PICICA: "O que se passa na cabeça de uma mulher quando ela se descobre
grávida? Depende. Para muitas mulheres receber o resultado positivo para
gravidez pode ser motivo de alegria, de realização, de satisfação. Mas
nem sempre é assim. A maternidade pode ser um lugar de prazer quando
desejada e uma tormenta ou um pesadelo se acontece quando não faz parte
dos planos, quando a mulher não se sente preparada, seja emocional ou
profissionalmente. Essas mulheres, muitas vezes decidem pelo aborto,
como a única solução possível que lhes resta. O aborto provocado é uma
prática comum a todas as classes sociais, mas a ilegalidade coloca em
risco as mulheres pobres e com menos acesso aos recursos médicos, é o
que aponta os principais estudos sobre abortamento no Brasil."
Maternidade: uma escolha?
O que se passa na cabeça de uma mulher quando ela se descobre grávida? Depende. Para muitas mulheres receber o resultado positivo para gravidez pode ser motivo de alegria, de realização, de satisfação. Mas nem sempre é assim. A maternidade pode ser um lugar de prazer quando desejada e uma tormenta ou um pesadelo se acontece quando não faz parte dos planos, quando a mulher não se sente preparada, seja emocional ou profissionalmente. Essas mulheres, muitas vezes decidem pelo aborto, como a única solução possível que lhes resta. O aborto provocado é uma prática comum a todas as classes sociais, mas a ilegalidade coloca em risco as mulheres pobres e com menos acesso aos recursos médicos, é o que aponta os principais estudos sobre abortamento no Brasil.
E quem são as mulheres que realizam aborto no Brasil? Segundo investigação realizada em 2009 por Reinaldo Guimarães, Débora Diniz e Marilena Corrêa para o Ministério da Saúde, intitulado ‘20 anos de Pesquisas sobre o Aborto no Brasil‘ (.pdf), são predominantemente mulheres com idade entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho, usuárias de métodos contraceptivos e que recorrem ao misoprostol para realizar o aborto.
O aborto quando realizado de forma segura é uma prática de fácil acesso e relativamente simples, do ponto de vista médico. No Brasil, uma mulher tem direito legal a interromper uma gestação em três situações: quando resulta de violência sexual, quando há risco de vida e em caso de feto anencéfalo.
Segundo o guia documento ‘Aspectos Éticos do Atendimento ao Aborto Legal: perguntas e respostas‘ (.pdf), da ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, nesses três casos “a mulher deve procurar o serviço de aborto legal mais próximo, para se consultar com a equipe multiprofissional. Em caso de violência sexual é importante que o serviço seja procurado o mais breve, já que o procedimento só é autorizado até a 20ª semana de gestação”.
Essa semana três fatos me fizeram viajar no tempo e lembrar que sim, um dia eu também fiz aborto, eu também disse não a uma gravidez que não foi planejada, que não veio no momento certo e não guardo nenhum tipo de culpa por isso.
O primeiro desses fatos foi a Nota de Repúdio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para criminalizar a luta pela legalização do aborto no Brasil da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB. O documento é um manifesto da entidade contra a iniciativa dos deputados João Campos (PSDB/GO) e Salvador Zimbaldi (PDT/SP) de requerer a instalação de uma CPI no Congresso Nacional “para investigar a existência de interesses e financiamentos internacionais para promover a legalização do aborto no Brasil”. Para a AMB esta CPI representa “um atentado contra a liberdade de opinião, de organização, de debate e de disputas democráticas por mudanças na legislação”. Além disso, ao meu ver é mais uma estratégia para criminalizar as mulheres.
O segundo fato, foi a matéria “Fiz dois abortos e não me culpo”, da revista Marie Claire. Na reportagem, Marina Caruso, redatora-chefe da revista, grávida de quase sete meses, conta porque decidiu interromper duas gestações, aos 19 e 22 anos. Ao me deparar com aquela notícia lembrei imediatamente de quando entrei na universidade, cheia de sonhos, planos e engravidei depois de uma primeira e única relação sexual. Não pensei duas vezes e fiz um aborto. A sensação de ter resolvido o problema é indescritível e única. A decisão pela interrupção da gravidez é na maioria das vezes vivenciada de forma solitária e clandestina.
Por último, ontem terminei de ler o livro ‘Carta ao Filho’, de Betty Milan (Editora Record, 2013). Pensei em mim, mas também em todas as mulheres que vivenciam um aborto. A autora também conta que interrompeu uma gravidez. Ela diz: “Tenho certeza que não era infértil antes de casar, porque, na onda da “revolução sexual”, já havia engravidado e feito um aborto”. (página 76).
Sou a favor da legalização do aborto independente das razões que levam uma mulher a interromper uma gravidez. O aborto é um grave problema de saúde pública e deve ser um direito das mulheres de realizá-lo quando assim o desejarem. Cabe ao Estado, laico como o Brasil, oferecer as condições necessárias para que este direito seja garantido. Como diz uma das insígnias feministas: “A mulher decide, a sociedade respeita e o Estado garante”.
—–
Suely Oliveira é feminista, blogueira e mestranda em Psicologia na UFPE. Vive a maior parte do tempo em Recife. Tem dois filhos e uma neta. Escreve no blog Esse tal climatério.
Fonte: Blogueiras Feministas
Nenhum comentário:
Postar um comentário