PICICA: "Campinas é um dos poucos municípios brasileiros que conta com uma rede
de saúde mental sólida, composta por 06 Caps-III, 03 Caps-AD, 02
Caps-infantil, Consultório na rua, 11 Centros de Convivência (a cidade
com a maior concentração de Centros de Convivência por habitantes no
Brasil), enfermarias de saúde mental, Núcleo de Retaguarda, Oficinas de
Geração de Renda, Apoio de saúde mental em todos os distritos, mais de
30 Serviços Residenciais Terapêuticos e equipes mínimas de saúde mental
na Atenção Básica – sendo por isso, um cenário utilizado para processos
de formação de diferentes universidades e pesquisas em todo Brasil.
Para quem conhece o contexto nacional e a potência terapêutica que cada um desses arrajos e dispositivos pode gerar, sabe que isso é uma conquista rara e historicamente construída com o esforço de milhares de gestores, trabalhadores, familiares e usuários de saúde mental ao longo das últimas décadas.
Isso não representa apenas um grande volume de serviços, mas uma mudança de paradigma assistencial, um acúmulo de saberes e práticas dos quais o município deveria se orgulhar e proliferar.
Não é segredo para ninguém que o sucesso das ações em saúde mental campineiras, internacionalmente legitimadas, só foi possível a partir da luta e trabalho de trabalhares engajados às necessidades de usuários e do convênio de co-gestão entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Serviço de Saúde Dr. Cândico Ferreira (SSCF)."
A Saúde Mental de Campinas: Resistência e potência de ação coletiva
por Sabrina Ferigato
Nesta terça-feira, 30 de abril e véspera do dia do trabalho, acadêmicos, trabalhadores, familiares e usuários da Saúde Mental, lotaram a plenária da Câmara Municipal dos Vereadores, no ato público intitulada “Resiste Campinas”
Na mesa estavam presentes o presidente da mesa, o vereador Pedro Tourinho, a prof Dr. Rosana T. Onocko Campos, do Departamento de Saúde Coletiva da UNICAMP e forte protagonista desse ato, o usuário Luciano Lira que é também vice presidente da AFLORE (Associação de familiares, amigos e usuários da saúde Mental), Militantes históricas da Reforma Psiquiátrica Brasileira como Ana Pitta (UCSAL), Fernanda Nicácio (Ministério da Saúde/USP) e Sandra Fagundes (Secretaria Estadual de saúde do RS), além de Aristeu Bertelli representante da comissão de direitos humanos do CRP.
Cada fala trouxe diferentes perspectivas sobre a história, o pioneirismo e o compromisso da rede campineira com a luta antimanicomial e com a vida. Revisitando nosso passado recente, as falas resgataram cada etapa conquistada por um processo construído coletivamente com o suor, o desejo, o corpo, o pensamento e a ação de cidadãos e cidadãs ali presentes.
Esse processo de reconstrução narrativa da história da cidade serviu também para ativar a memória presente do corpo de quem estava ali, para reafirmar o modo de atenção psicossocial que queremos construir, mas também, para defender que saúde queremos, para que processos de trabalho e de cuidado lutamos, que cidade e que mundo queremos habitar.
Vimos uma câmara de vereadores cumprindo sua função de fomentar o debate e a produção coletiva e democrática de um projeto municipal, e assistimos à um grupo de mais de 350 pessoas se articulando para resistir e re-existir.
Na platéia, vimos ícones da reforma sanitária e Psiquiátrica, gestores comprometidos com a mudança, estudantes, trabalhadores e usuários com nariz de palhaço, muitos chorando e se comovendo; diferentes coletivos lendo e debatendo seus manifestos e cartas de repudio à esse desmonte, vimos saudáveis diferenças comungando em um objetivo de luta comum - Um processo de ativação da potência de ação coletiva que não pode ser desprezado.
Ativação da potência de ação coletiva de trabalhadores que vem sendo maltratados por sucessivas gestões, de usuários que vem sendo negligenciados pela burocratização do processo de trabalho e o descuido com o vínculo, por familiares que veem o risco de sua rede de apoio se desmantelar.
A renovação do convênio entre prefeitura e Cândido será discutida e votada pelo Conselho Municipal de Saúde dia 22 de maio. Esperamos que as reflexões discutidas nesse ato sejam centrais para a tomada de decisões e para os rumos da atenção psicossocial da cidade.
Campinas resiste a que?
Uma das cidades de maior pioneirismo e sucesso na implementação da Reforma Psiquiátrica brasileira enfrenta talvez uma de suas piores crises político-assistenciais desde que realizamos a implementação de um modelo de tratamento comunitário pautado na lógica de atenção em rede.
