janeiro 21, 2010

Poesia e loucura


COISA DE LOUCO ...

Sem pai nem patrão,
acreditamos no auto-governo.

Fomos sendo lentamente calados,
pelo desprezo silencioso,
dos donos do mundo.
Dos que tem medo da diferença,
ao invés de reconhecer nela,
uma oportunidade de um outro olhar,
sobre os velhos problemas.

Não sabemos bem quem somos,
nem nosso potencial,
nem nossa força.
Mas não temos a inocência das crianças.
Temos sim, a graça de quem já perdeu tudo muitas vezes,
inclusive a identidade.
Por isso já não quebramos.

Nossos pesos e medidas são outros.
Nosso tempo corre fragmentado,
sem ontem ou amanhã distantes.

Nossa família está solta pelo mundo,
a gente se reconhece no olhar.
Alguns nos chamam loucos.
Entre nós, não temos nome.
Não acreditamos mais em palavras.
Nem nessas.

Gostaríamos que nos deixassem em paz.
Gostaríamos que parassem de complicar o que é simples.
Gostaríamos de mais cachoeira e menos estradas.
Mais risada e menos antena.
Mais banho de mar e menos imposto.
Tecnologia para os homens e os animais,
principalmente os colibris.

Se para sermos reconhecidos,
tivermos que perder nossa liberdade, autenticidade,
preferimos permanecer incompreendidos.
Muitos dos nossos nunca souberam seu valor.
E se pudessem ter optado, decerto escolheriam
um sorriso satisfeito a uma conta bancária.

Nilo (esse texto é de 2003 ou 2004)

***

Sonho de um homem ridículo

Eu sou um homem ridículo. No momento dizem que estou louco. Seria um título excelente, se para eles eu não permanecesse nada mais que ridículo. Mas de agora em diante não me zango mais; todo mundo é muito gentil comigo, mesmo quando caçoa de mim, e, dir-se-ia, mais gentil ainda naquele momento. Eu riria de bom grado com eles, não tanto de mim mesmo, quanto para lhes ser agradável, se não sentisse tal tristeza ao contemplá-los. Tristeza de ver que não conhecem a verdade, esta verdade só eu conheço. Como é duro ser o único a conhecê-la! Porém, eles não compreenderão. Não, não compreenderão.

Nilo


***

Dostoievski


dois loucos no bairro

um passa os dias chutando postes
para ver se acendem
o outro as noites apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

Paulo Leminski


***

Mensagem a uma familiar

Só pra tentar pensar nas palavras e significado delas.

Que tal recuperação, ao invés de cura?

Que tal vida equilibrada, ao invés de vida normal?

Que tal experiência subjetiva radical, ao invés de surto?

Que tal atenção psicosocial, ao invés de saúde mental?

Que tal portador de trasntorno mental, cliente, sobrevivente, usuário
de serviço de atenção psicosocial, ao invés de paciente ou doente
mental?

Que tal esperança ao invés de culpa?

Que tal informação ao invés de preconceito?

Que tal amor ao invés de medo?

Dizem que só se conhece duas maneiras de perder a identidade, o
chamado ego. Loucura e morte.
O medo de ambas é compreensível.
Mas ambas fazem parte da da vida.
É muito legal ter familiares aqui conosco.
Que tal nos contar alguma coisa sobre o teu irmão que te faça ter
orgulho dele?
A minha mãe adora assitir a Hebe e ler a revista Cláudia. Nem por
isso eu deixei de amá-la. Além disso, ela faz uma tainha recheada que
é de fechar o comércio.

Nilo Neto


***

Palavras de uma Mãe.

Filha querida, me conta como posso combater
O bombardeio de sons e cenas, pensamentos e memórias
Que invadem tua mente nessas horas de loucura?
Me conta como posso te trazer de volta,
A um mundo que nem a mim agrada, mas que é real?
Me conta meu amor, como posso, de que jeito, de que forma
Diminuir a tua dor? Os teus tormentos? A tua angústia?
Esse insano sofrimento de quem vê o que não é
De quem ouve o que só tu escutas
De quem sente o que só tu sentes.
Me perdoa minha filha,
se não entendo teus sinais,
Através de tua fúria ou apatia,
De teu silêncio ou teu berro,
Do teu olhar perdido e triste.
De teu corpo inerte a me pedir ajuda.
Essa doença maldita chegou em nossas vidas
Sem aviso e sem preparo.
Sem a nossa autorização.
Não bateu à porta.
Não pediu licença.
Entrou e se alojou com um sorriso infame
E disse: “Cheguei! Agora é com vocês”.
Sei que estamos aprendendo juntas.
Você, da forma mais sofrida e angustiante possível.
E eu por perceber que nem mesmo o meu AMOR
É capaz de arrancar de mim esse gosto de impotência
Perante ao sofrimento do ser que mais amo na vida....VOCÊ.
(Tânia Lacerda)

Nota do blog: Saiba mais sobre Nilo Neto. Acesse http://niloneto.blogspot.com

Um comentário:

sheila disse...

adorei os textos que lí, principalmente o de mãe pra filha, me tocou muito...beijos