julho 07, 2014

“Toda alegria quer a eternidade”, por Rafael Trindade

PICICA: "Não há nada que o homem livre  pense menos que na morte, e sua sabedoria não consiste na meditação da morte, mas da vida” – Espinosa, Ética IV, prop. 67"


“Toda alegria quer a eternidade”


“A mitologia diz que os deuses invejam nossa mortalidade. Nossa mortalidade é o que torna a vida preciosa e algo para ser saboreado. Compelidos pela pressão do tempo para atingir a grandiosidade, talvez a nossa mortalidade proporcione a nossa humanidade. Mas enquanto formos mortais, nunca deixaremos de sonhar com a vida eterna. Isso também, é o que nos torna humanos.” – Morgan Freeman, retirado da série “Through the Wormhole“.
Vários pensamentos me vêm à cabeça. Dentre eles, um acima de todos: não quero morrer, quero viver! Não quero parar de sentir, não quero que a vida chegue ao fim. Esta é uma questão que por vezes me consome. O problema não é o medo da morte, muito pelo contrário, é a vontade de vida!

André castellan bolhas coloridas
– foto de André Castellan

Não sei qual a utilidade do universo. Aliás, é provavel que ele simplesmente não tenha utilidade, porque mesmo se tivesse algum destino a se cumprir, poderíamos facilmente não fazê-lo, desafiar Deus e seus planos. Por isso a questão é outra: tenho consciência de minha existência e algo em mim luta para continuar existindo. “A vida é o conjunto de forças que resiste à morte” (Bichat). Quero continuar consciente, quero estar aqui amanhã e sempre. Porque todo meu ser luta para permanecer e conservar-se nele mesmo. E percebo que esta vontade de viver mais e mais nunca acaba, pelo contrário!, quanto mais eu vivo, mais eu quero viver, quanto mais eu experiencio a felicidade, com mais coragem enfrento a dor.
Não há nada que o homem livre  pense menos que na morte, e sua sabedoria não consiste na meditação da morte, mas da vida” – Espinosa, Ética IV, prop. 67
Nestas horas, o ateísmo age como uma operação radical sem anestesia, um soco do real na boca do estômago, um remédio amargo que nos revigora. Experienciar o “tudo é em vão”, “tudo é absurdo”, desespera… mas pelo menos neste caso, a filosofia não nasce da morte, nasce da vida! A força para viver e se afirmar é o que nos leva a vencer o próprio niilismo e não cair no desespero!
O texto sobre “O Mito de Sísifo” (veja aqui) talvez não tenha ficado claro. Para Camus, a grande questão da filosofia é saber se devemos ou não suicidar-nos. É preciso dar sentido para o sem sentido da existência: é preciso ver Sísifo como abençoado! Temos necessidade de decidir se a vida merece ou não continuar. Então eu pergunto, caso seja possível justificá-la, por que não para sempre? Uma justificativa com prazo de validade substituível mas interminável.

Não há nenhuma lei no universo que nos impeça de encontrar o segredo da longevidade, e talvez, o segredo a imortalidade” (Michio Kaku). Morremos porque a forma com a qual nossos átomos estão ordenados chega ao fim, se desarranja. As relações que nosso corpo estabelece entre si mesmo se desfaz e adquire novas relações com outras partes exteriores a nós. A morte nada mais é que a desordem de um sistema fechado chamado corpo. Mas caso um dia tenhamos meios para manter a ordem de nossos corpos, e então a chance de viver eternamente, deveríamos recusar?

Por que não? A vida na verdade é um conjunto de vidas que se renovam e se multiplicam em nós. Cada dia que passa somos capazes de afirmar a diferença em nós, temos a capacidade de nos metamorfosear. Um ano, uma década não é o bastante para nos tornarmos outros? A vida morre em si mesma para renascer e se recriar. Participo desta recriação de mim mesmo e das várias vidas que passam por mim.

Para que“, alguém vai perguntar, “viver para sempre?“. Porque, como dizia Nietzsche, “toda alegria quer a eternidade!“. Estamos aqui, esperienciando algo entre duas faíscas chamadas nascimento e morte, nada mais do que isso; temos então o dever ético, mas também o prazer existencial, de fazê-lo da melhor maneira possível. Está é a confirmação máxima do Eterno Retorno, fazer da existência e da vida algo que valha a pena se repetir infinitas vezes.
Toda existência supõe uma saída do nada com a única perspectiva de voltar a ele um dia” – Onfray
Sendo assim, o essencial é não morrer em vida, porque só existe esta realidade e só ela importa. Devemos aproveitar e estender tudo que se encontra no meio desse processo. A busca pela eternidade é legítima: afirmar a vida implica afirmá-la para sempre, sem restrições, em sua dor e prazer. Não uma nem duas vezes, eternamente! A busca pela vida e pelo prazer engloba a busca pela eternidade. O devir é eterno e eterna é a luta da vida para manter-se e ampliar-se.
Vós, homens superiores, aprendei pois, o prazer quer a eternidade – o prazer quer de todas as coisas a eternidade, quer profunda, profunda eternidade!” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra.
- foto de André Castellan
– foto de André Castellan

Fonte: Razão Inadequada

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