PICICA: "Dois paraenses. Num país, onde um deles, Jader Barbalho, assume o Senado e o outro, Lúcio Flávio, é ameaçado e processado, tem alguma coisa errada."
LÚCIO FLÁVIO: AMEAÇAS A UM JORNALISTA
José Ribamar Bessa Freire
11/12/2011 - Diário do Amazonas
Dois
paraenses. Num país, onde um deles, Jader Barbalho, assume o Senado e o
outro, Lúcio Flávio, é ameaçado e processado, tem alguma coisa errada.
Compartilho, hoje, o espaço com o jornalista paraense Lúcio Flávio
Pinto, editor do Jornal Pessoal com quem me solidarizo. Ele
denunciou uma série de fraudes e, por isso, foi ameaçado. Eis aqui sua
carta endereçada à opinião pública no domingo passado (11.12.2011).
À OPINIÃO PÚBLICA
Os valores morais estão mesmo invertidos no Brasil.
Ontem,
um cidadão que emitiu notas fiscais frias para dar cobertura a uma
fraude, praticada pelos donos do principal grupo de comunicação da
Amazônia, O Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão, através da qual
tiveram acesso a dinheiro público da Sudam, me ameaçou de agressão e
tentou me intimidar.
Meu
“crime” foi o de ter denunciado a fraude em meu Jornal Pessoal, que se
transformou em denúncia do Ministério Público Federal, aceita pela
justiça federal, mas arquivada em 1º grau sob a alegação de que o crime
prescreveu. O juiz responsável pela sentença, Antônio de Almeida
Campelo, titular da 4ª vara criminal federal de Belém, tentou me impor
sua censura, para que não pudesse mais escrever a respeito do processo.
Como a ordem era ilegal, não a acatei. Cinco dias depois, diante da
reação pública, o juiz voltou atrás e revogou a sua determinação. Mas o
incidente de hoje mostra que as tentativas de me intimidar prosseguirão.
Eu
saía do almoço em um restaurante no centro de Belém, às 15,15, quando
um cidadão se aproximou de mim subitamente. Ele parecia ter esperado o
momento em que fiquei só no caixa.. Como se postou bem ao meu lado, o
cumprimentei, mesmo sem identificá-lo de imediato. Ele reagiu de forma
agressiva. Como minha saudação tinha sido um “Tudo bem?”, ele respondeu:
“Vai ver o que fizeste contra mim no teu jornal”.
“O
quê?”, disse eu. Ele se tornou mais agressivo ainda: “Da próxima vez eu
vou te bater, tu vais ver”. Aí me dei contra de tratar-se de Rodrigo
Chaves, dono da empresa, a Progec, que cedera as notas fiscais frias
para os irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos do
projeto para implantar em Belém uma indústria de sucos regionais, no
valor (atualizado) de sete milhões de reais, projeto esse aprovado pela
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, em 1995.
]Observei
que o cidadão estava com um copo de vidro cheio de refrigerante e que o
apertava com força. Deixando o salão do restaurante com o copo,
tornava-se evidente que, com seu tom agressivo, planejava usá-lo contra
mim. Mantive-me calmo, sem reagir. Paguei e saía, quando ele começou a
gritar, me chamando de palhaço. Continuei seguindo e fui até a seccional
da polícia civil, onde apresentei queixa contra a ameaça de agressão
física. O procedimento deverá ser instaurado amanhã.
A
primeira reportagem do Jornal Pessoal sobre a fraude praticada pelos
irmãos Maiorana saiu em maio de 2002, na edição 283. Desde então, venho
acompanhando o assunto. Nunca fui contestado pelos Maiorana, nem por
Rodrigo Chaves. Ao ser intimado a comparecer à Receita Federal, ele
admitiu serem frias as nove notas fiscais e dois recibos que emitiu
entre 1996 e 1997 para a Indústria Tropical Alimentícia. Com esses
papéis, a empresa justiçou a construção de um galpão, onde funcionaria a
fábrica de sucos. A estrutura teria sido posta abaixo por um vendaval,
que teria ocorrido na área, mas atingiu apenas a construção dos irmãos
Maiorana.
