MANIFESTO BURLEMARXISTA 1:
Jardins da Resistência x Natureza Morta
Apoiamos TODAS as formas de vida.
E repudiamos a recuperação estética em detrimento da qualidade
ambiental, em detrimento das sombras das copas das árvores, para
“melhorar” visualmente o território, para fazer aparecer os edifícios
num processo de entendimento de que a cidade é uma empresa e precisa ser
negociada. Entendemos que a cidade é para ser vivida e não para ser
vista e comercializada.
Para o paisagista Frances Gilles
Clement o conceito de Jardins de Resistência é o de uma área, pública ou
privada, onde a arte da jardinagem - para o sustento, prazer, parques
ou outros programas de acompanhamento, urbano ou rural, é praticado em
harmonia com a natureza e o homem, livre da dominação de mercado.
Diversidade, tanto biológica e cultural, bem como a preservação da água,
do solo e do ar é incentivada para o bem comum. Para ele acima de tudo
os jardins são vivos e estão sempre em movimento.
No contexto
atual da cidade de Belo horizonte faz-se esclarecedor recorrer a tal
conceito. Crescida sob o status de cidade Jardim será que a cidade ainda
honra tal título? O bem comum é objetivo da construção dessa cidade?
Políticas públicas de gestão e planejamento do espaço urbano vêm,
sistematicamente, podando o “Belo Horizonte” em nome de um progresso
econômico e da criação rápida e eficiente de uma cidade preparada para a
Copa do Mundo que nada tem a ver com a construção de qualquer bem
comum. A falta de diálogo com a população no que diz respeito à
concepção dos projetos reforça o estranhamento causado pelo corte de
centenas de árvores saudáveis em nome de tais projetos.
Como
exemplo dessa postura destacamos o projeto de alargamento da Avenida
Presidente Antônio Carlos onde restaram apenas seis árvores no trecho da
lagoinha ao viaduto São Francisco. A instalação do BRT pressupõe ainda a
retirada de palmeiras centenárias para sua instalação. No entorno do
Mineirão cerca de 800 árvores, a maior parte delas nativa, foi cortada.
As podas dos Ficus das Avenidas Barbacena e Bernardo Monteiro também
são exemplares. A partir do diálogo e da participação encontrou-se um
caminho mais efetivo com a utilização do óleo de Nim que se mostrou
bastante eficaz no combate à praga da mosca branca evidenciando a
precipitação dessas podas.
Também o ensejo de se tornar
relevante no cenário turístico internacional tem sacrificado árvores e
jardins. Um dos projetos que nos tem chamado atenção ultimamente é o de
recuperação de todo o paisagismo dos jardins que conformam o complexo da
Pampulha, de autoria de Roberto Burle Marx. Inserido no conjunto de
intervenções que almeja garantir o título de patrimônio da humanidade ao
complexo, o projeto prevê em seu escopo a supressão de dezenas de
árvores sadias que, por motivos variados, cresceram em meio aos jardins
do paisagista, mas que não faziam parte de seu projeto original. Mas tal
ação se contrapõe à essência do pensamento do paisagista para quem os
jardins estão sempre em movimento sob a ação transformadora do tempo.
"Burle Marx declarava que a planta 'goza, no mais alto grau, da
propriedade de ser instável. Ela é viva enquanto se altera'." Segundo
alguns pesquisadores, o paisagista não se preocupava apenas com o
aspecto estético de seus jardins. A condição de botânico lhe deu um
amplo conhecimento do seu ciclo de vida das plantas, prevendo as suas
mutações e transformando-as em parceiras de sua obra. O conhecimento da
botânica lhe revelou que as plantas vivem em associação. Burle Marx
dizia que apenas iniciava o trabalho dos jardins, pois 'o tempo completa
a ideia'."
A trajetória de Burle Marx sempre foi pautada no
respeito com a natureza e em sua investigação. Segundo o próprio
paisagista sua influência vem de sua mãe. "Quando eu comecei a trazer
plantas do mato que eu gostava ela nunca disse ‘ai Roberto isso é mato’.
Ela dizia: ‘Roberto que coisa bonita, eu nunca tinha visto, isso é uma
espécie de manifestação divina.’ "
O argumento do replantio
das árvores suprimidas tenta justificar e acena com uma possibilidade de
restauração ambiental e compromisso ecológico. Mesmo que numa realidade
remota onde paisagistas e jardineiros se tornem elementos importantes
das políticas urbanas oficiais, não estarão eles sendo instrumentos de
um esverdeamento tardio? A manutenção de árvores adultas possibilita a
sobrevivência de vários ecossistemas já em equilíbrio rompendo com uma
ecologia urbana constituída. Uma recomposição demandaria a necessidade
do plantio de 100 árvores para cada uma derrubada sem o mesmo efeito das
árvores adultas segundo o biólogo Sérvio Olusogba.