Destaca-se que o ataque à Campinas é um ataque importante à Reforma Psiquiátrica Brasileira, já que essa é uma cidade “modelo”, uma cidade que sustentou a ideia de que o SUS e a rede comunitária de atenção psicossocial podem dar certo, ou, nas palavras de Sandra Fagundes, uma cidade que sustentou e deu vida aos nossos sonhos, enquanto militantes da luta antimanicomial.
Campinas é um dos poucos municípios brasileiros que conta com uma rede de saúde mental sólida, composta por 06 Caps-III, 03 Caps-AD, 02 Caps-infantil, Consultório na rua, 11 Centros de Convivência (a cidade com a maior concentração de Centros de Convivência por habitantes no Brasil), enfermarias de saúde mental, Núcleo de Retaguarda, Oficinas de Geração de Renda, Apoio de saúde mental em todos os distritos, mais de 30 Serviços Residenciais Terapêuticos e equipes mínimas de saúde mental na Atenção Básica – sendo por isso, um cenário utilizado para processos de formação de diferentes universidades e pesquisas em todo Brasil.
Para quem conhece o contexto nacional e a potência terapêutica que cada um desses arrajos e dispositivos pode gerar, sabe que isso é uma conquista rara e historicamente construída com o esforço de milhares de gestores, trabalhadores, familiares e usuários de saúde mental ao longo das últimas décadas.
Isso não representa apenas um grande volume de serviços, mas uma mudança de paradigma assistencial, um acúmulo de saberes e práticas dos quais o município deveria se orgulhar e proliferar.
Não é segredo para ninguém que o sucesso das ações em saúde mental campineiras, internacionalmente legitimadas, só foi possível a partir da luta e trabalho de trabalhares engajados às necessidades de usuários e do convênio de co-gestão entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Serviço de Saúde Dr. Cândico Ferreira (SSCF).
Esse convênio, que não se compara com nenhum dos modelos atuais de O.S e privatizações (com legislação única), gerou um movimento importante de publicização de um ente privado, fazendo nascer uma instituição 100% SUS, comprometida com a dimensão pública da saúde como um direito e com a Reforma Psiquiátrica. Ideais do SUS como a porta aberta, a clínica ampliada, Projetos Terapêuticos Singulares, apoio matricial, acolhimento e atenção em rede foram postos em prática com sucesso nessa experiência.
Diversos aspectos dessa co-gestão podem ser criticados, no sentido de qualificar as condições de trabalho e assistência, mas a potência e o projeto de atenção psicossocial que essa co-gestão viabilizou precisa ser defendido.
Em poucos meses de atuação, a atual gestão conseguiu dar golpes duros na rede de saúde mental campineira, que tem se mobilizado politicamente para resistir a ameaça de sucateamento e terceirização da rede de saúde mental da cidade
A proposta da prefeitura, que se respalda em argumentos legalistas/jurídicos é uma proposta que procura estar “de acordo” com a lei , mas não de acordo com nossos princípios de transformação social, responsabilidade sanitária e humanização.
Sob o pretexto de “adequar-se” às normas jurídicas a prefeitura basicamente:
- Pretende retirar (demitir) da Atenção Básica todos os profissionais da saúde mental contratados pelo SSCF (com realização de concursos a posteriori que não cobrem nem metade dos funcionários que estão sendo retirados)
- Retirar dos prédios públicos todos os serviços de Saúde Mental que agora foram assumidos pela Gestão do SSCF (incluindo Centro de Convivência Tear das Artes, Caps-Sul e Caps-Integração)
- Retirar dos Distritos os apoiadores de Saúde Mental
- Retirar dos serviços de saúde mental todos os servidores públicos (alguns com mais de 15 anos de dedicação á saúde mental do município).
Se esse tipo de adequação jurídica fosse realizada com responsabilidade sanitária, respeito ao vínculo, e na direção da publicização do sistema de saúde mental campineiro, seria diferente, mas trata-se do oposto, um movimento de desresponsabilização da secretaria de Saúde de seu compromisso com a saúde mental, feita de maneira pouco cuidadosa.
Aliado a isso, a despeito das decisões dos Conselhos de Saúde e da rede de trabalhadores, o município aliou-se ao governo do Estado, já anunciando a parceira com as Comunidades Terapêuticas e a inclusão de Campinas no Programa Recomesso do estado de São Paulo – Onde são implementados serviços como o CRATOD - para os mentaleiros comprometidos com a reforma o “poupa tempo para as internações involuntárias e compulsórias”.
Para um município como Campinas, com uma rede robusta de atenção psicossocial, esse é um grande retrocesso ou, como aponta o relatório de Genebra da ONU, uma prática degradante e desumana de abuso de poder das práticas de cuidado em saúde.
Campinas precisa contar agora com uma movimentação nacional de diferentes movimentos e instituições em apoio à nossa cidade, em apoio a Saúde Mental que queremos. Divulguem e nos ajudem manifestando-se!
Sabrina Ferigato
Fonte: Rede HumanizaSUS
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