abril 21, 2008

CASO ISABELLA

CASO ISABELLA

Para ouvir, ver e ler as notícias

Por Deonísio da Silva em 15/4/2008

"Esta é a única dor que não passa", dizem aqueles pais que enterram os filhos. O sofrimento é tamanho que chega a abreviar a existência dos pais, tão devastador é o ato que contraria a lei da vida: são os filhos que enterram os pais, não o contrário.

As literaturas de todo o mundo espelham, de diversos ângulos, a inversão, havendo personagens emblemáticos que sintetizam a dor de contornos tão complexos e de difícil entendimento. E temos o caso-síntese do Livro de Jó, na Bíblia. Ele não apenas perde tudo, perde também todos os filhos:

"Os teus filhos e as tuas filhas estavam comendo e bebendo em casa de seu irmão mais velho, e eis que um vento forte se levantou do outro lado do deserto e abalou os quatro cantos da casa, que desabou sobre os jovens e eles morreram. Só eu consegui escapar para trazer-te a notícia" (Livro de Jó 1, 18-19).

Ainda que raramente, às vezes é a verdadeira vida, sem metáfora alguma, que leva os filhos antes dos pais, de que é exemplo o que ocorreu ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele tinha 85 anos quando enterrou sua única filha, a também escritora Maria Julieta Drummond de Andrade, que morrera de câncer no dia 5 de agosto de 1987. Doze dias depois, morria o pai também.

Lidando com o inexplicável

Mas, se quando é enfermidade – como foi o caso de Julieta, morta aos 59 anos, que traz a "indesejada das gentes", como definiu a morte o poeta Manuel Bandeira – já é duro de suportar, os sentimentos se desarrumam ainda mais quando desaba a tragédia.
Que Dostoievski brasileiro vai narrar o sofrimento da gente querida daqueles mortos anônimos que aparecem assim na vala comum da página de obituários do jornal O Globo: "O Rio registra em média 17 assassinatos por dia. Informações sobre homicídios podem ser enviadas para o e-mail caradamorte@oglobo.com.br"?

Todavia, o tsunami que nos arrasta a todos dá-se quando são os próprios familiares que se matam uns aos outros. Foi assim quando Suzane Richthofen matou os pais. E quando são os pais que matam seus filhos indefesos, irrompe em cada um de nós um sentimento indefinível. Recorremos a interpretações de todos os ângulos e mirantes, especialistas esmeram-se em explicar-nos o que houve, mas sabemos que estamos lidando com o inexplicável.

Outras tragédias virão

A mídia agora bombardeia o Brasil e o mundo com essa tragédia, desta vez com um adicional de crueldade: a menina Isabella Oliveira Nardoni, de apenas cinco anos, gritou por socorro quando foi agredida e assassinada dentro do próprio quarto onde dormia. Suspeitos, os pais foram presos. E estão soltos, graças ao trabalho de seus advogados.

"Segundo os advogados, o casal não tem antecedentes criminais, tem endereço fixo e não atrapalha as investigações", resumiu a Folha de S.Paulo. Tiveram, pois, direito a habeas corpus.

Tenha as tintas que tiver o esclarecimento, ouvintes, telespectadores e leitores querem uma explicação. A mídia, como sempre, limita-se a pouco mais do que fazer ressoar as trombetas da polícia e dos acusadores.

O público e a mídia não podem julgar, condenar ou absolver. Não têm este direito. E aquele direito que ouvintes, telespectadores, internautas e leitores têm, este não está sendo atendido: o de ser informado e entender o que se passou. E sabemos por quê: estão faltando boas reportagens, aquelas que só podem ser feitas com muitas pesquisas e investigações. Isso só pode ser feito por verdadeiros jornalistas. E eles precisam de requisitos indispensáveis. E trabalham contra o tempo. Daqui a pouco, como sabemos, outras tragédias virão, dentro ou fora das famílias, e o distinto público saberá delas, por norma, aquilo que delegados e policiais informarem às redações, que as repassarão como coisas suas, às vezes ipsis verbis ou ipsis litteris.

O "problema" e a "solução"

Cadê as reportagens sobre o caso? Os jornalistas não podem ser papagaios que repetem delegados e policiais, constituindo-se em megafones para os acusadores. A grande paixão do público deve ser a do conhecimento, a do entendimento, a de obter respostas para as perguntas clássicas de qualquer narrativa: quem fez o que, como, por que, para que etc.

É verdade que às vezes os jornalistas esbarram no lado escuro da natureza humana, terreno cujo entendimento não é inacessível apenas a eles, é inacessível a todos nós, como foi a Jó. Neste caso, só nos resta reler grandes obras (não os cachorros-quentes servidos na lista dos mais vendidos, especialistas em tudo banalizar) como Os Irmãos Karamazov, pois neste romance emblemático os três filhos que matam o pai explicam, cada um a seu modo, as "razões" de seu ato.

Nenhum leitor fica indiferente em face das palavras de Ivan, o autor intelectual do crime que, depois de atirar uma xícara de chá no Diabo (Lutero atirou um tinteiro no Demônio, lembremos!), revela-nos a sua angústia, o seu desespero, as profundezas de onde partiu o esquema que convenceu os irmãos Smierdiakok e Dimitri a aceitar aquela "solução" para o "problema".

Qual terá sido o "problema" para cuja "solução" a menina Isabella Oliveira Nardoni foi assassinada de modo tão cruel?

Fonte: Observatório da Imprensa

Posted by Picasa

2 comentários:

Matheus Gondim disse...

Seus questionamentos me lembram de imediato uma cena do filme "O Perfume" onde o pai da donzela assassinada (a última donzela de todas, a que proporcionou a ...,a última doze de "essência" para a confecção do seu perfume) questiona cara a cara com o assassino-artista em busca dos porquês e da "razão" dele ter retirado a vida de sua filha. O interessante é que o filme se passa na época do Iluminismo - séc XVIII - onde o culto a razão vivia seu apogeu e todas coisas deveriam ser iluminadas por ela.
Aí é que está o ponto frágil. Mesmo após as incursões e "tabefes" de Nietzsche e Pascal, sabemos que a razão ainda vive e goza de privilégios nos dias atuais, mesmo que caolha e puxando de uma perna.

Matheus Gondim disse...

Por isso nos perguntamos sobre a "razão". Ocorre que a razão não consegue e não pode ser onipresente. E numa situação como a de Isabella é que não há razão mesmo, algo que possa,
por exemplo, ser explicado como 1+1=2 a posteriori, como a polícia afirma. Não se trata de saber
se foram os pais ou não, Isabella perdeu a vida sem razão. O que eu particularmente espero é, apartir deste triste acontecimento, pelo menos se inicie uma discussão sobre a violência infantil, contudo uma discussão que, como você mesmo disse,envolva a literatura, a sociologia, a politica, a psicologia, a arte, a medicina e a filosofia.