral em tais indivíduos. O positivismo de Auguste Comte, o darwinismo social e o evolucionismo de Spencer dominaram o pensamento no berço das ciências sociais brasileiras.

Muita água correu embaixo da ponte. A sociologia crítica combateu tais teorias. Décadas mais tarde, As obras de Florestan Fernandes e Octávio Ianni, de Milton Santos e de muitos outros fundamentaram suas acusações de tais teorias como racistas e anticientíficas. Mas essa matriz primeira permeou o senso comum e permanece enraizada, ainda que nem sempre manifesta, na academia.

O darwinismo social, segundo o qual são os mais aptos e talentosos os que “se estabelecem”, se parece muito com a meritocracia do senso comum. De nada serve estudar autores como Pierre Bourdieu, que explica a difícil adaptação à vida escolar e universitária dos filhos de famílias não escolarizadas por conceitos como “capital cultural” e “habitus”, quando uma crença que impregna o pensamento dominante se impõe: pobre é pobre por merecimento.

E as universidades paulistas não negam sua origem. Cabe lembrar que Júlio Mesquita Filho, patrono da Unesp, escreveu, a propósito da USP, que a universidade é o cérebro do organismo social brasileiro, acrescentando depois: “Nós temos que cuidar muito do organismo político brasileiro, e não podemos dar direito de voto a determinadas regiões, porque o organismo brasileiro é meio teratológico, cresceu de um lado e não se desenvolveu de outro [...] Ocorreu na sociedade brasileira um problema seríssimo, foi incorporada à cidadania a massa impura e formidável de 2 milhões de negros, que fizeram baixar o nível da nacionalidade, na mesma proporção da mescla operada”.

O PIMESP, “Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista”, carrega, no seu DNA, como gostaria Nina Rodrigues e no próprio nome, essa perspectiva teórica, substrato do pensamento acadêmico conservador brasileiro. É a proposta do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas para implementar a política federal de cotas à maneira “paulista”.

O programa tem como meta que pelo menos 50% das matrículas de cada curso e de cada turno provenham de escolas públicas e que 35% seja de pretos, pardos e indígenas, isto é, que o alunado da universidade tenha uma composição semelhante à da sociedade brasileira, segundo o censo do IBGE de 2010. O que o programa prevê é uma inclusão progressiva, com inclusão de 40% dos beneficiários das cotas em cursos sequenciais de dois anos, de caráter profissionalizante e de duração e ofertados à distância. Concluído o curso de dois anos, o aluno poderá ingressar a uma universidade ou faculdade pública estadual.

Não há qualquer explicação a propósito da relação causal entre esse procedimento e as metas. Aliás, parece que o procedimento responde a outras metas, não mencionadas: a criação de cursos pobres para estudantes pobres, e criar empecilhos para que tais estudantes tenham acesso aos cursos que lhes interessam, adiando o seu ingresso.

Por que esses dois anos os aproximariam ao curso desejado? Os cursos sequenciais seriam, por acaso, uma oportunidade de “nivelamento”? De que maneira um curso à distância favoreceria esse “nivelamento”? Isso não é dito. Por que os estudantes pobres têm que “fazer mérito” e os ricos não? O Conselho de Reitores das Universidades de São Paulo não suporta nem a tímida política de democratização do ensino superior do governo federal. Êh, São Paulo da garoa e da elite racista. 


* Professora da rede pública estadual de ensino médio e Mestranda em Sociologia pela UFSCAR;


** Professor-assistente da Função de Ensino Superior de Passos; doutorando em Ciências Sociais pela UNESP, campus de Araraquara.

Fonte: Brasil de Fato

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