PICICA: O jornalista Lúcio Flávio Pinto volta a criticar a expressão PIG (Partido da Imprensa Golpista), criada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, e usada à farta pelos blogueiros "progressistas". Penso que os argumentos do jornalista paraense padece do mesmo mal com que acusa os outros: reducionismo. Pessoalmente, acredito que os "progressistas" perderam a oportunidade de declarar sua independência se tivessem ousado comunicar ao fim das eleições de 2010: "Aqui se desfaz a cadeia de blogueiros que não tiveram outra saída do que nomear-se "progressistas" para fazer frente à mídia reacionária brasileira, que tentou - aberta e descaradamente - agir como se fosse um partido político. Superada as forças retrógradas que se uniram contra a candidata "progressista" Dilma Rousseff, voltamos a exercer nosso papel crítico, seja no campo da análise do discurso da mídia, mas sobretudo na execução das políticas públicas com que o novo governo se comprometeu". Como disse, é o que teria feito se fosse um blogueiro progressista. Continuo independente, dialogando, inclusive, com os ditos progressitas. Os comentários do PICICA, sobre o artigo do mais valente dos jornalistas paraenses de todos os tempos, pretende não deixar cair no silêncio sua democrática provocação .
O PIG é uma fantasia
Por Lúcio Flávio Pinto em 11/1/2011
A expressão PIG (Partido da Imprensa Golpista), inventada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, circula há meses como dogma da verdade pela rede mundial de computadores. Seu efeito deve ter sido significativo. Não entre pessoas mais maduras e mais bem informadas, mas entre os jovens e desavisados. Se muitos desses destinatários da mensagem ainda pensavam em ler jornais da grande imprensa, devem ter desistido. Os que continuam a freqüentar suas páginas devem lê-las agora com total ceticismo. Os críticos e adversários das empresas jornalísticas radicalizaram suas posições. (O que teria levado o jornalista PHA a criar a expressão PIG passou ao largo deste início de análise. Reduzi-la a uma mensagem de estímulo a não leitura da grande mídia, ainda que alguns defendam tal idéia, passa longe do processo da construção da leitura crítica promovida pelos blogueiros - alguns se autonomearam progressistas - que resolveram romper com a hegemonia da mídia tradicional, movidos pela vontade de agir frente a manipulação da informação, transformando sua ação num exercício político ainda pouco estudado).
Numa época em que a imprensa escrita convencional sofre a concorrência de mídias mais rápidas e acessíveis, o dano pode ser profundo, agravando o prejuízo econômico (os anunciantes dos Estados Unidos pela primeira vez, neste ano, colocaram mais dinheiro na internet do que nos impressos). A perda maior é para a formação da opinião pública, para a maior circulação de informações com qualidade para fundamentar posições públicas e gerar verdadeiros cidadãos. (As novas tecnologias estão aí para serem utilizadas de maneira criativa. A idéia subliminar de elitização da informação deveria ensejar antes o engajamento crítico na universalização do instrumento do que o reforçar os limites impostos pelos fundamentos econômicos que impõem restrições à informação; nada que uma "banda larga" não possa vir a oferecer no futuro próximo).
Mesmo jornais ruins devem ser lidos. Estimular ou induzir que sejam ignorados é desservir a democracia, a pretexto de fomentar a crítica e combater as elites. A sociedade está cada vez mais repleta de críticos, que não vacilam quando expressam opiniões ou emitem juízos definitivos, verdadeiras sentenças. Mas que não sabem explicar por que são contra. Principalmente por desconhecerem o conteúdo do que criticam ou rejeitam. São personagens patéticos de Oswald de Andrade: não leram e não gostaram. (Mesmo para ler os jornais ruins é preciso uma visão mais crítica dos conteúdos. Prefiro uma sociedade cheia de críticos do que aquela que se move pelo espírito de rebanho. Neste aspecto, para além do maniqueísmo que eventualmente queira capturar nossos blogueiros, seus textos engendram busca, pesquisa, diálogo, debate e enfrentamentos com discursos dos(as) mais diferentes mat(r)izes. Convenhamos, o modelo de jornalismo televisivo não se abre para o debate; o impresso, é de dar dó suas cartas de leitores).
Biombos invisíveis
Para que se interessar pelo autor fulano de tal se ele é reacionário? Por que dar atenção ao jornal de sicrano se ele representa a burguesia? Como crer nesses veículos de expressão se seus donos estão comprometidos com a perversa classe dominante, da qual fazem parte – e parte extremamente ativa? São os inimigos do povo, como os que Lênin estigmatizou num panfleto famoso. (Na luta de classes cada um escolhe seus argumentos, meu caro Lucio Flavio. Alguns são permeáveis à linguagem que voce condena; outros radicalizam e aumentam seus públicos... Como disse a linguagem é livre e soberana. A palavra deve circular livremente. Cabe aos ouvintes acatar ou rejeitar os discursos que lhe convém).
Desde os bancos escolares, graças à nova geografia, à nova sociologia e outras formas reducionistas do saber, novas gerações se tornam auto-suficientes graças ao estoque de conceitos fechados que lhes são repassados, sobretudo por professores progressistas. Têm definições para cada situação ou personagem, rapidamente rotulado de reacionário ou de revolucionário, de elemento do progresso ou do status quo, de bisonho ou instigante. (O ilustre jornalista não estaria correndo o risco de usar do mesmo argumento crítico para um "fenômeno" que mereceria análise mas rigorsosa, qual seja a relação do saber com a academia, o papel da universidade na sociedade atual?)
