junho 03, 2007

Samurai

Renan Calheiros - Revista Época

SAMURAI

Edmar Oliveira

Enquanto o ilustríssimo senhor presidente do Senado nacional se enreda nas teias da avassaladora corrupção que enlameia os três poderes da república e nos apresenta desculpas esfarrapadas, tentando privatizar o espaço público, um ministro do governo japonês, enlameado nas corrupções orientais, comete o suicídio seguido, no dia seguinte, por outro alto funcionário público do império do sol nascente. Dois procedimentos diferentes para culturas distantes.

A corrupção, enquanto instituição nacional, é antiga. O que é novo são as provas materiais de sua existência. A exposição aumenta a sensação de vômito em quem tem estômago fraco ao tomar conhecimento de tanta podridão. Ninguém conseguia imaginar os podres de quem aparecia rico nas negociatas da ditadura. E mesmo que sentisse algum cheiro tinha que negar, nem que fosse sob tortura. O governo de transição do Sarney, o cheiro do podre misturado ao cadáver de Tancredo, fez o povo jogar pedras no presidente. Democracia tem desses riscos. Em Collor, as provas materiais do podre foram documentais: cheques depositados em contas laranjas, um Fiat Elba como metáfora das carroças, com os pára-lamas sujos de negociatas, sobras de campanha no Uruguai e outros documentos. A prova documental vinha em xerox. Itamar tem prova fotográfica, no caso da modelo sem calcinhas ou parabólica, nas inconfidências do Ricupero. O choque de modernidade do governo sociológico de FHC nos apresenta provas em áudio da podridão submersa: são os grampos telefônicos revelando as vozes inconfundíveis de personagens republicanos enlameados que nos assustaram naquele período. No governo companheiro, que prometia vencer o medo, assistimos a esperança ser flagrada em provas áudio visuais mostrando o baton na cueca de quem se deixou seduzir pelo esquema podre de muito longe. Enfim, estamos na pós-modernidade e já estaremos a assistir a corrupção em tempo real, como um programa de TV que premia o mais esperto.

E agora, aparece o terceiro homem, na ordem de importância sucessória da Nação, jogando merda no ventilador: tentando explicar como pagava uma pensão maior do que a soma de seus rendimentos declarados. E esta declaração, para os cargos públicos, é documento de fé republicana. Ainda tem de explicar porque o portador do dinheiro é ligado à empreiteira que presta serviços públicos, tendo ganhado licitação (que deveria ser) aberta. O que diabos tem de privado nestes casos? A devassa do caso extraconjugal e a exposição de paternidade fora do casamento? Ora, faça o favor Senador: não foi sua honra atingida, mas a honra da Nação pelo seu comportamento.

Os japoneses, que não têm uma cultura que condena o suicídio e que têm na honra um bem sublime, quando pegos em flagrantes de corrupção, tendem a responder com o sacrifício da própria vida para purgar a desonra que infringiu aos familiares ou à Nação. E claro que na intenção de mostrar um pouco de vergonha na cara, apesar da gravidade do erro. Nossos caras-de-pau tentam argumentar que foram desonrados e são vítimas.

Mas, apesar de serem urgentes as medidas para diminuir a corrupção nacional instituída, não estamos querendo que os costumes japoneses, que os acompanham desde os tempos imemoriais dos guerreiros samurais, sejam adotados em terras patriotas. O nosso pendão verde amarelo seria avermelhado pela bandeira do sol nascente. Teríamos um suicídio em massa se quem subornasse o guarda da esquina cometesse haraquiri...

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