PICICA: "Pensando então que barbárie pode ser entendida como a desumanização do outro, podemos concluir que boa parte das atitudes jornalísticas da grande mídia sempre foi pautada pela característica central da barbárie: deslegitimação de adversários políticos, criminalização de movimentos sociais, desumanização da pobreza e dos “criminosos”, eis alguns dos vários exemplos da incapacidade de muitos meios de comunicação de respeitar as diferenças e as visões de mundo contrárias aos seus interesses."
Jornalismo, blogs e redes sociais: entre a civilização e a barbárie
18 janeiro 2011
O artigo a seguir é uma colaboração especial de Icaro Bittencourt*
A recusa de considerar-se visões de mundo diferentes da nossa separa-nos da universalidade humana e mantém-nos mais perto do pólo da barbárie (Tzvetan Todorov)
Em seu livro O medo dos bárbaros, o pensador búlgaro Tzvetan Todorov atualiza os já tão desgastados conceitos de civilização e barbárie, trazendo uma definição muito útil destes termos para pensarmos o mundo contemporâneo.
O autor distancia-se das noções de civilização e barbárie que ficaram conhecidas principalmente com a experiência do neocolonialismo ou com a vertente da antropologia relacionada ao multiculturalismo. Tentando estabelecer critérios transculturais na definição dos dois conceitos, Todorov defende que a barbárie acontece quando negamos a plena humanidade do outro e a civilização, em um movimento contrário, aprimora-se quando reconhecemos a plena humanidade em pessoas diferentes de nós. No entanto, nenhuma cultura (ou indivíduo) seria absolutamente bárbara ou definitivamente civilizada, já que estes dois pólos seriam possíveis em qualquer ação humana, constitutivos de nossa humanidade.
Pensando então que barbárie pode ser entendida como a desumanização do outro, podemos concluir que boa parte das atitudes jornalísticas da grande mídia sempre foi pautada pela característica central da barbárie: deslegitimação de adversários políticos, criminalização de movimentos sociais, desumanização da pobreza e dos “criminosos”, eis alguns dos vários exemplos da incapacidade de muitos meios de comunicação de respeitar as diferenças e as visões de mundo contrárias aos seus interesses.
Porém, o que quero problematizar aqui (apesar das limitações de um texto desta natureza) é a potencialidade que as mudanças provocadas pelos blogs e redes sociais na prática do jornalismo têm para amenizar essa “desumanização do outro” que impregna a mídia tradicional.
Muitos devem concordar que a expansão da internet e de suas ferramentas possibilitou certa “democratização” na produção, na circulação e no acesso às informações, causando diversas fissuras no monopólio informacional construído pela grande mídia. Debates que há poucos anos atrás raramente aconteceriam proliferam-se no Twitter; textos críticos e denúncias que antes poderiam ser censurados ou terem sua circulação muito limitada espalharam-se pelos blogs e espaços virtuais alternativos. Assim, as novas tecnologias de comunicação seriam responsáveis por redimensionar o papel da informação no mundo contemporâneo, sendo esta considerada por alguns intelectuais, como Manuel Castells, o elemento central de uma nova era da humanidade.
Contudo, para outros especialistas, como Andrew Keen, estas novas tecnologias poderiam fomentar um “fim da cultura”, já que a disseminação da informação poderia ser controlada em boa parte por amadores e não por especialistas em determinados assuntos. Nesse caso, os jornalistas poderiam ser prejudicados pelos diletantes e amadores que povoam o meio virtual.
Distanciando-me das duas interpretações anteriores (uma otimista e outra pessimista) sobre as novas tecnologias de informação, proponho que devemos analisá-las como apenas um meio de tornar a comunicação mais democrática e de respeitar as diversas culturas e visões de mundo e não um fim em si mesmo, ou seja, só a utilização da tecnologia não garante a humanização do debate e o fortalecimento de um jornalismo democrático.
Esse argumento vai ao encontro da distinção feita por Tzvetan Todorov entre avanço tecnológico e civilização, pois uma técnica e/ou uma ferramenta podem ser utilizadas para uma ação vinculada tanto à boa convivência entre os seres humanos quanto à barbárie.
Deste modo, essa pequena reflexão esboçada neste texto pode servir para pensarmos se os jornalistas e demais indivíduos, grupos sociais, partidos políticos, entre outros, não estão (em boa parte) apenas reproduzindo nas novas ferramentas de comunicação os mesmos preconceitos, intolerâncias e práticas de desumanização da diferença que sempre marcaram a maioria dos meios de comunicação não virtuais. Será que os blogs e as redes sociais contribuem para o fortalecimento da civilização, entendida como o reconhecimento da plena humanidade no outro (e na sua cultura e visão de mundo diferente)? Penso que o debate sobre essa questão não deve ser adiado, pois a confusão entre tecnologia e “progresso” (seja no jornalismo em particular ou na sociedade como um todo) ainda reúne um grande contingente de iludidos.
*Icaro é graduado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Mestrando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fonte: Jornalismo B
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