janeiro 12, 2011

Mais um casarão manauara é engolido pelo "progresso" meia-boca

PICICA: "Face aos impactos socioambientais que a cidade de Manaus vem sofrendo nos últimos anos, faz falta uma entidade que componha com outras da sociedade civil uma frente organizada para deter o avanço da destruição do nosso patrimônio, em todos os seus níveis."
Casarão dos Vieiralves - foto Rogério Pina - Manaus, 2011

Saudades de Jefferson Peres, o vereador

Foi a um chamado de resistência feito pelo vereador Jefferson Peres, então presidente da Comissão de Patrimônio Histórico e Cultural da Câmara dos Vereadores de Manaus, que resolvi estimular a organização de uma entidade com o objetivo de lutar em defesa do patrimônio histórico e cultural e outras políticas públicas. Em causa a proposta do prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, em criar um camelódromo em pleno coração da cidade, no entorno do relógio municipal. Estavamos no início dos anos 1990. O tema mereceu algumas páginas de uma dissertação de mestrado da Universidade Federal do Amazonas, que merece uma revisão, posto que ela não dá conta das vaidades nocivas à consolidação de um projeto que tinha um caráter popular. Resumo da ópera: a entidade foi pro limbo. Consegui resgatá-la no final desta primeira década do séc. XXI, quando Pro-Reitor de Extensão da Universidade do Estado do Amazonas, ocasião em que, com o apoio de outros agente sociais, criamos o movimento SOS Encontro das Águas, em defesa do tombamento daquele importante patrimônio paisagístico, geológico, cultural e ambiental. 

Face aos impactos socioambientais que a cidade de Manaus vem sofrendo nos últimos anos, faz falta uma entidade que componha com outras da sociedade civil uma frente organizada para deter o avanço da destruição do nosso patrimônio, em todos os seus níveis.

A bola da vez é o casarão que serviu de residência à família Vieiralves, como lamenta o nosso estimado Rogério Pina, colunista do jornal “A Crítica”.

Não é o primeiro imóvel privado que vem abaixo. Não será o último. Um dos mais emblemáticos foi o desaparecimento num final de semana do Palacete das Águas (esquina da Av. Joaquim Nabuco com a rua Quintino Bocaiúva), para dar lugar a um estacionamento. Uma desastrada visão provinciana de desenvolvimento, aliada à ausência de uma política pública de conservação dos nossos bens arquitetônicos, bem como o crescente desamor à cidade, são os vetores que vem promovendo vertiginosamente a alteração drástica da paisagem que alimentou nossa infância e juventude, numa época em que o capitalismo predatório não havia cooptado os setores líderes da economia local. Seus líderes julgam impossível conciliar desenvolvimento e conservação da nossa história. Desde a instalação da Zona Franca de Manaus é crescente o sentimento de negação da nossa história, como se o futuro não tivesse nenhum compromisso com o passado. 

Lamentavelmente, os defensores dessa “política de destruição da nossa memória” tem “QI de chimpanzé” (a expressão é de Márcio Souza, meu candidato a assumir o IPHAN local, se o PT não fosse cruel e vingativo nas questões de afeto político), quando o assunto é patrimônio histórico. Por essa e por outras é que a Secretaria de Estado de Cultura viu um projeto que chegou a ter 15 mil alunos de música ser reduzido a 5 mil; que tentou fazer circular os bondes de outrora no centro histórico de Manaus, sem conseguir apoio para tanto dentro da própria estrutura de governo.  

Algumas medidas para proteger o centro histórico de Manaus precisam ser tomadas, caso não queiramos que novos “campos universitários” sejam criados em pleno centro da cidade, como a inacreditável facilidade com que se instalou ali o conjuntos das faculdades da UniNorte. São “ilegalidades” como esta, obtida como favor entre os “amigos do rei”, que comprometem a saúde da urbe. 

O casarão dos Vieiralves por pouco deixou de sediar o primeiro Centro de Atenção Psicossocial de Manaus, quando o escritor dessas mal traçadas estava na Coordenação do Programa Estadual de Saúde Mental, não fosse o veto do Secretario Estadual de Saúde devido a exorbitância do aluguel pedido pelos atuais proprietários. Teria sido bom para o campo da saúde mental e bom para a cidade, que assiste silenciosa – raríssimas exceções - a voracidade com que se destrói coisas belas entre nós. O imóvel deverá ceder lugar para um espigão. Na diagonal, um outro prédio foi erguido, no lugar de um bangalô que serviu como residência do Dr. João Lúcio Machado, meu professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade do Amazonas. A obra feria a legislação que protege o entorno da Caixa d’Água, tombada pelo patrimônio federal. A suspensão do embargo foi negociada e o espigão está em construção. Enquanto o movimento social não se organiza, seria bom que os parlamentares despertassem de sua letargia e dissessem a que vieram. Sugiro que se dirijam a um terreiro, que é pra ver se baixa a entidade “Jefferson Peres” para lhes dar um pouco de ânimo. Coragem, senhores! O dinheiro com que o contribuinte lhes pagam é para, entre outras coisas, defender a cidade da fúria devastadora do desenvolvimento a qualquer preço.

Rogelio Casado

Um comentário:

AURÉLIO MICHILES disse...

É...esse desmanche vem se consolidando faz uns 40 anos, a outrora cidade projetada como uma das cidades mais modernas do Brasil final do sec.XIX, inclusive com saneamento básico, aonde a paisagem aquática foi valorizada e integrada a sua paisagem cultural-urbanistica, hoje vemos tudo isso em extinção: os igarapés, as pontes de ferros, leio essa noticia e me lembro do OPaço da Liberdade, aquele imponente predio que outrora foi a sede do estado e do municipio, hoje abandonado, assim como a praça D.Pedro II e tudo mais adiante com quarteirões desmoronando-se...Desleixo? Ignorância? Ganância?