julho 13, 2014

"Pablo Ortellado denuncia silêncio sobre a suspensão de direitos civis na Copa" (C.O.P.A)

PICICA: "Com uma extensa trajetória de ativismo, do movimento punk paulista ao movimento de lutas antiglobalização – que tinham como foco combater a ALCA (Área de livre comércio das Américas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio) – Ortellado é um profundo conhecedor dos movimentos sociais. Conversamos durante quase duas horas com o professor, autor dos livros: “Estamos vencendo: resistência global no Brasil” e “20 centavos: a luta contra o aumento” (escrito em parceria com Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar)." 

Pablo Ortellado denuncia silêncio sobre a suspensão de direitos civis na Copa

por 412copa em 05/07/2014





No dia 30 de junho, o COPA (Centro Ocupado de Produção Alternativa) recebeu o professor e filósofo Pablo Ortellado para uma entrevista coletiva.

Com uma extensa trajetória de ativismo, do movimento punk paulista ao movimento de lutas antiglobalização – que tinham como foco combater a ALCA (Área de livre comércio das Américas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio) – Ortellado é um profundo conhecedor dos movimentos sociais. Conversamos durante quase duas horas com o professor, autor dos livros: “Estamos vencendo: resistência global no Brasil” e “20 centavos: a luta contra o aumento” (escrito em parceria com Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar).





Leia os principais trechos da conversa:


INDIGNAÇÃO E AÇÃO

Há muito tempo, no movimento antiglobalização tivemos, sim, muita dificuldade. A gente era contra a ALCA, a OMC e como demonstrávamos isso? Fazendo manifestações de massa simultâneas no mundo inteiro. Mas, não havia uma demanda concreta, era uma demanda unicamente negativa e não deu um passo adiante. Não conseguíamos passar da indignação para uma ação pragmática. Hoje, no caso do Movimento Passe Livre ( MPL), por exemplo, isso é totalmente diferente. Eles têm uma pauta muito concreta, a reivindicação deles é muito mais visível. Mas os meios de comunicação não agem de forma diferente. O Passe Livre foi massacrado no mês de junho. Ele apanhou de todos os lados.

NÃO VAI TER COPA?

O que aconteceu ano passado não acontece todos os dias. Nenhuma sociedade se organiza dessa forma. Pensar que vai ocorrer de novo é ilusório e medir qualquer coisa nesse parâmetro é injusto. Pesquisa do Ibope apontou que 5% da população foram às ruas. Esse é um nível de mobilização revolucionário. Agora, em relação aos protestos da Copa, houve muito falha e erro tático, de estratégia, dos movimentos que estavam organizando os protestos contra o Mundial. Porque tinha tudo para ganhar volume: metade da população brasileira estava contra a realização da Copa. Mas os movimentos não tiveram capacidade de organizar essa insatisfação.

REPRESSÃO COMO REGRA

A Copa autorizou esse regime de exceção que estamos vivendo. E isso começou uma semana antes dos jogos. A repressão aos metroviários foi absolutamente institucional. E agora, o que vemos é: manifestação em dia de jogos da Copa não pode se concentrar. Se concentrar, não pode se mover. Essa é a determinação. É o que estamos vendo em todas as cidades. Isso é profundamente inconstitucional, sempre seguindo o mesmo roteiro. Há uma espécie de acordo. Os pontos de vista e intenções entre os meios de comunicação, o judiciário, o ministério público e todas as esferas de governo são coincidentes. Os dois grandes polos organizadores do debate nacional ( PSDB e PT) estão de acordo e há um silêncio monumental sobre a suspensão de um dos direitos civis mais básicos que é o da liberdade de expressão. Ele está suspenso no país em dias de jogos. Esse é o legado mais perigoso da Copa. Se alguém acha que suspender direitos civis não deixam marcas está muito enganado. Vamos viver à sombra desse regime de exceção. Você acha que isso só vai acontecer naquele momento e depois vamos voltar para a normalidade? Então pode suspender os direitos que não acontece nada? Ainda vamos viver dias muito ruins por causa do que estamos tolerando agora.

