PICICA: "Biopoder e resistência
política na capital de Minas Gerais, uma prefeitura higienizadora e
policialesca a serviço dos novos negócios e mercados, contra a multidão
organizada em alegria, criação e revolta. Por Natacha Rena, no oitavo
artigo da série sobre a conjuntura das grandes cidades brasileiras."
Neves-Lacerda declara guerra à Multidão
30/04/2013
Por Natacha Rena
Biopoder e resistência
política na capital de Minas Gerais, uma prefeitura higienizadora e
policialesca a serviço dos novos negócios e mercados, contra a multidão
organizada em alegria, criação e revolta. Por Natacha Rena, no oitavo
artigo da série sobre a conjuntura das grandes cidades brasileiras.
Por Natacha Rena, professora da UFMG
Neves-Lacerda declara guerra à Multidão, que resiste positivamente
1. “A
guerra transforma-se na matriz geral de todas as relações de poder e
técnicas de dominação, esteja ou não envolvido o derramamento de sangue.
A guerra transformou-se num regime de biopoder, vale dizer, uma forma
de governo destinada não apenas a controlar a população, mas a produzir e
reproduzir todos os aspectos da vida social. (…) Apresentar o inimigo
como encarnação do mal serve para torná-lo absoluto, assim como à guerra
contra ele, tirando-o da esfera política – o mal é o inimigo de toda a
humanidade.” (HARDT & NEGRI. Multidão, 2005, p. 34-39)
Minas
lidera o ranking nacional de assassinatos de população de rua e em sua
capital, uma das cidades no país com maior índice de desigualdade
social, somente entre fevereiro de 2011 e maio de 2012, 54 moradoras
foram assassinadas segundo relatório do Centro Nacional de Defesa dos
Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material
Reciclável.
2. “No
capitalismo só uma coisa é universal, o mercado. Não existe Estado
universal, justamente porque existe um mercado universal cujas sedes são
os Estados, as Bolsas. Ora, ele não é universalizante, homogeneizante, é
uma fantástica fabricação de riqueza e de miséria. Os direitos do homem
não nos obrigarão a abençoar as ‘alegrias’ do capitalismo liberal do
qual eles participam ativamente. Não há estado democrático que não
esteja totalmente comprometido nesta fabricação da miséria humana.”
(DELEUZE, Conversações, 1998, p.213)
Revitalização
é o nome dado para a requalificação de áreas abandonadas, mas, na
verdade indica que há áreas de interesse do mercado que mudarão de
qualidade após as intervenções governamentais! Diz também que as vidas
anteriores aos projetos urbanísticos de re-vitalização
não interessam ao estado que opera a política urbanística. As áreas
centrais da cidade, frequentadas por pretos e pobres, são um dos alvos
de ataque do nosso estado-mercado local. Lançamentos de empreendimentos
que envolvem Parcerias Público Privadas vão se configurando lentamente
como uma nova fórmula milagrosa para entupir empreiteiras de dinheiro,
utilizando previamente recursos públicos em infraestrutura, para
garantir a construção de grandes edifícios, hotéis e diversos outros
equipamentos privados. Observa-se que o conceito de vida e espaço vivo
não considera pobres, mas, sim, ricos e, principalmente, turistas, que
irão consumir a cidade durante a Copa. Circula na imprensa local,
notadamente com releases do estado, um delírio de que a região central
possa se tornar “uma
mistura entre o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, com Puerto Madero,
em Buenos Aires, na Argentina, e pinceladas da Cidade Baixa, de Lisboa,
em Portugal, com um toque à mineira. Esse é o esboço do que se pretende
fazer da região no entorno da Praça da Estação, no Centro de Belo
Horizonte, com destaque para a rua Sapucaí”, e é assim que pensa quem governa por entre estas montanhas.
Além
de mendigos, a ordem é eliminar tudo o que esteja no caminho do
progresso. Neste trabalho sistemático contra a vida, assistimos na
cidade também a um “genocídio” arbóreo. Nestes últimos anos, mais de 22
mil árvores foram derrubadas e somente em 2011, já tinham sido
suprimidas para a Copa do Mundo: 1.149 árvores – 650 no estádio do
Mineirão e quase 500 na Avenida Cristiano Machado. Ainda não se sabe até
onde vai o furor do estado-mercantil-mineiro, mas sabemos que são
contra qualquer forma de vida menor.
