Governo de Rondônia e prefeitura de Porto Velho compelem seus funcionários a coletarem assinaturas para abaixo-assinado favorável à construção das usinas Jirau e Santo Antônio; aos estudantes são prometidos um computador e uma TV de tela plana
18/06/2007
Igor Ojeda e Luís Brasilino,
da redação
Uma verdadeira força-tarefa, que conta com uma articulação entre o setor público e o privado, está sendo posta em marcha em Rondônia, especialmente na capital Porto Velho. O objetivo: coletar, através de intimidação, o maior número possível de assinaturas para um abaixo-assinado favorável à construção das usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira.
Quem denuncia o clima de coação e o uso da máquina pública para atingir as metas de “adesões” é o Fórum Independente Popular do Madeira (FIPM), entidade que reúne organizações como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), associações ribeirinhas e a Comissão Brasileira Justiça e Paz.
Na quarta-feira (13), estas e outras entidades divulgaram carta (ver abaixo) na qual explicam sua oposição à construção das usinas e critica “o uso da máquina pública para fins particulares pelo Governo do Estado, pela Prefeitura Municipal, bem como pelos legislativos municipal, estadual e federal”.
Computador, TV de tela plana...
Luís Massimo, inspetor de educação da Escola Coronel Carlos Aloísio Weber, na capital, atesta que o governador do Estado, Ivo Cassol (PPS), e o prefeito de Porto Velho, Roberto Sobrinho (PT), “estão usando a máquina pública para forçar os funcionários a votarem a favor das hidrelétricas”. Segundo Massimo, os professores levam para as escolas o abaixo-assinado e dão para os alunos assinarem. Além disso, estudantes também estão sendo recrutados para a coleta, recebendo brindes em troca: “o aluno que levar mais assinaturas ganha um computador, o segundo ganha uma TV de tela plana”.
Massimo revela que Cassol viajou o Estado inteiro e convocou reuniões com todos os diretores de escolas estaduais, entregando a cada um 50 folhas com espaço para 25 assinaturas cada. Os diretores, por sua vez, pressionados a alcançarem as metas, envolvem professores e alunos. O inspetor conta que não aceitou participar da coleta e levou o caso ao Ministério Público Estadual.
Capacitação
Segundo o FIPM, o prefeito de Porto Velho foi o primeiro a anunciar uma meta de assinaturas: 50 mil. Em seguida, foi a vez do governador do Estado prometer 200 mil. Para tal, determinou que suas secretarias fizessem o esforço que fosse necessário. Pontos de atendimento ao público dos órgãos estaduais foram orientados nesse sentido e os funcionários públicos, além de obrigados a assinar, também foram instruídos a fazer assinaturas. Segundo a denúncia do Fórum, Ivo Cassol escalou as secretarias da Casa Civil e de Finanças para centralizar o processo.
Mas, como se não bastasse o peso dos governos estadual e municipal, o governo federal participa ativamente das pressões pelo início das obras das hidrelétricas. Mesmo sem o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ter concedido a licença prévia ambiental para o projeto, mais de 3 mil trabalhadores de Porto Velho começaram, no final de abril, a receber capacitação para atividades relacionadas à construção das usinas, como armador e operador de máquinas pesadas. Trata-se do Plano Setorial de Qualificação (Planseq) Hidrelétrica, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Estão sendo oferecidos também cursos nas áreas de comércio, agricultura familiar e empreendedorismo já que, segundo o órgão, com a obra de infra-estrutura podem ser criados novos negócios na região.
Os cursos contarão com investimentos de R$ 1,3 milhão, recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). São parceiros no Planseq Hidrelétrica a Prefeitura de Porto Velho, o governo de Rondônia, a Federação do Comércio (Fecomércio-RO), a Central Única dos Trabalhadores de Rondônia (CUT-RO) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que ministra as aulas.
Para o FIPM, “como as usinas sequer alcançaram a Licença Prévia, a antecipação desse processo de qualificação direcionado constitui uma forma de pressão indevida sobre o processo de licenciamento no interior do próprio governo”. Como demonstração disso, destaca-se a declaração do ministro do Trabalho, Carlos Lupi: “A qualificação do trabalhador não tem nada a ver com a licença. Tem a ver com uma necessidade futura. Se não tiver a licença, aquele trabalhador pode ficar qualificado e não ter emprego, isso é muito ruim. Mas eu espero que tudo acabe se organizando”.
Campanha aberta
O Fórum denuncia ainda que a assinatura do abaixo-assinado pró-usinas faz parte do ato de inscrição dos candidatos a uma vaga nas eventuais obras. A participação em programas como o Fome Zero e o Bolsa Família, do governo federal, e em benefícios às comunidades ribeirinhas executados pela Prefeitura de Porto Velho também são condicionados ao apoio às usinas.
Na esfera privada, a campanha também é grande. De acordo com a FIPM, empresas vinculadas à Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Fecomércio-RO, Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada de Rondônia (Sinicon-RO) e Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (Sinduscon-RO) estão coagindo seus funcionários, fornecedores e clientes a registrar o apoio às usinas.
Além disso, a mídia também vem sendo amplamente usada. “Tem uma vinheta em todas as rádios e televisões, quase todas comerciais, que fala, basicamente, que o Brasil precisa da energia de Rondônia, que sem ela viria o apagão. Mostra que as usinas significam progresso, emprego e desenvolvimento para o Brasil e para Rondônia”, conta Luis Fernando Novoa Garzón, sociólogo e professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Leia abaixo a carta na íntegra:
CARTA AO POVO BRASILEIRO E À COMUNIDADE INTERNACIONAL
Nós moradores de Porto Velho e de todo Estado de Rondônia denunciamos a tentativa do governo brasileiro, associado a grandes construtoras e transnacionais do setor elétrico, de licenciar de forma irregular e inescrupulosa duas mega-hidroelétricas no maior tributário do rio Amazonas, o rio Madeira.
O rio Madeira é um rio de formação recente que sequer tem um leito definido. De sua nascente à sua foz, há um desnível de aproximadamente 65 metros. São pelo menos 20 trechos de corredeiras, tombos e cachoeiras no seu alto curso que sustentam um regime hidrológico complexo e delicado. A alteração da dinâmica do rio e da bacia com a construção das barragens pode acarretar níveis imprevisíveis de alagamento, de assoreamento e de erosão.
A construção de usinas em Santo Antonio e Jirau afetaria de forma irreversível a biodiversidade regional, especialmente a relativa aos peixes, comprometendo a atividade pesqueira em toda a bacia do Madeira. Grandes áreas de vegetação densa seriam alagadas permanentemente por essas barragens, criando condições propícias para a emissão de gases estufa, para a multiplicação dos vetores da malária e para a contaminação por mercúrio. A qualidade da água para fins de abastecimento urbano também seria afetada por tempo indeterminado. É inaceitável que o risco de vida da população de Porto Velho e de Rondônia paguem os riscos financeiros do empreendimento.
A cidade de Porto Velho se tornaria um apêndice, uma parte acessória dessas gigantescas obras, em detrimento de sua memória e identidade, incluindo a inundação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – E.F.M. M., e da Vila de Santo Antônio, marcos históricos do processo de ocupação da região. Prevê-se que mais de 100 mil pessoas afluiriam para o município nos próximos quatro anos por conta dessas obras. Menos de 2% da cidade de Porto Velho tem saneamento básico. A rede hospitalar pública é incapaz de atender minimamente a população hoje residente. Os índices de desemprego e de criminalidade estão entre os maiores entre as capitais de estado. Junto com as usinas viriam mais caos urbano, mais crime, mais violência e corrupção. Estudos de impacto de vizinhança que produzissem indicadores para o adequado planejamento urbano não foram realizados, e nem há previsão para tanto.
Denunciamos governantes e representantes parlamentares que resolveram se tornar empregados e porta-vozes das empresas e bancos patrocinadores das usinas, em flagrante prática de abuso de autoridade e de improbidade administrativa, durante a condução do licenciamento do projeto das usinas de Santo Antonio e Jirau.
Denunciamos o uso da máquina pública para fins particulares pelo Governo do Estado, pela Prefeitura Municipal, bem como pelos legislativos municipal, estadual e federal. Recursos essenciais para a população estão sendo desviados para abastecer uma milionária campanha publicitária a favor das obras. O Poder Público deveria antes de tudo procurar informar a população e exigir reais esclarecimentos dos empreendedores. Os três níveis de governo deveriam ter garantido um amplo debate social e técnico sobre o projeto, com a convocação de painéis de especialistas e de audiências públicas, para que todas as dúvidas, falhas e lacunas nos estudos apresentados pudessem ter sido discutidas amplamente.
Por tudo isso e em nome de nossas vidas e das nossas futuras gerações, exigimos o cancelamento do licenciamento do projeto das usinas Santo Antonio e Jirau, com base no parecer técnico do Ibama que atestou sua completa inviabilidade.
Comunidade de Santo Antonio, cidade de Porto Velho, Estado de Rondônia, 13 de junho de 2007.
- Comunidade da Cachoeira de Santo Antônio
- Associação de Pescadores de São Carlos
- Movimentos dos Atingidos por Barragens –Rondônia
- Via Campesina-Rondônia
- Associação Arirambas
- Associação dos Amigos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
- Faculdade Católica de Rondônia
- Comissão de Justiça e Paz-Arquidiocese de Porto Velho
- Comissão de Justiça e Paz –Zona leste
- Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior-ANDES -SN-Regional Norte 1
- Fórum Independente Popular do Madeira- FIPM
Fonte: Agência Brasil de Fato
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