Matéria publicada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre
11 de abril de 2008 N° 15568
Artigo
Hospícios, por Germano Bonow*
Em 1974, um grupo de técnicos da Secretaria da Saúde foi fazer um "recenseamento" no São Pedro, o velho hospício de Porto Alegre. Foram encontrados e contados 5,5 mil pacientes, alguns, em grupos de até cinco, dividindo duas camas. Esta era a realidade dura e perversa de uma época em que o arsenal terapêutico era insuficiente e ainda não estabelecido como o é hoje.
Em 2001, uma lei é aprovada no Congresso - a da reforma psiquiátrica. Por ela, deveriam ser fechados leitos hospitalares e devolvidos os pacientes que os ocupavam para... onde?
Fruto da luta antimanicomial, esta reforma propunha a troca de atendimento manicomial por atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (Caps), em residências terapêuticas e pelo surgimento de internações em hospitais gerais. Hoje, tantos anos após aquele distante 1974, o que vemos é que a população brasileira passou de 90 para 180 milhões, os leitos hospitalares específicos caíram de mais de 100 mil para 38 mil e os caminhos alternativos são 1.114 Caps, dos quais 508 sem psiquiatras e menos de 500 residências terapêuticas.
Mas é preciso, ainda, deixar bem claras algumas definições. Qual a diferença entre hospital psiquiátrico e manicômio? Segundo dicionários, hospital é lugar onde se tratam doentes e manicômio é um misto de depósito, asilo, prisão e um pretenso hospital, que, na maioria das vezes, não tem sequer as mínimas condições de higiene. Além de populares, essas definições não podem esconder verdades que trazem a dura realidade para a pauta das discussões que se travam hoje: onde estão nossos doentes mentais? Tratados por quem? Que destino têm quando alcançam um patamar que lhes permite voltar ao convívio social? Estão nas ruas, debaixo de pontes e viadutos, nas esquinas, aliciados por alguns, vendo nossas senhoras em galhos de árvores, submetidos aos riscos que representam para si próprios, estão morrendo 41% a mais do que até então.
Outra definição a ser bem estabelecida, porque define diferentes estados, é a que diz respeito a sofrimento psíquico e doença mental. Há quem diga que o sofrimento é melhor tratado pela arte, pela literatura. Já a doença mental precisa ser encarada como doença e assim ser enfrentada - com as melhores e mais modernas técnicas de diagnóstico, que leve em conta cada um dos pacientes no seu todo, incluindo a família e o meio em que se insere.
É necessário que possamos tratar os pacientes como pessoas e não como números frios, pois estes não geram ferimentos, dor, mutilações e mortes. Para isso, é preciso que seja entendido que doença mental é doença como gripe, rubéola, câncer ou Aids, que têm formas de serem avaliadas, diagnosticadas, acompanhadas por tratamentos embasados no que de melhor a ciência propicia para a reabilitação de pacientes, que às vezes precisam de internação hospitalar e não serem abandonados nas ruas e praças de nossas grandes cidades.
*Deputado federal (DEM-RS) e médico (vixe!)
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Nota 1: Que papelão do jornal Zero Hora! Matérias contra a Reforma Psiquiátrica brasileira contam-se aos metros, comparadas aos poucos centímetros oferecidos aos defensores de uma sociedade sem manicômios.
Nota 2: Que papelão do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul que espalhou out-doors com peças pseudo-literárias, na tentativa de confundir a opinião pública.
Nota 3: Que maravilha de reposta - curta e generosa - do companheiro Nilo Neto, de um dos grupos da luta antimanicomial, que aqui reproduzo:
"Esse Germano esqueceu de falar dos lucros gigantescos da indústria da loucura.
Da mudança de perspectiva social e cultural, que a reforma está implantando.
Da autonomia, cidadania, solidariedade e cooperação.
Da diminuição da medicação que causa tantos efeitos colaterais terríveis.
Que internação não melhora a vida de ninguém".
Nilo
Um comentário:
Valeu Rogélio
Um beijo no teu bom senso, que me faz respirar melhor.
Nilo
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