julho 19, 2014

"A ÉTICA COMO CONATUS DE ESPINOSA", por Ana Pedro

PICICA: ""A felicidade não é o prémio da virtude, mas a própria virtude; e não gozamos dela por refrear as paixões, mas, ao contrário, gozamos dela por podermos refrear as paixões”.  (Espinosa, Etica. IV, prop. XXXV, p. 389)"


A ÉTICA COMO CONATUS DE ESPINOSA   26
Cadernos Espinosanos, São Paulo, n.29, p.26-36, jul-dez 2013


A ÉTICA COMO CONATUS DE ESPINOSA


Ana Pedro*  


Resumo: Neste artigo, procuraremos analisar o papel e a importância do conatus na economia do pensamento espinosiano, bem como a novidade que, a este propósito, o mesmo encerra para o entendimento de uma ética imanente do sujeito. Compreendido como o esforço despendido pelo sujeito no sentido de perseverar no seu ser, o qual, enquanto individualidade, procura o que é bom e útil para si, o conatus, tal como Espinosa o entende, é, no entanto, um princípio dinâmico que não pode reduzir-se à mera “conservação” do ser, mas é capaz de fazer mover o sujeito na escolha de afeções positivas que o realizem. É, sobretudo, na Parte II da Ética – da origem e da natureza das afeções -objeto de análise do presente artigo, que estas ideias se encontram desenvolvidas, em que o conhecimento (razão) é o afeto quando transformado na causa adequada de si mesmo.  


Palavras-chave: afeções; liberdade; conhecimento; ética; conatus  


"A felicidade não é o prémio da virtude, mas a própria virtude; e não gozamos dela por refrear as paixões, mas, ao contrário, gozamos dela por podermos refrear as paixões”.  (Espinosa, Etica. IV, prop. XXXV, p. 389)  


Espinosa (1632-1677), filósofo racional, cuja obra fundamental - Ética (1677) – constitui a síntese do seu pensamento ontológico, epistemológico, antropológico e ético, surge com um carácter profundamente inovador e revolucionário face à sua época – Renascimento – em que, apesar de se assistir ao emergir de uma nova sensibilidade científica e filosófica, ainda era profundamente marcada por um espírito de religiosidade fortemente acentuado, do qual o próprio Espinosa foi alvo e que esteve na origem da publicação póstuma da Ética (1677).  Com efeito, Espinosa não construiu o seu sistema filosófico em resposta à religiosidade cristã, tentando provar a existência de Deus, como era prática entre os filósofos da época, preferindo erigir, antes, um pensamento que tivesse em consideração a realidade humana:  Rompendo com os preconceitos e com a crença de que o sujeito é senhor das suas determinações, Espinosa substitui na Ética a postura moralista pela de cientista natural. Os afetos ganham status, pois não são de modo algum neutros, afinal, o desejo, a alegria, a tristeza, o amor, o ódio e todos os afetos que colorem nossa existência, possuem causas determinantes e efeitos necessários dignos de conhecimento. (Filho 8, p. 48).       

                                                     
É, nesse sentido, que a sua obra Ética (1677) aparece como uma proposta de libertação do sujeito e das suas afeções negativas, as paixões, sempre através da razão, assente no pressuposto fundamental de que quanto maior for o conhecimento que o sujeito detiver dos mecanismos afetivos aos quais está sujeito, maior será a sua capacidade de intervenção neles e de se poder libertar das afeções negativas, substituindo-as por outras maiores e mais positivas.  Não se tratava, portanto, de provar a dependência do humano face ao divino, mas de acordar a capacidade do humano face à sua própria transformação com vista ao alcançar da liberdade máxima, o bem supremo.  Este novo tipo de ética, de que Espinosa é o autor, não principia por estabelecer primados exteriores ao sujeito para que este os possa vir a atingir, adequando a sua realidade àqueles, mas, ao invés disso, parte precisamente da realidade humana no que ela tem de negativo, sem o refutar – as afeções negativas – para transformá-las em afeções positivas (Silva 18; Amorim & Gacki 2; Arruda 3).   Em todo este processo, o conatus vai desempenhar um papel absolutamente primordial, pois é duplamente entendido, não só como um esforço de perseverança no ser ou de preservação do ser num determinado estado, mas também como impulso, energia vital de transformação do ser em direção à sua maior perfeição.   Analisar a importância que o conatus tem na ética de Espinosa, isto é, qual o papel que o desejo, ou os afetos, desempenham no seu pensamento filosófico moral implica, antes de mais, saber o que o autor entende por ética e moral – o que são o Bem e o Mal? -; qual o seu carácter – imanente ou transcendente? -; qual a lógica que lhe está subjacente – lógica binária, maniqueísta ou circular e relacional? -; qual a sua relação com o conhecimento – que tipo de conhecimento pode estar implicado na afetividade? E, qual o seu objetivo – em que medida terá a razão um papel primordial em conduzir os afetos à sua libertação máxima para atingir o bem supremo?   É, sobretudo, na Parte II da Ética – da origem e da natureza das afeções -, objeto de análise do presente artigo, que Espinosa se dedica particularmente ao estudo dos afetos e apresenta a sua definição como sendo “toda a coisa se esforça, enquanto está em si, por perseverar no seu ser” (Espinosa 7, Parte III, Proposição VI, p. 275), ou ainda, “o esforço pelo qual toda a coisa tende a perseverar no seu ser não é senão a essência actual dessa coisa” (Espinosa 7, Parte II, Proposição VII, p. 276).   Mas, em que consiste o carácter dessa perseveração no ser?

* Professora Doutora  da Universidade de Aveiro - Dep. Educação. Investigadora do MLAG- FLUP- Universidade do Porto – Portugal.
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Cadernos Espinosanos, São Paulo, n.29, p.26-36, jul-dez 2013 


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