Amazonino Mendes - Hoje à tarde, almoçava na companhia da professora Mestre Graça Barreto, no restaurante Gaúcho, na Vila Municipal, quando Amazonino Mendes, ex-governador do estado do Amazonas, adentrou no ambiente. Foi no seu governo, em 1987, que fiz uma greve de fome entre os dias 11 a 16 de novembro: em causa, a Reforma Psiquiátrica.
Cumprimentamo-nos cordialmente. Há anos não nos víamos pessoalmente. Da última vez, foi em seu segundo mandato, durante as comemorações do seu aniversário no Palácio do Governo, quando voltei a ocupar um cargo público pelas mãos de Félix Valois, então Secretário de Estado de Justiça (único comunista vivo no estado do Amazonas, de quem tenho o prazer da amizade). O tamanho da encrenca era grande, mas como eu me especializara em administrar crises e conflitos, lá aceitei o convite do amigo.
Valois colocara na cabeça que eu deveria ser reabilitado, depois de um longo período de exclusão dos processos decisórios no campo da sáude mental. Dessa forma, acabei por dirigir o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, entre o início de 1998 e o início de 2000. Por muito pouco deixamos de fazer uma mudança histórica naquela instituição anacrônica. Ressalte-se que, nessa época, já constava no meu currículo o trabalho como diretor clínico do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, marcado pela contribuição de novas modalidades de reabilitação psicossocial, até então desconhecidas no campo da saúde mental amazonense, conforme farta documentação da imprensa local naquele período.
Para nossa desgraça, parte das conquistas naquela época foram esvaziadas, tendo como um dos fatores de instabilidade a precariedade da formação dos técnicos de saúde mental. Esses não tinham tido a oportunidade de atualizar o conhecimento, o que acabou por comprometer o futuro da Reforma Psiquiátrica no estado do Amazonas. Só nos anos 2000, a reforma tomaria novos rumos. A análise desse período está sendo escrita (aguarde o novo portal do PICICA - Observatório dos Sobreviventes).
Ano eleitoral - A cidade de Manaus já vive a paixão com que o ano eleitoral marca, a cada dia, o momento que antecede a escolha do candidato pelo voto. Lamentalvelmente, a cultura política da cidade não permitirá um debate público de bom nível, salvo as raras vezes em que os candidatos respondem aos convites de algumas entidades de classe. Mesmo assim, os mais bem posicionados no ranking eleitoral não comparecem. Os menos cotados aproveitam para divulgar suas plataformas em mínimos detalhes, detalhes que costumam desaparecer nos meios de comunicação de massa, para dar lugar às grosserias que fazem a festa dos que gozam com espetáculos de mal gosto.
Gostaria de ver um debate de alto nível sobre uma questão que está na ordem do dia da civilização do automóvel. É notório, por exemplo, que a proliferação de viadutos, vista como um "mal necessário", é parte de uma canhestra noção de progresso que se dissemina na sociedade sem nenhuma crítica inteligente. Nem o exemplo de São Paulo, uma cidade que está parando, é capaz de sensibilizar e demover os emergentes, que sonham com as facilidades de compra de um automóvel. Certamente, quem dirige automóvel na Manaus metropolitana já deve ter exclamado inúmeras vezes: "Esse trânsito tá um inferno!".
Dinheiro público tem sido usado para soluções descoladas da cultura local. Taí o Expresso, do ex-prefeito Alfredo Nascimento, que não me deixa cair em contradição. Gastou-se uma "grana preta" para indenizar os proprietários dos imóveis residenciais e comerciais, para abandoná-lo sem piedade, na gestão atual. Comenta-se, à boca pequena, que há interesses não públicos em questão. Outras idéias, como a do metrô de superfície, não passou de arroubo de campanha. Qualquer que seja a solução para os problemas causados pela expansão da cidade, uma outra questão continua sem resposta: quando serão aperfeiçoados os mecanismos de participação da sociedade civil organizada não partidária na discussão de matérias de interesse coletivo?
O governador Eduardo Braga, em programa radiofônico, expôs um plano para uma nova malha viária, que suponho será defendido pelo seu candidato. Inclusive, parte dela já está saindo do papel, sem que sequer ela tenha sido promessa de campanha. Amazonino Mendes certamente tem seu plano. O candidato do PT seguramente apresentará o seu, e, assim, sucessivamente. O problema não está no oferecimento de um novo plano, mas como ele pode ser objeto de um novo tipo de controle social, afinal é dinheiro dos nossos impostos que está em jogo. Parte dele está sendo bem empregado, como no projeto PROSAMIN, de saneamento dos igarapés, embora venha sendo alvo de críticas. Entretanto, o que está em jogo não é o acerto de algumas políticas, mas questões que transcedem interesses político-partidários: trata-se da qualidade de vida que a cidade vem perdendo com projetos que trazem mais prejuízos que benefícios, seja na saúde física, seja na saúde financeira do bolso do cidadão.