Assim como pretos e pobres não são vidas a ser preservadas, as árvores
também não. Neste percurso higineista, a PBH tem expulso milhares de
famílias faveladas, que moram em áreas consideradas de risco. Enquanto
isso, milhares de famílias mineiras vivem encasteladas nos seus
condominíos de luxo em meio à natrureza. Além disto, o extrativismo
mineral, que dá nome ao estado, vem devastando inúmeras regiões
importantes ambientalmente, deixando em risco reservas aquíferas, que
abastecem toda a região metropolitana. Enfim, os pobres são expulsos das
áreas nobres da cidade para o Vetor Norte, Leste e Oeste, com o
discurso de que habitam próximos às nascentes e riachos. Brancos e ricos
migram para o Vetor Sul, construindo condomínios (tão ilegais quanto as
favelas) e dividindo seus enclaves luxuosos com os territórios das
empresas mineradoras, sejam áras de preservação, sejam minas ativas. Em
Minas, a natureza é preservada para que seja consumida. E assim segue a
lógica da construção do espaço local: devasta-se legalmente a natureza,
em nome da produção de riqueza, e recompõe-se as áreas mineradas
esgotadas para a construção de novos condomínios de luxo.
3. “A
forma primária de poder que realmente nos confronta hoje, no entanto,
não é tão dramática ou demoníaca, mas sim terrena e mundana. Precisamos
parar de confundir política com teologia. A forma contemporânea
predominante de soberania – se ainda quisermos falar assim – é
completamente incorporada e apoiada por sistemas jurídicos e
instituições de governança, uma forma republicana caracterizada não só
pela regra da lei, mas também em partes iguais pela regra da
propriedade. Dito de outra forma, a política não é um domínio autônomo,
mas está completamente imersa em estruturas econômicas e jurídicas. Não
há nada de extraordinário ou excepcional sobre esta forma de poder. Sua
reivindicação de naturalidade, seu funcionamento cotidiano silencioso e
invisível, faz com que seja extremamente difícil de reconhecer, analisar
e desafiar. Nossa primeira tarefa, portanto, será a de trazer à luz as
relações íntimas entre a soberania, a lei e o capital.” (HARD &
NEGRI, Commonwealth, p.05)
Desajeitado
politicamente, mas tido como empresário de sucesso nos meandros das
telecomunicações, Márcio Lacerda, atualmente em seu segundo mandato como
prefeito de Belo Horizonte, é um dos políticos mais ricos do país e
possui um vasto currículo associado a alianças diversificadas, que vão
da colaboração com a campanha de FHC em 1994, passando pelo cargo de
Secretário Executivo de Ciro Gomes na pasta do Ministério da Integração Nacional e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais do governo Aécio Neves. Em 2008, concorre e vence ao cargo de prefeito de Belo Horizonte,
com o apoio da polêmica aliança entre o PSDB do governador Aécio Neves e
do PT do até então prefeito Fernando Pimentel. Após uma adiministração
totalmente ligada às boas políticas sociais nacionais do PT e ao carisma
político do PSDB no estado, em meados de 2012, às vésperas das eleições
municipais, o socialista provocou a ruptura da aliança com o PT, o que
abriu espaço para que o ex-ministro Patrus Ananias concorresse às
eleições. Após 20 anos sem disputa entre PSDB e PT no Curral del Rey,
assistimos a uma eleição com real oposição.
Em
seu primeiro mandato, Lacerda esvaziou projetos importantes iniciados
nas prefeituras petistas anteriores. Em detrimento de políticas de
habitação, programas sociais e projetos culturais, o prefeito adotou uma
clara postura empresarial como estratégia de governo. Reeleito em 2012,
apoiado abertamente pela dinastia Neves, o socialista Márcio Lacerda
encontra uma nova missão em seu novo mandato: desfazer os mal-entendidos
com a classe artística e com os movimentos sociais para melhorar sua
avaliação de desempenho político por parte do público formador de
opinião.
Sem
dialogar com a comunidade, vem priorizando investimentos relacionados à
Copa do Mundo de 2014, envolvendo grandes projetos de infraestrutura
para aquecer o mercado imobiliário, como evidente gestão política
neoliberal exclusivamente voltada para satisfazer os desejos do mercado.
Minando, por exemplo, os investimentos em educação que giravam em torno
de 30% do orçamento municipal, o prefeito mesmo sob forte oposição
popular, emplacou a redução deste investimento fundamental para apenas
25% já nos primeiros meses de governo alegando necessidade de recursos
para as obras de infraestrutura para receber o mundial.
4. “O
novo modelo de guerra efetivamente tem certas características
originais, mas ainda deve continuar atendendo às necessidades
convencionais do poder soberano: reprimir movimentos de resistência e
impor a ordem à multidão”. (HARDT & NEGRI. Multidão, 2005, p.64)
Em
2009, ainda em seu primeiro mandato, Marcio Lacerda lançou o “Movimento
Respeito por BH” que parte integrante de seu plano de governo: “visa
‘garantir o ordenamento e a correta utilização do espaço urbano,
através do cumprimento e efetiva aplicação da legislação vigente. O
movimento busca organizar o espaço urbano, de forma colaborativa e
democrática, fazendo valer as recentes modificações incorporadas ao
Código de Posturas do município entre outras legislações e, em especial,
aquelas que se referem ao meio-ambiente, ao direito à paisagem e à LEI
Nº. 10.059.”
Esse discurso moralizador sobre o espaço público serviu como pretexto
para extinguir comerciantes de rua, artesãos, pipoqueiros, hippies,
engraxates. O
Prefeito socialista adota um modelo de gestão pública ligada
diretamente ao conceito de planejamento estratégico, em que o marketing
urbano desempenha importante papel com a construção de um discurso e uma
imagem da cidade que visam a reforçar seu carátrer atrativo
comercialmente.
Como
se não bastasse a investida da Prefeitura contra ambulantes e nômades
urbanos em geral, também proibiu-se a entrada de bicicletas, animais, e
bolas nos parques da cidade. Mas foi em dezembro de 2009 que o Prefeito
emplacou a sua mais polêmica proposta contra o cidadão, ao sancionar o
decreto número 13.863/2010, que limita a realização de eventos na Praça
da Estação, uma praça que possui qualidades cívicas explícitas para
receber eventos de grande porte: é plana, sem arborização, sem bancos,
totalmente livre de obstáculos e acessível por se encontrar numa área
central. O mais curioso é que o motivo do decreto, pouco simpático à
opinião pública, foi o incômodo gerado pela presença de grandes
encontros religiosos num local em cujo entorno situa-se o
Museu de Artes e Ofícios. Contando com uma arquitetura de restauro
impecável e uma vasta coleção histórica das artes e ofícios no estado, o
museu é uma unidade do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, entidade
sem fins lucrativos, com título de utilidade pública federal e presidido
por uma grande colecionadora de arte sacra que é, curiosamente, também
herdeira da segunda maior financiadora de campanha do país, a
empreiteira Andrade Gutierrez.
Como
sabemos, ricos, brancos e católicos não gostam de pobres, pretos e
evangélicos. Esse decreto veio proibir a realização de eventos
religiosos, mais precisamente evangélicos, em frente ao nobre Museu de
Artes e Ofícios. Mas, graças a Deus, quanto maior o autoritarismo, maior
a resistência. Podemos dizer que, se hoje Belo Horizonte possuí uma
sociedade civil indignada se organizando rapidamente, foi consequência
dos atos radicais em relação ao cerceamento do uso dos espaços públicos
na cidade.
5. “As
maltas e os bandos em são grupos do tipo rizoma, por oposição ao tipo
arborescente que se concentra em órgãos de poder. É por isso que os
bandos em geral, mesmo de bandidagem, ou de mundanidade, são
metamorfosoes de uma máquina de guerra, que difere formalmente de
qualquer aparelho de Estado, ou equivalente, o qual, ao contrário,
estrutura sociedades centralizadas. Não cabe dizer, pois, que a
disciplina é o próprio da máquina de guerra: a disciplina torna-se a
característica obrigatória dos exércitos quanto o Estado se apodera
deles; mas a máquina de guerra responde a outras regras, das quais não
dizemos, por certo, que são melhores, porém que animam uma indisciplina
fundamental do guerreiro, um questionamento da hierarquia, uma chantagem
perpétua de abandono e traição, um sentido de honra muito suscetível, e
que contraria, ainda uma vez, a formação do Estado.” (DELEUZE &
GUATTARI, Mil Platôs, Vol. 5, 1997, p.21)
Em
evidente sintonia com os indignados de todo o mundo, percebemos o
surgimento exponencial dos movimentos de resistência na cidade. Em
resposta ao decreto que proibiu o uso da praça para eventos, surgiu uma
Multidão belorizontina a “Praia da Estação”. Questionando de forma
inusitada as restrições para uso deste suposto espaço público, a praia
vem reunindo milhares de manifestantes banhistas carregando toalhas,
cadeiras de praia, barracas, isopor, bicicletas, cahorros, crianças,
tudo isto sob as águas frescas do caminhão pipa contratado após uma
rodada de chapéu. Acontecimento espontâneo, a Praia tornou-se o
principal foco de resistência à prefeitura e também uma fonte
inesgotável de ataque contra as suas políticas higienistas.
Para
esta nova Multidão, a luta política passa pelo desejo de okupar a
cidade criativamente. Foi da Praia que surgiu o movimento FORA LACERDA
que infernizou a vida do Prefeito nas últimas eleições. Além de
aglutinar bandos de indignados com a gestão autoritária de Lacerda, a
Praia e o FORA reativaram o carnaval de rua belorizontino, que se tornou
uma insurgência repleta de sátiras políticas. Desde 2010 a expansão do
carnaval foi exponencial e em 2013 já havia contaminado toda a cidade.
Atualmente mais de 100 grupos se formam espontaneamente, decidindo à
revelia do estado os locais de fluxo. Os foliões, radicalmente contra as
tentativas do atual governo em trasnformar o carnaval de marchinhas num
grande evento comercial, resistem e ampliam a festa carnavalesca, que
acaba acontecendo também ao longo do ano como uma forma de apoio às
manifestações de outros movimentos sociais que surgem a todo momento. A
produção de afetos e potência de vida se espalham sem direção,
enlouquecendo o governo e a polícia, que não sabem o que fazer com as
matilhas embriagadas que transitam sem rumo; não conseguem estabelecer
um diálogo aberto com os carnavalescos, que ocupam dos terreiros de
macumba às avenidas do rico centro sul.
Muitas são as festas populares que têm trazido a potência da cidade viva para a superfície. Outras
formas de resistência mais artísticas e periódicas também okupam a
cidade. Talvez a grande referência seja o Duelo de Mcs sob o Viaduto
Santa Tereza. Este movimento, que ocorre todas as sextas feiras faz 5
anos, se dá em pleno estado de guerra com a prefeitura que,
propositalmente, não limpa o lugar, não envia banheiros químicos (mas
envia a polícia). Embora o Duelo seja realizado por integrantes de
grupos minoritários diversos, só há confusão na multidão quando os
fardados aparecem. Mas mesmo coalhado de brancos e ricos, somente os
pretos e pobres apanham a olho nu. Porém os marginais invasores resistem
e a cada dia chegam mais drogados, traficantes, e uma penca de
funkeiros, punks, hippies, rockeiros, emos e curiosos. Espaço da
diversidade, o Duelo de MCs talvez seja o movimento de resistência mais
radical da cidade porque é quando os periferias invadem o centro,
bagunçando a ordem e a ocasião.
6. “A
multidão compõe uma rede aberta e em expansão na qual todas as
diferenças podem ser expressas livre e igualitariamente, uma rede que
proporciona os meios de convergência para que possamos trabalhar e viver
em comum” (HARDT & NEGRI. Império, 2001, p.12)
Todas
estas okupações espontâneas articuladas em redes horizontais demonstram
a força da reação positiva aos processos segregadores e a capacidade de
produção de novos referenciais simbólicos que se reafirmam na
flexibilidade e na intensidade de suas ações. Assistimos à formação de diversos grupos
de organização horizontal, envolvendo diferentes classes sociais e
idades. Atuando através da indisciplinaridade e da sua capacidade de
ativar processos criativos e libertadores, estes movimentos se articulam
com-dentro-e-fora da Prefeitura de forma inovadora. Uma onda de
demandas por maior participação popular nas decisões sobre o destino da
cidade se tornou uma realidade incômoda para o poder público local. O
desprezo pelo cidadão criou inesperadamente manifestações nas ruas, nas
audiências públicas, nas reuniões de conselho, exigindo um processo mais
democrático na construção de políticas publicas. A Multidão se
infiltra, aproveita as disputas partidárias e desvia um sistema antes
consolidado e trancado em gabinetes.
Esta
biopotência da Multidão tem nas redes sociais um dispositivo
fundamental. É através destes processos de articulação rizomáticos que a
maioria dos encontros vêm multiplicando seus ativistas. O desejo de
tomar o espaço público e retirá-lo das mãos do poder público fervilha e,
por incrível que possa parecer, a imprensa mineira, outrora tão
controlada pelo estado, vem aqui e ali deixando escapar apoio aos
movimentos. Jornalistas também amam, também gostam de árvores e
carnavais e também se indignam.
Mas
não somente de festa vive a militância mineira, há também a tensão dos
movimentos tradicionais de esquerda em conflito com a Polícia, como é o
caso das diversas ocupações que se multiplicam na região metropolitana:
Dandara, Eliana Silva, Guarani Kaiowá, Camilo Torres, Irmã Dorothy.
Nestas ocupações, assistimos a uma forte participação de advogados da
sociedade civil em parceria com os moradores, como é o caso das Brigadas
Populares. Alguns Grupos de Pesquisa como o Pólos da escola de Direito
ou o Práxis da escola de Arquitetura, ambos da UFMG, vêm demonstrando
uma militância radical utilizando a pesquisa e a extensão como modo de
produzir conhecimento engajado. Outros grupos como o Indisciplinar,
também da UFMG, surgem construindo processos de militância acadêmica
junto a movimentos como o Fica Ficus, Fica Vila, Muquifu, Real da Rua e,
em geral, todos estes apoiados pelo Ministério Público, Pastoral de Rua
ou mesmo por grupos de vereadores que atuam colaborativamente nas
lutas. Um dos últimos movimentos fortes que surgiu na cidade foi o Fica
Ficus, que explodiu no Facebook em 3 dias, aglutinando muitos outros
movimentos ambientalistas como o Projeto Manuelzão também da UFMG e o
Salve a Serra da Gandarela, tem sido um ótimo exemplo de como há neste
fluxo festivo e engajado de pessoas, um potencial de conexão e formação
de rede. Todos colaboram e colaborativamente ampliam seu poder de ação. A
origem dos encontros foi a praga da mosca-branca que levou à Prefeitura
a adotar um tratamento de poda radical de conjuntos arbóreos tombados
pelo Patrimônio. De fato, aglomerou-se um número enorme de ativistas em
prol de uma melhor qualidade de vida urbana, mas principalmente,
cansados de assistir ações de destruição de bens coletivos para a
realização de obras desenvolvimentistas.
7. “A
militância atual é uma atividade positiva, construtiva e inovadora.
Esta é a forma pela qual nós e todos aqueles que se revoltam contra o
domínio do capital nos reconhecemos como militantes. Militantes resistem
criativamente ao comando imperial. Em outras palavras, a resistência
está imediatamente ligada ao investimento constitutivo no reino
biopolítico e à formação de aparatos cooperativos de produção e
comunidade. Eis a grande novidade da militância atual: ela repete as
virtudes da ação insurrecional de duzentos anos de experiência
subversiva, mas ao mesmo tempo está ligada a um novo mundo, um mundo que
não conhece nada do lado de fora. Ela só conhece o lado de dentro, uma
participação vital inevitável no conjunto de estruturas sociais, sem
possibilidade de transcendê-las. Esse lado de dentro é a cooperação
produtiva da intelectualidade das massas e das redes afetivas, a
produtividade da biopolítica pós-moderna. Essa militância faz da
resistência um contrapoder e da rebelião um projeto de amor. ” (HARDT
& NEGRI, Império, 2001, p.436)
É
o próprio uso equivocado do poder do Estado, em completo descompasso
com a democracia, a que assistimos aqui e agora, nas franjas do curral,
uma matilha nômade fazendo Multidão: invenção daquilo que o Estado
Dinástico não pode suportar. No centro da cidade uma parte rebelde da
cultura local não cedeu aos processos de gentrificação e cooptação
biopolítica operados pelo prefeito socialista. Companhias de Teatro como
a Espanca, ou bares culturais como o Bordelo, fazem questão de evitar a
captura e reagem fortemente contra as diversas tentativas de dissolução
das atividades ali realizadas. Em Belo Horizonte observa-se uma posição
diferente de grupos alternativos frente aos processos de cooptação
explícita bastante diferente de vários movimentos de parceria
estado-cultura que estão acontecendo no Brasil. Estes muitos movimentos
de okupa em BH nos permitem vislumbrar a possibilidade de repensar as
velhas formas de participação política e a construção possível de novas
estratégias para transformação radical das configurações representativas
do poder. As máquinas de guerra estão nas ruas, nas universidades, nos
movimentos culturais, nas pastorais, nos grupos de teatro, nos bares,
debaixo dos viadutos. Uma matilha de ratos, um aglomerado disperso de
monstros, um plano de composição paródico, uma nuvem dispersa de
vagalumes invadem as ruas. A democracia ressurge no local e na hora
menos esperada: às vésperas de mostrar orgulhosamente para o mundo,
através da COPA 2014, que somos o país do futuro que chegou. Pobre
Aparelho de Estado que tenta desesperadamente conter a sujeira
biopotente, o pixo, o mendigo, as manifestações de rua, os pipoqueiros,
os catadores de papel, a juventude negra, os favelados, e acaba por
encontrar em cada esquina, um bando nômade, sem forma, construindo
pequenas máquinas de guerra e junto delas um projeto de amor.
Fonte: Rede Universidade Nômade
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