junho 07, 2010

Denúncia de manipulação da Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro

Arcos da Lapa - Rio de Janeiro

Nota do blog: Leia o e-mail abaixo do psiquiatra Fernando Ramos sobre o papel da CESM-RJ num dos maiores imbróglios que antecede a IV Conferência Nacional de Saúde Mental, a ser realizada neste mes de junho em Brasília. Trata-se de um golpe da comissão organizadora, formada prioritariamente por representantes do CES, com anuência da SES e Defesa Civil do RJ. O golpe tem por objetivo esvaziar o debate político em torno da construção de diretrizes para a reforma psiquiátrica e a política de saúde mental no estado do Rio de Janeiro.

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Estamos a menos de uma semana da realização da IV-CESM-I do Rio de Janeiro e vivemos um completo caos. Não há, até o momento, nenhum regimento publicizado. Não sabemos, sequer, o horário de início da Conferência na próxima sexta-feira. Sabemos apenas que se trata de uma Conferência claramente manipulada e que fere escandalosamente qualquer princípio democrático. Entre outros abusos, está claramente manifesta a intenção de calar a voz do município do Rio de Janeiro, ao se restringir, de forma absolutamente ilegítima, o número de delegados que representarão esta cidade, tanto na etapa estadual quanto na municipal. Em termos de população, o Município do Rio de Janeiro representa praticamente 40% da população do Estado, no entanto, recebemos menos do que 17% dos delegados para a etapa estadual e menos de 19% para a nacional – e isso depois de difíceis negociações, pois o que se propunha, até poucos dias atrás, era que o Rio ficasse com 12% dos delegados (8 delegados ao todo). No entanto, a macrorregião formada pelo norte e noroeste fluminense, por exemplo, que somam apenas 7% da população, ficou com 18% dos delegados. Francamente, não há critério de equidade que justifique essa distribuição tão desigualmente distorcida!

A última notícia que acabamos de receber, informando que apenas os delegados usuários terão direito à estadia durante a Conferência, fornece o fecho de abóbada dessa estratégia manipulatória posta em prática pela CO da IV-CESM-I do Rio de Janeiro. 

Vejamos quais são esses mecanismos casuísticos e manipulatórios, e quais suas possíveis – ou prováveis – finalidades políticas:

1. Mecanismo: Eleição no primeiro dia para os delegados nacionais.

- Possível Finalidade: Esvaziar o restante da Conferência e garantir que os delegados já escolhidos nas etapas regionais sejam meramente referendados.

- Comentário: A primeira tentativa era a de que sequer houvesse eleição para delegados nacionais na CESM, pois estes já viriam eleitos das etapas regionais.

2. Mecanismo: Redução absurda dos delegados do município do Rio de Janeiro, tanto para a etapa estadual quanto para a nacional, e hipertrofia, também absurda, dos delegados provindos de regiões de baixa densidade populacional.

- Possível Finalidade: Dar maior voz aos municípios de pequeno porte, os quais são também os mais facilmente cooptáveis pelos interesses políticos locais.

- Comentário: É fato sabido que a capital tem posições mais progressistas em relação à política de saúde mental do que o interior do Estado.

3. Mecanismo: Exigência de que as Conferências Regionais enviassem relatórios bastante resumidos das propostas apresentadas e redução extrema do tempo para discussão das propostas nos GTs.

- Possível Finalidade: Criar um viés nas propostas apresentadas, dificultando a crítica destas e impedindo a inclusão de novas propostas.

- Comentário: É o conteúdo de propostas o componente essencial de uma Conferência de Saúde, portanto, o controle das propostas é fundamental para quem se propõe a manipular o resultado final.

4. Mecanismo: Garantia de hospedagem apenas para o segmento de usuários.

- Possível Finalidade: Favorecer a presença do segmento de usuários, que é o mais vulnerável às forças de cooptação política, dificultando, por outro lado, a presença dos gestores e profissionais, que costumam oferecer maior resistência ao processo de cooptação.

- Comentário: Esse é o golpe mais baixo de todos, pois, sob a justificativa “democrática” de se proteger o segmento mais fragilizado (os usuários), o que se realiza, de fato, é o supra-sumo da manipulação política populista. Assim, ao invés de a CESM se revelar o ápice da democracia, ela se mostra como o cúmulo da mais desprezível demagogia.

5. Mecanismo: Criar confusão, incerteza e cisão, ou seja: dividir e confundir para governar.

- Possível Finalidade: Dificultar e desviar a capacidade de organização das forças políticas progressistas.

- Comentário: É essa, definitivamente, a “casca de banana” que devemos evitar pisar e escorregar!

Diante da cínica “lavagem de mãos” da SESDEC e da manipulação da CO da IV-CESM-I dominada pelo populismo demagógico CES, resta-nos apenas resistir e garantir que a Conferência Estadual se realize, custe o que custar!  Considerando a importância histórica e política do Rio de Janeiro na construção da atual política nacional de saúde mental, seria um desastre e um grave retrocesso a não realização dessa CESM. Lutaremos, mesmo contra uma grave adversidade, para que esta Conferência represente, de fato, os interesses democráticos dos cidadãos do Estado do Rio de Janeiro. Caso isso não ocorra, faremos a denúncia circunstanciada na plenária da IV-CNSM-I. A não realização da CESM do Rio de Janeiro só beneficiaria as forças políticas reacionárias.

Conclamo a todos que retirem os seus martelos nitzscheanos das gavetas e que, tal como Che-Zaratustra, enfrentemos a marretadas – pero sin perder la ternura jamás - o “caos [diante de nós] para dar à luz uma estrela dançarina”.

Saudações democráticas,
Fernando Ramos

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