Foto: Rogelio Casado
Terra Nova - Careiro da Várzea - Manaus - Amazonas - Brasil
Nota do blog: Na manhã de ontem, 27, na última das duas audiências públicas programadas para discutir o relatório de impacto ambiental da construção de um porto na região das Lajes, chegamos à comunidade São Francisco, em Terra Nova, município de Careiro da Várzea, passando pouco das nove da manhã. Estava acompanhado de Alvino Lemos, meu companheiro de trabalho, e mais três assessores do gabinete do deputado Luiz Castro, presidente da Comissão de Meio Ambiente. Na beira da CEASA, conseguimos nos livrar de um frete de 150 reais pela travessia, graças a uma carona numa voadeira do Sindicato dos Pescadores do Amazonas, para a qual contribuímos solidariamente com o rateio de 50 reais. Os companheiros do movimento SOS Encontro das Águas, residentes no bairro Antônio Aleixo, rumaram num barco de pesca para o lugar do evento por volta das oito da manhã.
Ao chegar fomos surpreendidos pelos painéis e faixas da empresa Login Logística S/A espalhados estrategicamente, bem como mais de uma dezena de pessoas com camisetas doadas pela construtora. A sede social do lugarejo estava apinhada. A grande maioria dos presentes não usava a camisa-propaganda do “Porto das Lajes”. Na subida para o barraco, um comunitário me informou que uma liminar do promotor Adalberto Carin Antonio, juiz da Vara Especial do Meio Ambiente e Questões Agrárias suspendera a audiência. Por que então um orador discursava?
Usava da palavra um líder dos pescadores do Careiro da Várzea. O orador despertou pouca simpatia com seu longo discurso. Mais ainda, quando ressaltou seu apoio à iniciativa de construção do Porto das Lajes, os corpos começaram a se inquietar. O pescador tentava argumentar, de modo nada convincente, de que o empreendimento não iria afetar a margem onde está situada a comunidade de São Francisco. Ao contrário, traria inestimáveis benefícios. O falante pescador apelou, então, ao deputado Falcão, liderança da classe dos pescadores presente ao evento, para sair em defesa da construção do porto.
O deputado não se fez de rogado. Invocou sua condição de filho de Terra Nova, relembrou os benefícios que como parlamentar teria levado ao alto Solimões (energia, fábrica de gelo), condenou as ONGs que não respeitam os caboclos da região, criticou os que se vendiam por uma camiseta pintada (alusão à uma única camiseta confeccionada por uma comunitária, enquanto a empresa Login Logística S/A distribuiu camisetas fartamente) e avocou para si a responsabilidade de ter dotado o município do Careiro da Várzea de recursos financeiros até então nunca vistos (seria contestado pelo Secretário de Cultura do Careiro da Várzea).
Resolvi interpelar, argumentando que se a audiência fora suspensa e se a “reunião” se mantinha a título de “esclarecimentos” – o que, cá pra nós se constituía numa manobra para construir um clima de simpatia ao projeto portuário –, por que não dar a palavra aos que se opunham à construção do porto, garantindo-lhes o direito democrático de manifestação.
A empresa manteve-se irredutível à continuidade da reunião, permitindo apenas perguntas e dúvidas a serem respondidas. Ato contínuo, pergunto qual a resposta para as 60 perguntas que o EIA-RIMA deixou de responder ao IPAAM. Flagrada em contradição, mais uma vez optaram por negar essa evidência que tanto chamou atenção das autoridades judiciais. A essa altura não era mais possível segurar a onda de descontentamento entre os presentes, que não engoliram a história de que as respostas foram ditas na audiência anterior – aquela suspensa pelo MP, cujo desrespeito gerou a liminar que suspendia a presente audiência, e que o coletivo SOS Encontro das Águas decidiu pelo não comparecimento.
Pior foi a tentativa de desqualificar os autores dos pareceres contrários. Refiro-me aos que foram feitos pelo Ministério Público Estadual e pela Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa. Tentaram uma manobra desesperada: intimidar com números. Supostos 25 cientistas teriam colaborado e/ou apoiado o projeto. Não pouparam sequer o eminente pesquisador Dr. Ênio Candotti, presidente de honra da SBPC, que deu um belo testemunho de amor à ciência e à vida ao oferecer na reunião ocorrida em Manaus, em julho deste ano, na Universidade Federal do Amazonas, um stand temático, tendo o Encontro das Águas como objeto de trabalho científico. Organizador do Museu Amazônico – MUSA, Candotti revelou o significado daquele santuário ecológico e sua importância para a fauna ictiológica. Por ele soubemos onde desovam os jaraquis, principal refeição dos amazonenses. A empresa Login Logística S/A incorre em dois erros graves pelas palavras de um dos seus “cientistas”: “O Candotti é um físico!”. Ora, acaso o físico catou essa informação no lixo, ou estava a repercutir o conhecimento dos seus pares? Vamos aos dois erros: o desrespeito ao conhecimento multidisciplinar e ao conhecimento popular e tradicional. É dose pra levantar defunto!
O companheiro “cientista” que tentou me enquadrar numa suposta atitude anti-ética por ter liderado o esvaziamento de uma reunião que agredia princípios democráticos, fica minha inabalável decisão de agir politicamente sempre em defesa dos interesses coletivos quando eles estiverem sob ameaça. De maneira autônoma e independente. Tenho dito!
Mais um esclarecimento se faz necessário: oito pontos estão sendo estudados para a construção de um porto privado, mas a empresa Login Logística S/A não abre mão da região das Lajes. É impossível que não haja outro lugar para abrigar um porto. E não cabe ao movimento SOS Encontro das Águas indicar um lugar para construção de um porto. Era só o que faltava! O dinheiro gasto com a tentativa de impedir a vitória do companheiro Isaque Dantas, assistente social, para a presidência da Associação do Bairro, bem que poderia ter sido usado para novos estudos de áreas adequadas para a construção de um porto.
Uma palavrinha final: meus cumprimentos ao jornal A Crítica, um dos poucos veículos de comunicação que tem dado espaço para os opositores do projeto de construção do malfadado porto, projeto que desrespeita a cultura amazonense. Humberto Calderado, se vivo fosse, certamente estaria liderando a resistência a tão desastrada iniciativa.
Advertência: Companheira Elisa Wandelli, se você estiver lendo essas mal-batucadas peço urgentes providências para que seu anti-vírus seja atualizado. Todos os seus e-mails estão sendo deletados pelo meu anti-vírus: eles estão infectados por vírus, daqueles brabos. Há tempos não consigo lê-los. A luta continua.
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