PICICA: Internos do então Hospital Colônia Eduardo Ribeiro produziram ao longo dos anos 1980 uma tonelada de verduras, além da criação de 60 cabeças de suínos, roçado de macaxeira, milho, mandioca e feijão, bem como mantinham uma casa de farinha, estabelecendo com isso o início da Reforma Psiquiátrica no Amazonas. Naquela época, a Feira do Produtor, criada pelo governador José Lindoso, produzia três toneladas de resíduo de verduras ao final de cada feira, tendo como destino a lixeira a céu aberto situada nas imediações do Aeroporto Eduardo Gomes, que mais tarde daria lugar ao populoso bairro Novo Israel. Com ajuda do arquiteto Roger Abrahim consegui uma planta para construção de um biodigestor, mas "comi caroço de pupunha" para convencer o gestor de saúde a implantar essa bela invenção da criatividade humana, que nos daria autonomia na produção de energia para iluminar a área de plantio, assim como o fornecimento de biomassa para adubar nossa horta. Não cheguei a ver o funcionamento do biogestor; um movimento corporativista resolveu me dar "alta administrativa", através de um abaixo-assinado, me poupando de testemunhar o descaminho que a reforma psiquiátrica tomaria em Manaus. O canibalismo social vigente na província interromperia a trajetória do "último dos moicanos" da reforma psiquiátrica baré - os demais estavam entocados em suas novas moitas - e foram necessários mais de 10 anos para o renascimento da fênix, resultando na revitalização do setor de saúde mental, ausente do debate público sobre o destino dos usuários do sistema de saúde mental amazonense. Resumo da ópera: abraços simbólicos convidando a sociedade para a luta contra os manicômios; paradas do orgulho louco para unir movimentos sociais em torno da construção da cidadania das pessoas com transtornos mentais estigmatizadas em três séculos de confinamento; implantação do primeiro CAPS de Manaus, depois de 20 anos da implantação do primeiro CAPS no Brasil; criação da Residência Médica em Psiquiatria, atualmente em processo de fechamento, devido uma série de equívocos na condução desse importante instrumento de formação, que pode contribuir com a reforma psiquiátrica, dependendo da linha de ensino adotada. Novos desvios estão em curso; a "caveira de burro" ainda continua enterrada nessa terra. Até a presente data não se sabe o destino que será dado ao velho manicômio de Manaus, onde funciona atualmente apenas o Pronto Atendimento Psiquiátrico Humberto Mendonça, desde que se iniciou o processo de fechamento daquela instituição sinistra. Ao longo dos anos, a propriedade onde situa-se o monstrengo arquitetônico em que foi transformado o belo casarão do governador Eduardo Ribeiro vem perdendo espaço - por ordem - para uma ocupação de sem-tetos (nem tanto assim, posto que todas as casas foram construídas desde o início com tijolo e cimento, coisa rara para populações vulneráveis economicamente) e pelo nosso Hemoam, que depois de ocupar uma área nobre da antiga propriedade de Eduardo Ribeiro, conseguiu convencer o governo do Estado a construir um Hospital do Sangue em lugar do Hospital de Clínicas, como propunha a Política de Saúde Mental do Estado do Amazonas, aprovada pelo Conselho Estadual de Saúde, em novembro de 2004. Com todo respeito Hospital do Sangue não é prioridade. Mas isso é assunto para outro texto. O acúmulo de equívocos na política de saúde mental atual poderia ser corrigido se o espaço abandonado onde jaz o velho hospício dê lugar para a implantação do primeiro Centro de Convivência para Pessoas com Transtorno Mental do Estado do Amazonas, com oficinas de geração de renda, programas de arte e lazer - dispositivo inteiramente negligenciado neste canto do Brasil. Projetos agrícolas poderiam ser retomados, bem como outras Oficinas de Trabalho e Geração de Renda, como Costura, Culinária, Artesanato, Mosaico, Papel Artesanal, Velas e produtos contidos em outros grupos da Economia Solidária. Tudo isso sem esquecer a implantação de lojas para a prática do comércio justo e solidário, com apoio e financiamento das instituições que apoiam a produção sustentável e a inclusão social. De quebra, estaríamos conservando o patrimônio da riqueza vegetal contida naquele território, composto de seringueiras e inúmeras espécies de árvores frutíferas, todas amparadas por lei de proteção ambiental. Sinto muito, reformistas de araque, aqui ainda tem vida inteligente. O que falta é vontade política.
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
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