agosto 30, 2009

Romance das manhãs de domingo

Aniversário de 60 anos do poeta
Eugênia Turenko e Aníbal Beça
Foto: Rogelio Casado - Manaus-AM, setembro de 2006

Longe vão os "sabaníbal"

Com eles Aníbal se foi
Juntos, um pouco de cada um de nós

Nunca mais sábados
Nem domingos,
Segundas...

Aníbal sempre


Romance das manhãs de domingo

Aníbal Beça

As manhãs da minha infância
chegavam sempre serenas
levadas de claridade
roçando as manhãs do sol
nos meus olhos de menino

E só viam o que viam
porque só queriam ver
o que no olhar revelava
novidade e descoberta
para os meus olhos de festa

Porque de festa se faz
toda manhã temporã
das cidades acanhadas
perdidas em suas sestas
como a Manaus dessa época

Manhãs que se enbandeiravam
no descanso colorido
dos andaimes de domingos
construindo em algazarra
os sons nos pés dos moleques
com seus folguedos alegres:
coquinhos de tucumã
no futebol de botão
Pelada para os mais hábeis
carrinhos de rolimã
papagaios de papel
língua do pê cangapé
macaca e barra bandeira
pedrinhas e manjalé

Fora outros passatempos
(em que nós todos torcíamos
para que nunca passassem)
partilhados em segredo
com meninas assanhadas
bem mais do que curiosas
unidas num só desejo
de pulsão interior:
sussurros umedecendo
os mistérios revelados
(que não eram os gozosos
das ladainhas das missas)
nos arrepios dos pêlos
(ainda ralas penugens)
na pressa dos batimentos
dos corações pequeninos

Sla na saliva furtiva
no toque breve dos lábios
língua lúdica e cândida
de leve inocência lúbrica
na respiração molhada

Ciclo regido nas águas
cheiros agreste de alfazema
no talhe corpos franzinos
adocicando a paisage:
de surpresa e descoberta:
corpos deitados nas tábuas
dos escondidos porões
fugindo aos olhos contrários
de tias e avós zelosas
anjos com suas verdades
(que nunca eram as nossas)
de labareda e pecado

Querendo aplacar a febre
da nossa chuva de fogo
neblina de suor úmido
de chuva fina na pele
lavando instintos ocultos

E tudo era muito simples
como as coisas das crianças

Nada para complicar
a nossa fala em silêncio
Fala de olhos espertos
na parceria de cúmplices
quebrada só pela voz
da menina impaciente
sempre mais experiente:
_ Põe o teu dentro do meu
não diga nada a ninguém

Tudo ficava serenos
nos meus olhos de menino

Depois as águas do banho
gelavam nossos desejos
e o cheiro do peixe frito
era o sinal para o almoço
E todos sentavam à mesa
com olhos apreensivos
os ouvidos afinados
à espera de algum resmungo
ou de um olhar mais severo
da autoridade paterna
cofiando seu bigode
afiando os mesmos ralhos
cobrando as nossas posturas
de toda semana inteira
como se aquele domingo
fosse o dia do juízo

Mas em minha cabecinha
uma lembrança aflorava:
_ Põe o teu dentro do meu
e não diga nada a ninguém

Tudo ficava sereno
nos meus olhos de menino
Posted by Picasa

Nenhum comentário: