PICICA: "Uma leitura transversal dos jornais desta quarta-feira (8/5) permite
observar como a imprensa tradicional vem se tornando previsível e
incapaz de se descolar do lugar-comum. Por outro lado, pode-se também
perceber como o discurso jornalístico se constrói em torno de convenções
muito restritas. Finalmente, o olhar sobre o conjunto de notícias e
opiniões com que a mídia procura definir a agenda pública coloca em
dúvida a validade de seu maior trunfo, a suposta objetividade."
IMPRENSA PREVISÍVEL
O fetiche da objetividade
Por Luciano Martins Costa em 08/05/2013 na edição 745
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 8/5/2013
Uma leitura transversal dos jornais desta quarta-feira (8/5) permite
observar como a imprensa tradicional vem se tornando previsível e
incapaz de se descolar do lugar-comum. Por outro lado, pode-se também
perceber como o discurso jornalístico se constrói em torno de convenções
muito restritas. Finalmente, o olhar sobre o conjunto de notícias e
opiniões com que a mídia procura definir a agenda pública coloca em
dúvida a validade de seu maior trunfo, a suposta objetividade.
A notícia sobre a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo para o cargo de
diretor-geral da Organização Mundial do Comércio desata o orgulho
nacional, mas a euforia é contida nos trechos em que os jornais precisam
explicar como se deu o processo de colocar um patrício no alto cargo da
diplomacia mundial.
Para explicar como o governo brasileiro conseguiu reunir votos
suficientes para vencer o candidato dos países ricos, é preciso
reconhecer que o Brasil construiu, na última década, uma liderança
sólida entre os países emergentes. Acontece que essa constatação
contraria tudo o que a imprensa disse em todos esses anos sobre a
estratégia nacional de relações exteriores. A opção por uma diplomacia
voltada para a diversidade, rompendo o alinhamento automático com os
Estados Unidos, foi inaugurada em 2003, e a imprensa brasileira adotou
imediatamente uma posição antagônica a essa escolha, que era chamada de
“terceiro-mundista”.
Apesar de o grande sonho brasileiro de um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU ainda não ter sido alcançado, conforme faz
questão de registrar a Folha de S. Paulo, a escolha de Azevêdo
para dirigir a OMC demonstra que a estratégia para tirar o Brasil da
periferia do mundo está dando certo. Quem sabe esse fato venha a
contribuir para desfazer por aqui o complexo de vira-latas.
Em praticamente todos os temas, como as discussões sobre reforma
tributária ou o rescaldo da crise entre o Supremo Tribunal Federal e o
Congresso Nacional, o discurso jornalístico percorre o mesmo trajeto,
que começa sempre na percepção genérica do fato, envereda por algumas
possibilidades e retorna ao senso comum.
O fim das vanguardas
Em outra seção dos diários, a descoberta de que o autor de um assalto
seguido de estupro num ônibus no Rio de Janeiro era menor de 18 anos
reaquece as discussões sobre a questão da maioridade penal.
Numa das entrevistas publicadas, o pai de uma vítima de homicídio
praticado por um jovem de 17 anos refaz em poucas linhas o percurso
circular do debate que se repete na imprensa: ele defende a redução da
maioridade, mas acha que responsabilizar adolescentes de 16 anos não
bastaria para conter a violência, porque as quadrilhas acabariam usando
meninos de quinze anos para assumir a culpa de crimes graves – e a
diminuição da idade penal não teria efeito, porque mesmo os condenados
adultos acabam cumprindo penas muito brandas proporcionalmente ao ato de
violência.
As narrativas cumprem regularmente um círculo e voltam ao ponto de
partida. São raros os casos em que a imprensa consegue surpreender o
leitor com um olhar mais instigante sobre qualquer assunto.
Mesmo quando trata de manifestações artísticas, a impressão que passa
para o público é de que não há novidades no mundo e que tudo se
transformou em mercadoria barata, em commodity. Não há mais vanguarda em nenhum campo da cultura, ou a imprensa se tornou incapaz de reconhecer as rupturas?
O mais provável é que a mídia tradicional esteja presa a uma visão de
mundo convencional e conservadora, pelo fato de que, se reconhecer um
novo estado do mundo, teria que colocar em xeque seu próprio papel
social. Diante desse novo estado do mundo, no qual se questiona a
hegemonia dos países desenvolvidos, ou quando a conveniência do
crescimento econômico impõe uma reorganização das forças produtivas
nacionais, ou quando a impunidade exige uma revisão na legislação penal
que privilegia quem pode pagar advogados, qual seria o papel
remanescente da mídia?
Objetivamente, a imprensa deveria reconhecer a necessidade de mudanças
profundas na organização da sociedade. Sabe-se que a imprensa fundamenta
seu valor na suposição da capacidade de produzir alguma objetividade na
compreensão do mundo. No entanto, a prática indica que essa
objetividade é apenas um fetiche, porque há temas nos quais a mídia não
pode se aprofundar, sob pena de produzir interpretações contrárias ao
seu próprio interesse como instituição.
Fonte: Observatório da Imprensa
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