julho 24, 2014

“Mídia não pode condenar antes do julgamento das sentenças”, por Renata Sequeira

PICICA: "A advogada Nadine Borges, presidente da Comissão da Verdade do Rio, denuncia que os militantes acusados não estão tendo direito à ampla defesa"

“Mídia não pode condenar antes do julgamento das sentenças”

Pablo Vergara

A advogada Nadine Borges, presidente da Comissão da Verdade do Rio, denuncia que os militantes acusados não estão tendo direito à ampla defesa

23/07/2014
Renata Sequeira

do Rio de Janeiro (RJ)

O Brasil de Fato conversou com a presidente da Comissão da Verdade do Rio, Nadine Borges, que participou, nesta terça-feira (22), do ato na OAB que discutiu as arbitrariedades cometidas na prisão de militantes na última semana. Ela também falou sobre os trabalhos à frente da CEV-Rio e a questão da desmilitarização da polícia.

Brasil de Fato - Em que medida as prisões dos militantes se confundem com os métodos utilizados no período da ditadura militar? 

Nadine Borges - Na ditadura todos eram culpados até que se provasse o contrário. Hoje, o que vemos, são pessoas sendo indiciadas e já julgadas pela mídia quando as próprias autoridades judiciárias não conseguem acessar os autos de um processo. O direito à manifestação é garantido constitucionalmente. Só na ditadura é que o habeas corpus foi suprimido. Não é possível que uma autoridade policial descumpra o pedido de uma autoridade judicial. Isso racha a base de um estado democrático de direito. Ninguém pode ser acusado sem a individualização das condutas. A denúncia do Ministério Público é inepta em si, ou seja, não pode produzir efeitos jurídicos, pois ninguém consegue se defender sem saber do que está sendo acusado. Na ditadura era isso o que acontecia. Isso é inegociável na democracia. Todos, sem exceção, têm direito ao contraditório e a ampla defesa. A mídia e os meios de comunicação hegemônicos não fazem parte da estrutura do judiciário, portanto, não podem condenar as pessoas antes das sentenças judiciais serem julgadas.

Brasil de Fato - A Polícia Militar foi contestada pelo uso excessivo da violência ao coibir as manifestações que tomaram conta das ruas do país desde o ano passado. A partir disso, o pedido pela desmilitarização da polícia se intensificou. Como você enxerga esse processo?

Em 1969, a partir de um decreto do então presidente Costa e Silva, as polícias militares se tornaram força auxiliar das Forças Armadas. Com isso, passaram a desempenhar um papel distinto daquele que deveria ser a sua função: garantir a integridade física das pessoas e a ordem pública. As Forças Armadas são treinadas para a defesa da soberania nacional e recebem formação para atuar, inclusive, em casos de guerra. O que vemos atualmente é uma polícia que executa jovens, negros e pobres nas favelas e que os elegeram como inimigos a serem combatidos, como se vivêssemos em uma guerra. Criam guetos de estado de exceção na democracia. Faz-se urgente o debate sobre a desmilitarização da polícia. Os policiais não recebem formação adequada e a responsabilidade não é deles, do ponto de vista individual, mas sim do Estado responsável pela garantia dos direitos humanos.

Brasil de Fato - Você assumiu recentemente a presidência da Comissão da Verdade do Rio. Quais os próximos passos da comissão que entra em seu último ano de trabalho.

Estamos na metade do caminho e daremos continuidade ao trabalho que já vinha sendo desenvolvido. Uma das prioridades é a transformação do prédio do DOPS em um espaço de memória. A ideia é que o local não se limite apenas a função de museu, o que é indispensável ao resgate da memória e da verdade do país, mas que possa funcionar como um centro de pesquisa e difusão dos direitos humanos. Outra pauta é o avanço nas investigações sobre mortos e desaparecidos. A comissão, desde o início, enfrenta resistência por parte das Forças Armadas em disponibilizar os seus arquivos. O Ministério da Defesa, por exemplo, continua se negando a entregar dados do quadro de funcionários do Batalhão de Infantaria Blindada de Barra Mansa. O pedido agora será feito por ofício, já que essas informações são fundamentais para avançar nas pesquisas da UFF, com financiamento da FAPERJ, em parceria com a CEV-Rio. São mais de 20 agentes da repressão, como Dulene Garcez, ainda vivo, que atuou no sul fluminense antes de vir para o DOI-Codi. A CEV-Rio vai continuar nessa luta para a abertura dos arquivos.

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