O rótulo é afixado sem a necessidade de se conhecer o produto. É como se uma imanência superficial dissesse tudo sobre o que está por dentro – da pessoa ou do acontecimento – prescindindo a penetração no estofo da coisa. (A identificação dessa superficialidade não autoriza a generalização do "fenômeno").
Esse antiintelectualismo, forjado como sendo a pedra de toque da verdade, é erigido em nome da história. Na verdade, porém, é a complexidade da história, enquanto sucessão de eventos, e dos homens como realidades específicas, complexas e inesgotáveis, o que esse novo milenarismo nega. (Certamente, o respeitado jornalista deve ter mais de uma dúzia de exemplos que se ajustam aos seus argumentos. Estende-los à todas as formas de expressão reclamada pelos que querem uma outra comunicação, que pense os acontecimentos e afrontem as contigências, é não considerar que a mídia tradicional não está a salvo da mencionada sucessão de eventos, sempre dinâmica e surpreendente.)
O conceito de PIG se insere nessa onda de barbárie intelectual com aparência de causa justa e heróica. Por quase toda vida tenho sido jornalista. Passei por algumas das maiores empresas jornalísticas do país. Nunca fui demitido. Saí de todas voluntariamente. Em todas armei confusão, briguei, fiz inimizades, saí, voltei. Até 1989 sempre houve espaço para esses conflitos e para a volta. (O mundo gira, meu caro... e como girou, que o diga o WeakLeaks).
Naquele ano decidi que o espaço que me cabia na grande imprensa já não me satisfazia, depois de 21 anos de trabalho contínuo nos ditos jornalões. Armei minha trincheira no Jornal Pessoal, de onde miro na direção das empresas jornalísticas, mostrando seus bastidores, os biombos invisíveis dos seus interesses, as histórias que não contam, manipulam ou ocultam. Mas continuo lendo com algum prazer e bastante proveito o que produzem. Sem essa produção o meu conhecimento se empobreceria. E eu me veria privado de um dos temas que me é mais caro. (Vamos combinar. Não precisamos deste tipo de emulação, depois que novos desafios foram postos com as novas tecnologias, mais agéis e interativas).
Amigo íntimo
Além dos salários quase sempre baixos (embora, pessoalmente, a partir de certo momento, não tivesse mais do que me queixar), o maior problema com que me defrontei nas empresas jornalísticas era a interferência dos donos, uma inconveniência que persiste. Este é um ponto crítico e grave, sobre o qual todas as luzes são necessárias. Houve uma degenerescência no comando das organizações jornalísticas.
No caso das empresas familiares, quase por conta da genética. O sucessor do fundador, ou do filho do fundador, sucede-o por conta da genealogia, mas nem sempre está preparado para assumir a função ou não tem a menor afinidade com o jornalismo. Alguns nem mesmo sabem se expressar, tornando-se inteligíveis – por escrito ou oralmente.
Para eles, a questão editorial é um negócio como outro qualquer. Estão dispostos a vender opinião como se vende salsicha, ou banana. Aos seus olhos, uma redação não é mais do que uma quitanda. Não se pode esperar deles que tenham uma atitude compatível com o caráter muito especial do empreendimento que chefiam. Por isso, devem ser muito bem rastreados.
Sempre que se desviarem da função que lhes cabe na sociedade ou sujeitarem a natureza da atividade editorial ao negócio comercial, à conveniência política ou ao interesse meramente pessoal, devem ser submetidos à controvérsia. É o que eles mais temem e rejeitam: ter que se explicar, ser expostos em praça pública, descer do pedestal, tomar consciência de que seu poder não é absoluto nem seu umbigo é o vértice do mundo.
Quando decai minha crença na importância do jornal impresso, mesmo na sociedade digital do nosso tempo, remexo os arquivos em busca de momentos que criaram essa convicção mais íntima na força da palavra bem escrita, no seu estilo e no seu conteúdo. Algumas peças do passado continuam a servir de inspiração para nossos atos de hoje.
Em qual jornal encontraríamos, por exemplo, esta nota, publicada no Correio da Manhã de 1957:
Lembrança necessária
Quantas vezes isso não ocorre numa redação? Só que no Correio da Manhã mesmo a vontade do dono não era absoluta. Ele devia dar explicações ao leitor e ao jornalista atingido. Carlos Lacerda pediu que o jornal publicasse uma nota no dia seguinte e Paulo Bittencourt o atendeu. A nota começa anunciando:
Bittencourt exerceu a sua condição de dono do jornal, mas levou na devida consideração o fato de que o Correio da Manhã era um jornal – e dos melhores que já houve no Brasil, o mais influente de 1901, quando surgiu, até poucos anos antes de ser assassinado, em 1974 – e não uma quitanda. Impôs a sua vontade, mas pagou a prenda: dividiu o assunto com os leitores.
Lembro o episódio para que os justiceiros do PIG tenham uma referência melhor sobre o jornalismo do que a realidade que combatem agora. (Esse tipo de ação e discurso não pode ser apenas uma prerrogativa patronal. Queremos mais, Lúcio Flávio. Queremos que as novas identidades e subetividades do profissional de jornalismo não seja tolhida em sua singularidade, e, sobretudo, que ele possa ser um instrumento a desvendar imaginários construídos sem nossa "autorização", como afirma Slavoy Zizek).
Fonte: Observatório da Imprensa
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