http://www.ensp.fiocruz.br/informe/materia.cfm?matid=6666
Conferência enfoca sistema de saúde mental de Trieste - 15/10/2007
A estrutura do sistema de saúde mental na cidade de Trieste, na Itália, foi o principal tema da conferência apresentada pela psicóloga do Departamento de Saúde Mental de Trieste, Giovanna Butti. A palestra, realizada durante o Seminário de Comemoração dos 25 anos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), enfocou as experiências européias na área, o contexto em que se envolve o sistema e a formação em saúde mental, sua origem e algumas passagens importantes da prática italiana de desinstitucionalização. A conferência foi realizada na terça-feira (09/10).
Antes da palestra, o Grupo de Teatro Os Nômades apresentou um trecho da peça Ponto Cego, destacando reflexões existenciais do homem contemporâneo. Após dez minutos de apresentação do grupo, Giovanna Butti afirmou que Franco Rotelli – palestrante da parte da manhã – havia feito um panorama do quadro teórico da formação em Trieste, e que seu objetivo seria articular esse quadro teórico à prática. Para isso, mencionou o médico Franco Basaglia que, no ano de 1961, abandonou a universidade e assumiu a direção do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, dando início a mudanças com o objetivo de transformá-lo em uma comunidade terapêutica. “Sua primeira atitude foi melhorar as condições de hospedaria e o cuidado técnico aos internos”, revelou.
Ainda de acordo com Giovanna, havia na Europa, naquela época, alguns movimentos de reforma da psiquiatria. “A experiência de comunidade terapêutica na Inglaterra nasce depois da guerra, a partir das pessoas que voltaram da batalha chocados com tal experiência. Como eram heróis, não podiam ir para os manicômios. Portanto, nasceram as comunidades terapêuticas como unidades não opressivas, onde existia uma humanização das relações e uma democratização dessas relações. Embora fossem unidades fechadas, visavam mudar as relações de poder”, explicou. Outra experiência importante destacada pela palestrante foi a francesa. Mesmo que não tocassem no hospital psiquiátrico, desenvolveu-se um conjunto de serviços que consideravam e enfatizavam, principalmente, o lugar onde as pessoas viviam, os bairros onde estavam e os bairros nos quais se desenvolvia o processo de adoecimento. “Dessa forma, Basaglia abre as portas do hospital psiquiátrico, democratiza as relações, constrói uma comunidade terapêutica, mas uma lei nacional de 1904 impede isso. Ele deixa Gorizia e passa uns anos em Parma, onde também não pôde desenvolver esse trabalho”.
A partir de 1971, quando foi nomeado diretor do Hospital Provincial na cidade de Trieste, Basaglia iniciou o processo de fechamento deste hospital psiquiátrico. Na cidade, promoveu a substituição do tratamento hospitalar e manicomial por uma rede territorial de atendimento, da qual faziam parte serviços de atenção comunitários, emergências psiquiátricas em hospital geral, cooperativas de trabalho protegido, centros de convivência e moradias assistidas (chamadas por ele de "grupos-apartamento") para os loucos. “Basaglia trouxe a cidade grandes músicos, artistas e laboratórios artísticos. Sua equipe tornou a internação involuntária em voluntária. Outro fator dessa re-engenharia institucional foi a distribuição das pessoas internadas não pela sua patologia, mas pela região de proveniência. As pessoas internadas pelo mesmo bairro continuavam no mesmo pavilhão e, quando tinham alta, as pessoas que cuidavam delas naquele território passaram a realizar um atendimento domiciliar”.
Em seguida, a psicóloga afirmou que o serviço de saúde mental de Trieste é territorializado e que não há uma relação não de poder entre operadores e usuários. Ainda segundo ela, após muitas transformações, a cidade está dividida em 4 distritos sanitários. Cada distrito tem um Centro de Saúde Mental, que tem a responsabilidade psiquiátrica de todo o território. “É um serviço que funciona em tempo integral, aberto 24 horas por dia em sete dias da semana, completamente integrado a uma rede de serviços. Em termos práticos, hospitalizações voluntárias e compulsórias foram evitadas em favor do apoio dia e noite oferecido no Centro de Saúde Mental, que é um espaço de vida cotidiano”.
Como conseqüência das ações e dos debates iniciados por Franco Basaglia, no ano de 1978, foi aprovada na Itália a chamada ‘Lei 180’, ou ‘Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana’, também conhecida popularmente como ‘Lei Basaglia’. “Em 1998 conseguimos produzir um convênio entre a legião, a agência sanitária e a clínica psiquiátrica. A partir desse convênio, a clínica se torna Centro de Saúde Mental. Dos 22 leitos iniciais, hoje existem oito. Temos 21 enfermeiros que fazem turno de manhã e noite, uma psicóloga, uma psiquiatra universitária, uma psiquiatra do serviço sanitário e alunos de especialização. Com isso, modificamos o lugar da formação que não é mais ao redor do leito, mas no território. Basaglia deixou a universidade e pensamos que é importante retornar para esse lugar. Temos estagiários conosco e eu busco formá-los a partir dessa prática. Se Basaglia deixou a universidade em 1971, em 1998 retornamos à ela com a idéia de desinstitucionalizá-la também”.
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