Quando li o texto abaixo, pensei nos candidatos a prefeitura da minha cidade. Estariam eles pensando no futuro, quando nossas máquinas infernais pararem, ou estão preocupados apenas com ações de médio prazo? À falta de avaliação desse tipo de resposta de curto e médio às questões da malha viária - numa cidade que emplaca quase 3 mil veículos por mês, num país em que os governantes vibram com quebra contínua dos recordes da indústria automobilística -, eis o preço pago pelo atual prefeito Serafim Corrêa e seus assessores. Incapazes de perceber essa realidade, não enxergaram a tempo que os viadutos seriam medidas necessárias, mas insuficientes para dar conta do caótico trânsito de Manaus. O engenheiro Eduardo Braga, governador do estado, foi mais sagaz ao projetar a avenida das Torres para desafogar o tráfego de veículos.
Em tempo: continuo votando no Sarafa. O esclarecimento se faz necessário, especialmente aos que deixaram de exercitar a crítica como um fundamento do acontecimento solidário. Não raro, homens públicos que chegam ao poder deixam de receber a crítica fraterna do circuito mais próximo dos seus relacionamentos. Se de um lado aumenta o cordão da bajulação, por outro lado seu efeito danoso logo se faz sentir na produção de discursos vazios. Para estes, é como se nos processos mentais pudessémos abrir mão da idéia de que não há conhecimento possível sem a multiplicidades das premissas no processo de argumentação. Resumo da ópera: empobrecimento da crítica.
Por falar em processos mentais, o que pensam os candidatos quanto às políticas de saúde mental? Bem... essa é uma outra história.
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Quando as máquinas param
Postado por Luiz Weis em 25/4/2008 às 11:46:09 AM
O jornal Valor foi o primeiro a destacar que o transporte urbano mobilizará o debate eleitoral este ano, como está no título da matéria de página inteira, publicada na edição de 7 de abril, com uma panorâmica das atitudes dos potenciais candidatos a prefeito de seis capitais diante da crise de circulação, que em São Paulo já alcançou proporções medonhas.
Hoje, o Valor centra o foco no inferno paulistano, com incursões por outras cidades, com a matéria de capa “Basta!” de seu caderno de fim de semana EU&. [Dentro o título não é menos vigoroso: “Deixe-me ir”.] Jornal de economia que é, o Valor ressalta quanto custa o pesadelo – R$ 33,5 bilhões por ano em prejuízos causados pelos engarrafamentos permanentes, segundo cálculos, já divulgados antes, do economista Marcos Cintra, da FGV.
A reportagem percorre a rota habitual dos textos sobre o assunto, mas se guarda de dar com todas as letras a má notícia de que o tormento do trânsito não tem fim à vista, porque as grandes cidades, em geral, já não dão conta dos efeitos desse brutal aumento que está aí da frota de carros particulares em circulação. E não darão conta enquanto perdurar a predileção das pessoas pelo transporte individual.
A idéia, que a mídia não se cansa de propagar, de que um sistema de transporte coletivo de boa qualidade, subterrâneo, naturalmente, tiraria das ruas de São Paulo um número suficiente de veículos particulares para permitir que o trânsito fluisse é meia-verdade. É óbvio que tudo que se puder investir nisso é pouco. Mas o buraco é mais em cima.
Por volta de 2003, quando Londres estava para adotar o pedágio urbano, uma pesquisa sobre os hábitos de transporte da população revelou que 30% dos londrinos continuariam a usar o carro, mesmo que o deteriorado metrô da capital voltasse a ser o que foi até a década de 1970, quando era melhor do que o de qualquer outra metrópole do mesmo porte no mundo.
Não admira que o pedágio no centro de Londres não poupe a cidade do “caos no trânsito”, como registra o Valor. O problema é que “o automóvel é uma mania” em toda parte. Tornou-se irremediavelmente disfuncional. Quando os primeiros calhambeques começavam a revolucionar o modo de vida urbano, no início do século 20, uma cançoneta alemã dizia:
“Eu tenho um automóvel / ando para onde eu quero” [No original, rima.] Hoje, o preço dessa liberdade é o eterno congestionamento.
A pergunta que a imprensa precisará fazer a todos os prefeitáveis é até onde estão dispostos a ir na única direção que resta – e avisar isso ao eleitorado, olho no olho: impôr restrições draconianas ao uso do auto particular.
Está na matéria do Valor: São Paulo precisa tirar das ruas, como der, 2 milhões dos hoje ironicamente chamados carros de passeio. É mais ou menos o que sai da cidade nas férias de verão. E isso apenas para atenuar o sofrimento que os monumentais gargalos causam a motoristas e a não-motoristas.”
As pessoas”, diz o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, citado na reportagem, “só vão deixar o carro em casa quando não tiver mais jeito”.
Ou quando forem obrigadas a isso pelos governantes.
Dito de outro modo - que é o que a imprensa deveria deixar claro – enquanto não piorar para uns, não vai melhorar para todos.
Fonte: Observatório da Imprensa
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