janeiro 28, 2011

Crítica de cinema: "Tio Boonmee, Apichatpong Weerasathakul, 2010", por Bruno Cava

PICICA: "Na iminência da morte, a máquina do mundo se entreabre. Nessa fissura se instala a narrativa. Mina das incertezas da escuridão, do mito, do indizível. Não se esperem dicotomias. Transcorre na dimensão fronteiriça entre passado e presente, entre sombra e luz, animal e humano, fantasma e vivente, história e natureza, civilização e floresta. Não há explicação racional: em cada cena pode precipitar-se o maravilhoso."
julumaga | 22 de dezembro de 2010 | 
Trailer subtitulado al español de "El tio Boonmee recuerda sus vidas pasadas" la triunfadora del festival de cine de Cannes de este año. Ya estrenada en 2010

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26 de janeiro de 2011


Tio Boonmee, Apichatpong Weerasathakul, 2010.


Crítica: Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Loong Boonmee raleuk chat), Apichatpong Weerasathakul, Tailândia, 2010, cor, 114 min.


Tio Boonmee está morrendo. Na iminência da morte, a máquina do mundo se entreabre. Nessa fissura se instala a narrativa. Mina das incertezas da escuridão, do mito, do indizível. Não se esperem dicotomias. Transcorre na dimensão fronteiriça entre passado e presente, entre sombra e luz, animal e humano, fantasma e vivente, história e natureza, civilização e floresta. Não há explicação racional: em cada cena pode precipitar-se o maravilhoso. O tempo que resta para Boonmee se desdobra de modo intensivo, em direção ao clímax.

Filme de limiar, acontece na dimensão do entre-mundos. A câmera atravessa-a e apreende a sua instabilidade constitutiva.  Não perde de vista a virtualidade. A coisa é isto, mas também aquilo, todas iguais na insubstância. Os mortos têm e não têm matéria física. Os jovens são playboys tirando fotos e assassinos com fuzis. A princesa é sensual e repulsiva. O bagre é peixe e divindade. Menos questão de ponto de vista do que de inconsistência "essencial". Um peixe nunca é só um peixe. Uma pessoa jamais é só um indivíduo --- mas um híbrido misterioso que precisa da noite para enxergar a luz.

As criaturas conduzem Boonmee ao final. Preparado, conclui a travessia entre o ser e a memória. Cambaleia ao clímax narrativo, filmado com câmera na mão, na trepidação máxima do mundo. Aí não se está no fantástico, mas no maravilhoso. Tudo é santo.

A noite passa, os fantasmas desaparecem, Boonmee faleceu. Liquefez-se sua vida, que agora escorre sobre a pedra pré-histórica. A manhã anuncia uma nova luz e inunda de recomeço a cripta do homem. Outra vez, a máquina do mundo se recompõe. Os que permanecem vivos voltam à normalidade. Retornam a iluminação de shopping, a linearidade do tempo extensivo, a estabilidade das coisas, dos personagens e de suas relações cotidianas. E, com tudo isso, a banalidade, a contagem do dinheiro, o kitsch de certo cinemão, a passividade da TV. A fenda maravilhosa se fechou. A vida continua e é preciso resistir.

Fonte: Quadrado dos Loucos

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