dezembro 20, 2011

"O lento aprendizado da nossa sociedade", por Paulo Metri

PICICA: "Há horas em que me pergunto: “Quantos indícios e provas serão necessários para a sociedade compreender que foi drasticamente roubada no período neoliberal?”. Comecemos com um passado relativamente recente. Em 1997, o réu confesso e deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do presidente de então e não houve divulgação ampla e, consequentemente, uma mínima indignação. Na época, dava-se pouquíssimo valor para a opinião pública, pois nem existiu o princípio ético de o benefício não valer para a eleição próxima e, sim, só para a posterior a esta. Naquele momento, não se podia correr o risco de a entrega do patrimônio nacional ser paralisada com a entrada de outro presidente, segundo a visão dos neoliberais de plantão."
Imagem postada no Correio da Cidadania
O lento aprendizado da nossa sociedade
ESCRITO POR PAULO METRI

Sempre tive a dúvida sobre como ocorre o planejamento da direita. Será que os mais expressivos representantes do capital reúnem-se em uma sala para pensarem a estratégia de enfrentamento de determinada questão? Mas, quem define quais são os mais expressivos? Permitam-me um parêntese. Algumas pessoas dizem que não há mais o corte de direita e esquerda na sociedade. Desejo não entrar nesta discussão, entretanto, peço que onde se lê “direita” entenda-se “aqueles que privilegiam o capital ao trabalho” e, de forma análoga, a “esquerda” é formada por “aqueles que privilegiam mais o trabalho”.

Retornando ao tema, uma reunião deste tipo os deixaria muito mal, porque passaria que estariam tramando contra a sociedade. Seus integrantes devem telefonar bastante de aparelhos seguros, impossíveis de serem grampeados. Devem se encontrar muito, em pequenos grupos. Falo sobre isto porque, pelo comportamento deles com relação ao caso crucial das denúncias do jornalista Amaury Ribeiro Jr, tenho certeza de que combinaram tudo. Este é um exemplo didático de como a direita age de forma pensada e, somos obrigados a reconhecer, de forma magistral, malignamente magistral.

Primeiramente, combinaram que todos os canais da TV aberta, exceto a Record, e todos os grandes canais da TV paga ficariam mudos com relação ao lançamento do livro deste jornalista, “A Privataria Tucana”. Que eu saiba, todos os grandes jornais, exceto notícia escondida dentro de uma entrevista em um deles, todas as revistas semanais, exceto a Carta Capital, não noticiaram nada. Com as rádios deve ter acontecido algo parecido.

Assim, como diria o falecido jornalista e antigo deputado federal Marcio Moreira Alves, “se o fato não apareceu na mídia, nunca existiu”. Sou capaz de apostar que, no mínimo, 95% dos brasileiros ainda não souberam do fato. Resumindo, se não fossem a Record, a Carta Capital e ossites comprometidos com a sociedade, ou alguma outra mídia que tenha passado despercebida por mim, os brasileiros não saberiam que, no mínimo, centenas de milhões de dólares de dinheiro público foram roubados. Corresponderam às propinas de privatizações fraudulentas de empresas gigantescas, que valiam de 40 bilhões de dólares, o mínimo das empresas de telefonia, aos 100 bilhões da Vale

Mas não há mais como segurar esta notícia. Já foram vendidos 15.000 exemplares do livro em um dia, recorde absoluto de vendas em tão pequeno tempo, e fala-se que irão chegar às livrarias mais 50.000, brevemente. O passo decidido em paralelo ao de silenciar a mídia foi o de buscar desqualificar o autor, acusando-o de crime, arquitetado e imputado a ele por ela, a direita. Com isto, ela pode dizer: “ele está sendo investigado pela Justiça”. Buscam também desqualificar as próprias denúncias do autor, dizendo que são “material requentado”. Este discurso é repetido por todos os comparsas, treinados para dar alguma resposta às dúvidas da sociedade, que são irrespondíveis eticamente.

Os próximos passos, que a direita dará de forma simultânea, serão, de um lado, no Congresso, onde já se fala em CPI das privatizações, que será necessária para não ficar totalmente enxovalhada. Seus líderes irão criar ou lembrar de erros da esquerda, buscando banalizar os delitos denunciados no livro. De outro lado, na mídia, continuará a batalha campal de informações e desinformações. O primeiro round, apesar do isolamento do povo, está sendo perdido pela direita, pois um grupo pensante da sociedade está entendendo o que realmente aconteceu e lhe foi escondido.

