Nota do blog: A tabela acima, publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2007, desmonta o editorial do jornal O Globo (aqui postado). O que tem deixado os militantes da luta por uma sociedade sem manicômios "com a pulga atrás da orelha" são as razões que levam o jornal da família Marinho a insistir em distorcer, reiterada e levianamente, as informações. Informações - diga-se de passagem - que têm como fonte a Associação Brasileira de Psiquiatria. Saudades do Marcos Toledo de Ferraz. Sob sua presidência a ABP escreveu belas páginas em defesa da reforma psiquiátrica. Estamos de olho!
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194 Cartas aos Editores
A redução de leitos não significou redução do financiamento para a saúde mental no Brasil
Sr. Editor,
Em relação ao artigo “É a reforma psiquiátrica uma estratégia para reduzir o orçamento da saúde mental? O caso do Brasil”,1 a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde tem duas considerações a fazer. Primeiro: os gastos totais, ao ano, do Ministério da Saúde (MS) com saúde mental aumentaram, em números absolutos, no período entre 1995-2006 (às custas do grande investimento nos equipamentos e projetos extra-hospitalares). Segundo: ao contrário do que informa o artigo, a proporção entre os gastos com saúde mental (GSM) e os gastos totais do MS (GTS) não caiu de 5,8% para 2,3% nos últimos 10 anos, mas manteve-se praticamente estável neste período.
Quanto ao primeiro ponto, não existem grandes divergências. Os autores do artigo reconhecem o incremento regular e sistemático dos recursos neste período. O segundo ponto, no entanto, merece comentários. No artigo, afirma-se que, de 1995 a 2006, houve redução da proporção gastos em saúde mental/gastos totais da saúde (GSM/GTS), de 5,8% para 2,3%. Os dados da Coordenação de Acompanhamento e Avaliação (CAA/Secretaria Executiva/MS)2 não autorizam esta conclusão.
Em especial: os dados referentes às despesas totais do MS para o ano de 1995, informados pelos autores, são atípicos e radicalmente discrepantes em relação aos dados de orçamento anual do SUS disponíveis (ver Tabela 1) e às séries históricas de diferentes bases de dados.
A despesa geral do MS no ano de 1995, segundo os autores, teria sido de 6,5 bilhões de reais, contra cerca de 15 bilhões segundo a fonte CAA/MS (mais que o dobro do registrado pelos autores). Assim, a proporção GSM/GTS no ano de 1995 não representa 5,8%, como afirma o artigo, mas 2,5% dos gastos naquele ano, metade do que foi afirmado. Mesmo a baixa consistência das bases de dados agregados sobre financiamento de políticas sociais no Brasil não explica discrepância tão acentuada. Note-se também que os dados compilados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – AIMS Report on Mental Health System in Brazil 2006. WHO/Ministry of Health: São Paulo, 2007, no prelo – não autorizam conclusão semelhante.
Os gastos federais absolutos em saúde mental (e saúde em geral) vêm crescendo consistentemente ao longo dos últimos dez anos, e a proporção GSM/GTS vem se mantendo praticamente estável (em torno de 2% e 2,5%). Todos estamos de acordo que é necessária uma melhora significativa desta proporção (a OMS recomenda uma taxa de 5%, desempenho este que só se observa em alguns dos países europeus3 ), mas não existem dados para indicar que ela sofreu redução. Se o Brasil ostentasse de fato 5,8% do orçamento da saúde destinados à saúde mental, estaríamos melhor, em 1995, que a maioria dos países europeus herdeiros da época de ouro do Welfare State!4 O que houve foi um aumento regular em termos absolutos e um redirecionamento dos recursos para o sistema extra-hospitalar (em 1995, mais de 90% dos recursos SUS em saúde mental financiavam o sistema hospitalar).
Ocorreu, sim, redução proporcional dos gastos hospitalares que, pela primeira vez, em 2006, ficaram menores que os extra-hospitalares (48,7% contra 51,3%),5 caracterizando a desejável mudança do modelo assistencial psiquiátrico público do Brasil. Esta nos parece a questão real do debate sobre o financiamento da saúde mental no SUS: como sustentar a mudança de modelo, que exigirá sempre novos investimentos. O futuro, não o passado.
Pedro Gabriel Delgado
Professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Brasil
Renata Weber
Universidade de Brasília (UnB), Brasília (DF), Brasil
Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Brasil
Referências
1. Andreoli SB, Almeida-Filho N, Martin D, Mateus MD, Mari Jde J. É a reforma psiquiátrica uma estratégia para reduzir o orçamento da saúde mental? O caso do Brasil. Rev Bras Psiquiatr. 2007:29(1):43-6.
2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenadoria de Acompanhamento e Avaliação. Orçamento Anual Executado - Ministério da Saúde. Brasília; 2006.
3. World Health Organization. Mental Health Atlas 2005, Section I. Geneve; 2005. p. 47-50.
4. Esping-Andersen G. Towards the good society, once again? In: Sping-Andersen G, org. Why we need a new welfare state? Oxford: Oxford Press; 2002. p. 1-25.
5. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde/DAPE. Saúde Mental no SUS: acesso ao tratamento e mudança do modelo de atenção. Relatório de Gestão 2003-2006. Ministério da Saúde: Brasília; Janeiro de 2007, 85 p.
Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(2):188-99
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