VALE O QUE ESTÁ ESCRITO
Vale o que está escrito. Esta máxima ainda vale para os fatos e, principalmente, para os “não fatos”, esquentados pela maioria da imprensa que se pratica hoje. Essa maioria coloca, no mesmo saco de gatos, acontecimentos relevantes e outros nem tanto que acabam, afinal, se parecendo. A recente performance da cantora Daniela Mercury, em Portugal, por exemplo, ganhou contornos de celebridade nacional. Imediatamente os defensores do governo Lula trataram de compará-la à infeliz participação de Regina Duarte, em 2002. Equivocou-se quem pensou assim. Regina Duarte, apesar de ter sido instrumentalizada pelos seus amigos do PSDB, era de fato uma personalidade nacional, prestígio solidificado durante décadas, não é o caso da cantora. Depois dela vieram, ao menos, quatro ou cinco baianas, quarenta ou cinqüenta cantoras de pagode, 300 ou 3.000 participantes do Big Brother Brasil. O que as diferencia de Daniela Mercury é que elas querem vender discos ou serem fotografadas pela Revista Sexy e Playboy, nada mais. Daniela é diferente - pensa ser celebrizada como artista símbolo, não é. O artigo do jornalista Mauro Carrara, apesar de um pouco longo, coloca uma pá de cal nessa questão. O que sobra é a prova, mais uma vez, que a imprensa atual está mais interessada na repercussão do que na informação, quando não na difamação. Ainda persiste a máxima - vale o que está escrito.
O início da República brasileira deixou documentado um debate de extrema profundidade, sobre os monarquistas e republicanos, pelos jornais da época, por uma razão muito simples. A classe dominante estava dividida, e isso permitiu que os dois lados mantivessem jornais impressos que produziram os tais retratos, sem retoques, da barbárie que vivia o Brasil, no final do século XIX. O ponto de divergência? O que pensavam os dois lados a respeito da Guerra de Canudos e de um caso sinistro, ocorrido na cidade de Araraquara, conhecido como O Linchamento dos Britos. Tal liberdade de imprensa que, lamentavelmente, não ocorre hoje permitiu, com riqueza de detalhes, o registro do período. Essa liberdade que não existe hoje não é fruto de uma censura governamental, trata-se de um processo seletivo que interessa às forças que apóiam e financiam os respectivos órgãos de comunicação. Ainda assim, vale o que está escrito.
Quando vivo, o governador Mario Covas, numa visita ao interior de São Paulo, armou um barraco na cidade de São Carlos quando a imprensa pró Maluf, no dia da visita, tinha creditado ao governador, é claro, os motivos dessa visita. Covas esbravejou e, ao final, lamentou: “daqui a cem anos os historiadores vão procurar documentos da inauguração da... e vão pensar que nessa obra eu só pensava em votos. Não vão procurar, nem encontrar o que ficou esclarecido, futuramente”. Covas teve a perspectiva histórica correta, só não imaginou que seus aliados, no futuro, elegeriam outras vítimas, como o que vem ocorrendo nos dias atuais. Ainda assim, vale o que está escrito.
Quem tem estômago forte vai procurar e encontrar, nos diversos sites e blogues, informações que contrariam frontalmente o que é escrito na imprensa diária. Muitos têm a ilusão de que esses sites e páginas pessoais estão praticando uma imprensa alternativa. Ilusão mesmo, a maioria absoluta da população não tem acesso à internet, e a grande maioria que está acessando só trata de assuntos absolutamente inúteis. Pouco se interessam pelos destinos da Nação. É só conferir. O velho e bom papel do jornal, além de informar produz documentos para a leitura de gerações futuras.
Para finalizar: o esforço de uns poucos jornais, de circulação semanal, que pautam assuntos mais relevantes ajudam, sim, e também produzem documentos para a posteridade, porém, seus efeitos, na atualidade, são reduzidos. Assim sendo, não é demais lembrar a máxima citada acima: “vale o que está escrito, e lido também”.
Não é demais acrescentar: toda força à imprensa e aos jornalistas sérios desse país.
Jair Alves - dramaturgo
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