Gilles
Clement acredita que os jardins são formas de reflexão sobre o que é
público e de fazer política. Apoiado sob o tripé conceitual do Jardim
Planetário, Jardim em Movimento e da Terceira Paisagem ele aponta para o
Jardim da Resistência como possibilidade. Segundo Olivier Mongin num
mundo de fluxos, pressões econômicas e do urbano generalizado, o jardim
"se torna um espaço que se abre para o comum como uma raridade." Ele
deve criar mundos e tecer o acesso a um espaço comum: lugar partilhado e
também ordinário que se move com o tempo.
A Carta de Florença (1981), sobre a salvaguarda dos jardins históricos, estabelece que:
"A intervenção de recuperação deve respeitar a evolução do jardim em
questão. Em princípio, não se deve privilegiar uma época em prejuízo das
demais, a não ser em casos excepcionais quando o grau de degradação ou
destruição que afeta certos elementos do jardim seja de tal envergadura
que aconselhe a sua reconstrução..."
No que diz respeito à
questão urbanística destacamos a possível liberação da construção de
dois hotéis de 13 andares na Avenida Alfredo Camarate, numa área
localizada a apenas 1km da orla. Como ficará a paisagem horizontal da
Pampulha? Quais os critérios e a coerência interna de um projeto que não
foca na despoluição da orla, condena as árvores e libera a
verticalização?
Segundo Roberto Burle Marx "sem compreender as
necessidades de uma cidade e, principalmente, sem compreender as funções
das áreas verdes que é servir as pessoas, um paisagista não poderá
realizar jardins." A partir dessa premissa estamos nós do Fica Ficus
aqui para pensar juntos o que seria a restauração dos jardins de Burle
Marx com a proposta de restaurar não só a imagem do jardim mas também o
pensamento ecológico, focado nas pessoas e na pesquisa com respeito à
natureza do nosso grande paisagista.
E ainda acreditando ser
possível um diálogo entre o Poder Público e a Sociedade Civil
Organizada, entregamos este documento ao mesmo tempo que solicitamos ao
Exmo Sr. Prefeito Márcio Lacerda que interrompa os cortes previstos pelo
Projeto de Revitalização dos Jardins de Burle Marx e inicie uma escuta
dos anseios e apelos dos cidadãos que não se conformam com a perda desse
“patrimônio arbóreo” em nosso Município. Será manifestação de grande
sensibilidade política a decisão de rever o corte de árvores que
cresceram sobre os auspícios das antigas gestões. O “jardim domado” -
que é tese da maior parte dos arquitetos que defendem os projetos
originais - não ocorreu no decorrer dos anos. Será injusto para o nosso
Meio Ambiente Urbano que ele seja implantado à custa de árvores adultas,
úteis e sadias, com grande prejuízo para o ecossistema que delas se
beneficia.
Dessa forma, solicitamos também o repasse e
publicidade de toda a documentação referente à aprovação do corte dessas
árvores, incluindo a prerrogativa que a sustenta, a saber, onde está
escrito que para que possamos consigamos o título de Patrimônio Cultural
da Humanidade faz-se necessário “assassinar árvores” , incluindo
algumas que são objeto de preservação.
Sem mais, agradecemos a
oportunidade de intermediarmos um diálogo com o Poder Público, como
representantes legítimos de pelo menos parte da população de Belo
Horizonte.
Belo Horizonte, 17 de maio de 2013.
A partir do Manifesto anexo, solicitamos também o esclarecimento das seguintes questões:
• Quais foram às instâncias que discutiram o projeto e autorizaram o corte das árvores?
• Foram realizados estudos de impacto para o corte das árvores?
• Quais foram às ações de compensação ambiental definidas para essa intervenção da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte?
• Quais foram às iniciativas de discussão do Projeto com a sociedade civil?
• Como foram selecionados os membros da primeira e da segunda comissão de notáveis?
• Porque a volta ao desenho original do Jardim do Burle Marx é mais importante do que a qualidade ambiental?
• Porque a estética se sobrepôs à ética sem questionamento algum por parte das secretarias envolvidas?
• Porque a Secretaria de Meio Ambiente não se pronuncia contrariamente ao corte de árvores neste projeto e em toda a cidade?
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