PICICA: "Um narrador desconhecido, com uma voz
igualmente emblemática conta então a história da garota, a princesa
Moanna (Ivana Baquero), de um reino subterrâneo. A menina fugiu de lá
para a Terra e desde então é procurada por seu pai, o rei. Esse começo é
uma mostra do que será retratado no filme todo: uma contradição! De um
lado, a realidade, a morte, e do outro a fantasia, a perpetuação."
Sonhos são imortais
Uma tela preta, um suspiro angustiante, um canto enigmático. É assim que começa O Labirinto do Fauno (El
Laberinto Del Fauno, Espanha/México, 2006). O canto vai se tornando
mais alto, mais sombrio. A tela preta dá lugar à imagem de uma menina,
close em seu rosto, em seus olhos negros, grandes, perdidos, e sua boca
com sangue. Só nesse primeiro momento você já é tomado por certa agonia
que não te deixará um minuto sequer durante o filme.
Um narrador desconhecido, com uma voz
igualmente emblemática conta então a história da garota, a princesa
Moanna (Ivana Baquero), de um reino subterrâneo. A menina fugiu de lá
para a Terra e desde então é procurada por seu pai, o rei. Esse começo é
uma mostra do que será retratado no filme todo: uma contradição! De um
lado, a realidade, a morte, e do outro a fantasia, a perpetuação.
Na Terra, a princesa Moanna é Ofélia,
uma garota que ama os livros e os contos de fada. Ela e a mãe grávida
(Ariadna Gíl) se mudam para a casa do padrasto, um capitão do exército
franquista que combate contra os últimos desertores da guerra civil
espanhola (1944). O capitão Vidal (Sergi López) e a pequena Ofélia
travarão uma batalha velada, uma batalha de contradições.
Vidal é taciturno sempre, e também
metódico: fica de cara fechada durante a chegada da esposa por conta de
um atraso de 15 minutos. É intransigente, autoritário, violento. Uma das
cenas mais fortes, se não a mais forte de todo o filme, é quando ele
mata dois caçadores, pai e filho. A crueldade com que enfia inúmeras
facadas no rosto do filho diante do pai, sem escrúpulos, sem pudor. E
depois atira no velho. Quando percebe que as mortes foram injustas, não
mostra arrependimento. Ele brinca com a morte, tem prazer na tortura,
raciona a comida do povoado e controla todos a sua volta. Sua figura é
repugnante, não demonstra afeto por ninguém. Quando o médico da família
fala dos riscos da gravidez de sua esposa, ele é enfático: “Se tiver que
escolher, salve o bebê”.
Todo o ódio do público ao capitão
aumenta o carinho direcionado a Ofelia. Ela é doce, curiosa, diferente.
Carrega os livros grudados ao corpo, cabelo bem penteado e roupas bem
cuidadas, é um mimo. Além disso, é simpática com todo mundo e tem um
carinho e uma preocupação sem igual com a mãe. Ela tem um sorriso
inocente e olhos carentes. É impossível não se cativar por ela. É também
sonhadora, acredita piamente nos contos de fada, na magia, na bondade,
nas pessoas.
Os dois personificam os dois universos
em que o filme se passa. A força do general contra a incapacidade da
criança indefesa, a princesa versus o capitão, o horror da guerra e o
belo dos sonhos, a realidade tentado de todas as formas acabar com a
fantasia. E os dois disputam tudo: a atenção da mãe, os serviços da
empregada Mercedes (Maribel Verdú), a floresta. Fisicamente, Vidal leva
vantagem e por várias vezes machuca a pobre menina. Mas uma das cenas
mais legais é quando Ofelia solta um sorriso maroto ao descobrir que
desapontou o capitão. Mesmo sem um embate direto entre eles, a guerra
acontece nas entrelinhas, com pequenos gestos, ataques, contra-ataques.
O filme é escuro, os jogos de luz e
sombra estão quase sempre presentes, assim que como a canção de ninar
medonha que permeia o longa-metragem. São muitas mortes, muita
violência. É impossível não se sentir transtornado. Eu fiquei tensa e
com o peito apertado durante todo o filme. O diretor Guillermo Del Toro
explora o horror da guerra, as cenas chocantes, as mutilações, torturas,
batalhas, sangue. Mesmo o labirinto onde a magia acontece é sombrio, o
fauno é feio, as fadas são feias. Ainda assim, a pequena Ofelia consegue
se refugiar de toda a realidade, ela consegue fantasiar. O real e o
surreal convivem tão de perto que quase se misturam. São, de certa
forma, necessários e complementares um ao outro.
Outro assunto muito explorado no filme é
a imortalidade. Quando o fauno conta a Ofélia que ela é uma princesa, a
condição para que ela reine novamente é passar por três provas que
certificação que a menina não se tornou uma mortal, e sua punição caso
descumpra uma das regras é morrer como os humanos. Outro ponto
interessante é a cena em que a mãe queima a mandrágora mágica por não
acreditar em sua magia e, logo em seguida, morre durante o parto. Não
acreditar na fantasia é, então, sinônimo de morte, de desaparecimento.
Vê-se também a preocupação do capitão em deixar seu legado, sua
continuação a partir de sua obstinação em que a criança seja um menino.
Fica, então, clara a mensagem do autor
de que os sonhos são imortais e que se são a única saída para a
felicidade em meio a uma realidade cruel e violenta. E que mesmo em face
do maior horror, da desordem e mesmo do caos, é possível que apareça a
fantasia.
por Thais Matos
thais.matos.pinheiro@gmail.com
thais.matos.pinheiro@gmail.com
Fonte: Cinéfilos
Nenhum comentário:
Postar um comentário