JUNHO DE 2013

A gente não deve medir o que estamos vivendo por junho, mas por maio de 2013. O que estamos vivendo é outro patamar de mobilização social. Não vamos voltar a ter outro junho tão cedo. Na verdade o que aconteceu foi uma correção de rumo em relação à história do PT. Porque o PT é um partido de mobilização, é o partido dos movimentos sociais. Muita gente diz que no Brasil não há mobilizações, isso é falso. A sociedade brasileira se mobiliza para caramba, o que vivenciamos nas décadas de 70 e 80 foi um padrão altíssimo de mobilizações. A sociedade se desmobilizou porque ela optou pela via institucional. O PT não é um partido comunista clássico, ou socialista clássico, no qual um partido que se infiltra nos movimentos sociais de uma maneira leninista e dá uma orientação política. Ao contrário, os movimentos sociais se fundiram e formaram um partido político. E esse partido resolveu optar pela via institucional, ou seja, conquistar o poder político. Essa opção, que aconteceu no final dos anos 80, foi altamente desmobilizadora e o que observamos nos anos 90 foi um declínio por causa dessa decisão do PT. O que aconteceu nos anos 2000 foram que os jovens tiveram que reinventar os movimentos sociais descolando-se do PT.

INSATISFAÇÃO E ESTRATÉGIA

Esses novos movimentos que são horizontais, que rejeitam, de maneira geral, as instituições, têm dificuldade de dialogar. Por isso eu gostaria que o aprendizado de junho fosse um ponto de intermédio. Eu acho que não precisa ocupar todas as vias institucionais. Não precisa reinventar o PT, por exemplo, até porque ele já existe e está aí: uma das experiências mais plenas de movimentos sociais que constituíram partidos políticos. Mas, essa mobilização anti-institucional que só recusa vira um mobilização auto-expressiva e fica muito próxima da arte. No movimento antiglobalização fazíamos um esforço enorme para as manifestações não virarem um grande Carnaval. Porque senão, a gente expressa nossa insatisfação e se esgota nisso. Torna-se uma negatividade vazia. A gente expressa nossa indignação, mas sem nenhuma estratégia.

NÃO BASTA GRITAR

Nessa retomada, os movimentos sociais precisam encontrar um certo equilíbrio em relação ao poder público. Do lado de dentro das cortinas acontecem um monte de processos que eles devem acompanhar, mas, para isso, não precisam eleger deputados. Precisam, sim, dialogar de forma mais ativa e independente com o poder institucional. Gostaria que o processo de retomada das ruas se fortalecesse. Que se convertesse sem aderir, de forma massiva, à via institucional.

MTST

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto tem uma forma de organização muito vertical. E ele acabou de mostrar esse poder de mobilização sem se converter em poder político . Essa última campanha foi brilhante.

BLACK BLOCS

A tática nasce na década de 1980, com o movimento social alemão. É uma espécie de grupo de defesa do movimento autônomo. Então eles tinham essa característica visual e que na Alemanha era até encarado como brincadeira (dentro da lógica de organização dos movimentos sociais). Eles desenvolveram essa tradição de praticar a auto-defesa. Davam-se as mãos para impedir agentes provocadores de entrarem na manifestação, protegiam os manifestantes. Mas os black blocs tal como conhecemos hoje têm origem em Seattle, em 1999. E essa ressignificação vem de um debate interno no movimento social americano sobre as táticas de desobediência de leis civis. Um grupo que vinha do movimento ambiental levantou a questão de que a desobediência civil não violenta não funcionava mais porque os meios de comunicação não cobriam a violência da polícia. Então decidiram fazer uma ato violento contra o coração do sistema jurídico e a defesa da propriedade privada. Ou seja, a quebra, de maneira seletiva, de grandes propriedades. Emprestaram essa estética do movimento alemão para tentar recuperar atenção dos meios de comunicação. Por um lado deu certo: a mídia fez a cobertura. A ideia passou a ser adotada em várias partes do mundo. No caso do Brasil, pessoas utilizando tática do black bloc foram fundamentais para conter a violência da polícia nos atos do MPL. Eles não são criminosos, não são loucos. Têm um sentido, têm história. Não dá pra negar que eles são muito mais vulneráveis, é verdade. Justamente por causa da tática, a infiltração se torna mais fácil. Afinal, não dá para ter controle em meio a muitas pessoas mascaradas. Assim, como em Seatlle, é muito difícil de passar a mensagem.

Texto por Flaviane Fernandes/MyFunCity

Fonte: C.O.P.A

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