Com
base em vasta documentação, comprovando a fraude com as notas e o
desvio de recursos públicos, a Receita Federal encaminhou o inquérito ao
Ministério Público Federal, em 2000. O MPF fez a denúncia em 2008,
enquadrando os Maiorana em crime contra o sistema financeiro nacional
(mais conhecido como crime de colarinho branco). Nessa época, a fraude
de 1995 já havia prescrito. Por isso, o crime não podia mais ser punido.
Restavam as manobras que permitiram aos Maiorana receber colaboração
financeira dos incentivos fiscais da Sudam em 1996 e 1997.
No
total, em valor da época, os irmãos tiveram acesso a R$ 3,3 milhões. O
projeto, ao final, absorveria R$$ 20 milhões de então. Para receber o
dinheiro, eles tinham que entrar com 50% de capital próprio. Mas não
tiraram um centavo do bolso. No dia da liberação do recurso pela Sudam,
eles emprestavam de um banco privado o valor equivalente, que devia ser a
contrapartida de recursos próprios, mas só o mantinham em conta por um
dia. No dia seguinte o dinheiro era devolvido ao banco.
O
MPF só fez a denúncia pelo crime de fraude pára a obtenção de dinheiro
público. Não imputou aos Maiorana o outro delito, o de desvio de
recursos públicos, caracterizado pela fraude na construção do galpão que
o inusitado vendaval teria destruído. A prova da construção eram as
notas fiscais fornecidas pelo cidadão que me ameaçou de agressão física
hoje.
A
ameaça foi perpetrada num dia histórico para o Pará, a primeira unidade
da federação brasileira a decidir, pelo voto direto e universal dos
seus cidadãos, se aceita ou não a divisão do seu território, o 2º maior
do país, para a criação de dois novos Estados, de Carajás e Tapajós. O
próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o também ministro do
Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowsi, veio testemunhar
pessoalmente esse momento histórico. Foi a primeira vez que um
presidente do TSE participou de uma sessão do TRE do Pará. Mas não
chegou a testemunhar um ato representativo de como age e pensa parte da
elite paraense que monopoliza o poder na capital e, pensando só em si,
dá motivos às regiões mais distantes de tentar se separar do Estado para
conseguir maior atenção e cuidados, numa terra marcada pela
desigualdade social, violência e a impunidade. E onde ficou famosa a
frase de um caudilho: de que, por aqui, “lei é potoca”.
O
grupo de comunicação dos irmãos Maiorana tomou parte na campanha,
dizendo-se intérprete da vontade da população. Já publicou dezenas de
editoriais contra o ex-senador Jader Barbalho, acusando-o de ter
enriquecido apropriando-se de dinheiro público, com destaque para o
dinheiro da Sudam, que teria desviado para os próprios bolsos. Mas os
Maiorana, que cometeram o mesmo crime, não querem que ninguém escreva
sobre seus atos. Um deles, Ronaldo Maiorana, beneficiário das notas
frias do meu quase agressor de hoje, me agrediu fisicamente quase sete
anos atrás, em janeiro de 2005, tendo a cobertura de dois militares da
ativa da PM paraense, que transformou em seus capangas.
Por
ironia, essa agressão se consumou em outros dos restaurantes da rede
Pomme d’Or, onde agora fui ameaçado por um integrante da confraria dos
Maiorana. Por outra ironia, tive que ir de novo à mesma seccional onde
dei a primeira queixa. As agressões, ameaças e intimidações
prosseguirão? O poder público fará a sua parte, de fazer respeitar a lei
e dar garantias ao cidadão do exercício de seus direitos?
Aguardo
as respostas, que cobro como um simples cidadão, às vezes sozinho, mas
convicto do seu direito. E da obrigação que sua profissão lhe impõe:
dizer a verdade. Mesmo que ela incomode poderosos e truculentos.
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
Belém/PA
Fonte: TAQUIPRATI
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