outubro 03, 2007

Ódio, ciência e política

"Mas esta é mais uma das muitas diferenças entre o PT e o PSDB. Aqui, nós decidimos no voto de delegados eleitos pela base. Aí, meia dúzia de lideranças decide na mesa de restaurantes finos".
Ódio, ciência e política

Em artigo acerca do Plebiscito da Vale, publicado na página 3 da Folha de S. Paulo (18/9), o “cientista político” tucano Eduardo Graeff fala que os militantes do PT são animais amestrados, que pulam e latem.

Como sempre, o ódio não é bom conselheiro. No caso de Graeff, ele simplesmente desconhece que o Plebiscito da Vale foi organizado por mais de 60 entidades, entre elas a CUT, a UNE, o MST, além de igrejas e partidos políticos como o PSOL e o PSTU, que estão longe de ser petistas ou simpatizantes.

Graeff ofende milhões de pessoas que votaram no plebiscito. Se uma iniciativa de milhares, como o Cansei, recebeu farta publicidade na mídia e foi objeto de análises sérias, por parte de “cientistas políticos” das mais variadas correntes, por qual motivo tratar com tanto escárnio uma iniciativa de que participaram milhões de pessoas?

Pelo visto, Graeff não conhece a decisão do 3º Congresso do PT (31/8 a 2/9/2007), que decidiu apoiar o Plebiscito da Vale, como fizemos aliás no caso do Plebiscito da Dívida, realizado em 2000.

O 3º Congresso, ao apoiar o Plebiscito, não estava emitindo opinião de mérito sobre como votar, apenas reconhecendo que um tema como a privatização da Vale é relevante e que ouvir a população é democrático.

O plebiscito colocou em debate um tema de interesse nacional e constitui um contrapeso legítimo contra a eficiente pressão que a própria Vale do Rio Doce faz sobre a Justiça e outras instituições brasileiras.

A cédula do Plebiscito continha uma explicação (“em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce, patrimônio construído pelo povo brasileiro, foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o poder judiciário podem anular”) e uma pergunta: “a Vale deve continuar nas mãos do capital privado?”

Graeff admite que se houver “sombra de dúvida que o ato foi fraudulento”, caberia ao presidente da República “mandar apurar e desfazer o malfeito”. Mas se é assim, o cidadão comum que está convicto de que houve fraude na privatização pode e deve se mobilizar, inclusive organizando um plebiscito popular.

Motivos de convicção não faltam. A começar pelo seguinte: uma empresa que hoje vale US$ 50 bilhões, certamente valia mais do que os US$ 3 bilhões pelos quais foram vendidas 42% de suas ações, em 1997. Houve um “erro” proposital de avaliação.

Mas o “cientista político” tucano acha que mexer com a Vale assustará o mercado. E entende que a Vale privatizada trouxe grandes ganhos para o país, com recordes de investimento, produção, emprego, exportações. Aliás, diz ele, “o desempenho de quase todas as empresas privatizadas é uma história de sucesso em benefício de seus compradores e empregados e do país”.

O que Graeff está tentando dizer, mas não tem a coragem de falar abertamente, é o seguinte: mesmo que a Vale tenha sido fraudulentamente privatizada, os fins justificam os meios.

Pensamos diferente: exatamente por ser estratégica para o país, a situação da Vale merece ser analisada com atenção redobrada, sem preconceitos. Do mesmo modo que o governo FHC não considerou o monopólio estatal como um fato consumado, o PT tem o direito de não considerar o monopólio privado como cláusula pétrea.

Já que os recursos que sustentam a Vale são em grande medida públicos, nada mais natural que uma empresa estratégica para o país, construída com recursos públicos, privatizada de maneira fraudulenta, possa voltar a ser totalmente controlada por interesses públicos.
No caso da Vale, se a Justiça considerar que a privatização foi fraudulenta, tornar-se-á obrigatório reverter o ato criminoso. Neste caso, o raciocínio segundo o qual a reestatização causaria danos para a economia do país equivale a dizer que o crime compensa. De mais a mais, há várias maneiras de recuperar o controle público, sem que isto implique prejuízos para os investimentos feitos.

Nem toda quebra de contrato é ruim para a economia do país. Se, por hipótese, o governo FHC tivesse conseguido privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, como procederíamos? Buscaríamos ou não os meios jurídicos, institucionais e políticos necessários para uma reversão?

Por fim, Eduardo Graeff não sabe como funciona o Partido dos Trabalhadores. O 3º Congresso aprovou por maioria o apoio ao Plebiscito. Havia gente importante contra. Mas esta é mais uma das muitas diferenças entre o PT e o PSDB. Aqui, nós decidimos no voto de delegados eleitos pela base. Aí, meia dúzia de lideranças decide na mesa de restaurantes finos. E nós é que somos amestrados?

Valter Pomar, secretário de relações internacionais do PT

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