Se a CPI vingar, ela força alguma transmissão pelos veículos de comunicação. Os jornais, revistas, televisões e rádios mudos, para não perderem totalmente a credibilidade com a classe mais esclarecida, irão começar a divulgar o ocorrido, mas à maneira deles. Algo assim, possivelmente: “O acusado de quebrar os sigilos bancários de Eduardo Jorge e da filha do candidato Serra, nas últimas eleições, passou ao ataque desfechando acusações a diversas pessoas, inclusive ao candidato Serra. Contudo, receberá uma enxurrada de processos na Justiça contra ele por calúnia e difamação, segundo seus acusados”. Uma nova lei de comunicação de massas precisa ser aprovada urgentemente, se quisermos crescer como uma sociedade justa. Da forma que está, até Goebbels teria inveja de um sistema de comunicação que permite tamanha manipulação.

Contudo, se a resposta da sociedade for a indignação, na hipótese de a divulgação das notícias ser ampliada, a direita terá que assumir parcela dos erros para poder salvar o todo. Dependendo do insucesso da operação “abafa”, um bode expiatório poderá ser escolhido para os pecados do conjunto serem absolvidos. Certamente, a popularidade de José Serra cairá e seu índice de rejeição aumentará.

Na CPI, tudo poderá acontecer, uma vez que, em geral, os congressistas fazem bons negócios em períodos de crise. O relatório final da CPI não será necessariamente bom. Se o eleitorado fizer uma associação direta do “tucanato” como sendo o “beneficiário das privatizações criminosas”, o PSDB deverá encolher muito, o que não é necessariamente um avanço, pois os políticos que endossaram estas privatizações poderão se reeleger em outros partidos.

Também, como desdobramento da primeira fase, ações chegarão à Justiça, mas os julgamentos serão demorados e não necessariamente justos. O impacto inicial das notícias certamente irá esmorecer. Mas, este episódio fará parte das lições que nosso povo está trilhando no seu aprendizado político. Hoje, tenho consciência que expressiva parcela da nossa sociedade deve ainda pensar que os de direita e os de esquerda são os destros e os canhotos.

Há horas em que me pergunto: “Quantos indícios e provas serão necessários para a sociedade compreender que foi drasticamente roubada no período neoliberal?”. Comecemos com um passado relativamente recente. Em 1997, o réu confesso e deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do presidente de então e não houve divulgação ampla e, consequentemente, uma mínima indignação. Na época, dava-se pouquíssimo valor para a opinião pública, pois nem existiu o princípio ético de o benefício não valer para a eleição próxima e, sim, só para a posterior a esta. Naquele momento, não se podia correr o risco de a entrega do patrimônio nacional ser paralisada com a entrada de outro presidente, segundo a visão dos neoliberais de plantão.

Muitas CPI e investigações da Polícia Federal, apurando escândalos diversos, como o do Banestado, não bastaram para alertar o botim em curso. Talvez, os primeiros documentos a balançar a credibilidade dos entregadores das riquezas do país com baixa compensação para nosso povo e que não puderam ser manipulados, pois se tratava de uma denúncia de nível mundial, foram os do WikiLeaks. Se o prêmio Nobel da Paz não estivesse tão desmoralizado, a ponto de Obama o ter recebido, eu sugeriria entregá-lo ao criador desta entidade, Julian Assange, verdadeiro construtor da paz mundial. Não pode haver paz sem democracia nas comunicações.

É conhecida a frase do Serra, vazada graças ao WikiLeaks, para a executiva da Chevron, na época da elaboração do marco regulatório do pré-sal, que coincidia com a última campanha presidencial. Ela tinha o seguinte sentido: “Deixem eles (os petistas que estavam no poder) fazerem o que quiserem, pois, depois que eu for eleito, tudo retornará ao que era antes. As regras sempre podem mudar”. Aliás, esta última parte da afirmação é verdadeira e, portanto, o monopólio estatal do petróleo, que foi extinto por Fernando Henrique no período neoliberal, mas possibilitou a descoberta atual do pré-sal, pode e deve ser estabelecido novamente, para tranqüilidade dos brasileiros.

Podem ter certeza de que, apesar do empenho do autor do livro, só a ponta do iceberg veio à tona e, por esta razão, uma CPI séria das privatizações seria recomendável e muito educativa. Triste povo, o brasileiro, que precisa de vazamentos de informações da potência imperial e de um astuto e corajoso repórter investigativo para a veracidade das informações internas ser minimamente restabelecida.

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira da Associação de Engenheiros e do Clube de Engenharia.


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