dezembro 12, 2011

"Alberto Santoro: a partícula de Deus", por José Ribamar Bessa Freire

PICICA: "Este cientista amazonense, pesquisador nível 1A do CNPq, com quase 400 artigos publicados em revistas especializadas do mundo todo, lidera pesquisa no LHC, mas é também diretor do Departamento de Físicas de Altas Energias, da UERJ. Lá, de vez em quando, nos encontramos, pois o Programa de Estudos dos Povos Indígenas que eu coordeno fica fisicamente – vá lá saber por que – dentro do Instituto de Física. Foi lá que ele me contou do seu orgulho de ter sido alfabetizado pela professora Diana Pinheiro, no Instituto São Geraldo, que funcionava na Rua 24 de Maio quase esquina da Costa Azevedo. Depois, estudou no D. Bosco e no Colégio Estadual do Amazonas." 

 ALBERTO SANTORO: A PARTÍCULA DE DEUS
José Ribamar Bessa Freire
11/12/2011 - Diário do Amazonas


- Durante quanto tempo você limpou bunda de elefante?
A pergunta me foi feita à queima-roupa, semana passada, no Rio de Janeiro, pelo físico Alberto Santoro e sua esposa Beth, sobre um fato que eu nem lembrava mais, ocorrido em Paris há quarenta anos. Na época, Santoro estava vinculado ao Serviço de Física Teórica, em Saclay, na França, já com um pé dentro da Universidade Denis Diderot. E eu? Bem, eu...me preparava para conhecer Mina, uma fofura de quatro aninhos.
Nossos caminhos se cruzaram não por causa da física, da qual – para o bem de todos e felicidade geral da nação – sempre mantive uma prudente distância. Mas pelo fato de sermos, ambos, amazonenses. De Manaus. Quase parentes. Se a irmã dele, Carmita, tivesse casado com meu tio Esmeraldo, de quem foi noiva, eu hoje pediria, respeitoso: “Sua benção, tio Alberto”. Apesar da pouca diferença de idade entre nós.
Alberto Franco de Sá Santoro acaba de completar 70 anos e recebe muitas homenagens por isso. Filho de Michelangelo Giotto Santoro e Cecília Autran Franco de Sá morava ali na Rua 24 de Maio, n° 220, perto da Padaria Mimi. Eram 15 irmãos. Dois deles, por serem meninos-prodígio, a família Santoro logo cederia para o mundo: Cláudio, o músico e Alberto, o físico. Ambos tiveram uma projeção internacional e se tornaram conhecidos na Europa, França e Bahia, constituindo-se motivo de justificado orgulho dos amazonenses.
Tudo começou quando Alberto, convencido por Fernando Bonfim, deixou Manaus para cursar engenharia em Itajubá. Aí O Jornal da empresa Archer Pinto, que sempre registrava qualquer êxito de nossos conterrâneos, deve ter berrado em letras garrafais a sua proverbial manchete: “MAIS UM AMAZONENSE QUE VENCEU LÁ FORA!!!” Com direito a pingar vários pontos de exclamação, porque dessa vez foram dois, de uma só tacada. É que Cláudio já estourava nas paradas na Alemanha, onde vivia. O Jornal deve ter tido orgasmos impressos com as andanças posteriores dos dois irmãos pelo planeta.
Convidado por Darcy Ribeiro para criar o Instituto de Musica na UnB, Cláudio trocou a Alemanha por Brasília. Alberto deixou Itajubá e foi morar com o irmão, fez o vestibular para Arquitetura na UnB, não concluiu o curso, mas chegou a ser eleito presidente do Diretório Acadêmico. – “Você tem que fazer física” – lhe recomendou o físico nuclear Roberto Salmeron, então seu professor na UnB. Seguiu o conselho do mestre.
Foi aí que o golpe militar de 1964 afetou a vida da Universidade, quando 223 professores da UnB, entre os quais Cláudio Santoro e Roberto Salmeron deixaram aquela instituição. Cláudio saiu para o exílio e, já fora do Brasil, acabou regendo as orquestras mais conhecidas do mundo como a RIAS Berlin, a Sinfônica de Leipzig, a Filarmônica de Leningrado, a Beethovenhalle Bonn e tantas outras. Alberto se transferiu para o Rio, foi estudar física na FNFi da UFRJ. Depois prosseguiu seus estudos na França.
Graduado em Física pela UnB e pela UFRJ, com pós-graduação no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e com doutorado na Université Paris VII, Alberto trabalhou cinco anos nos Estados Unidos como cientista convidado do FERMILAB, tornando-se membro da Comissão Executiva do Forum Internacional de Física da American Physical Society e Diretor da LISHEP – International School on High Energy Physics. Além disso, lidera um grupo de pesquisadores no Grande Colisor de Hádrons (LHC), que recentemente ganhou as manchetes dos jornais do mundo inteiro.
Um dos seus lugares de trabalho, hoje, é justamente o LHC – o maior laboratório já criado pelo homem, situado na fronteira da Suíça com a França. Trata-se de um túnel oval de 27 quilômetros de extensão, cavado a 175 metros abaixo da terra, onde se realiza um dos experimentos mais importantes da ciência: averiguar a existência do bóson de Higgs – a partícula primordial que surgiu bilionésimos de segundo após o Big Bang, dando origem a tudo o que existe no universo. Por isso, foi chamada de “partícula de Deus”, no título do livro de Leon Lederman, prêmio Nobel de Física.  
Segundo Alberto Santoro, em entrevista a National Geographic, o LHC “é o lugar mais vazio do sistema solar. Há um vácuo monstruoso. Dentro dele correm os objetos mais rápidos do mundo – prótons que viajam a 99,9% da velocidade da luz e se chocam 40 milhões de vezes por minuto”. Ele declarou que embora a comprovação do bóson de Higgs não vá explicar tudo na vida, é uma descoberta fundamental para a física. “É uma forma de compreendermos quem somos, de onde viemos. Isso permitirá sonhar mais, imaginar mais e levar essa cultura às futuras gerações”.
Este cientista amazonense, pesquisador nível 1A do CNPq, com quase 400 artigos publicados em revistas especializadas do mundo todo, lidera pesquisa no LHC, mas é também diretor do Departamento de Físicas de Altas Energias, da UERJ. Lá, de vez em quando, nos encontramos, pois o Programa de Estudos dos Povos Indígenas que eu coordeno fica fisicamente – vá lá saber por que – dentro do Instituto de Física. Foi lá que ele me contou do seu orgulho de ter sido alfabetizado pela professora Diana Pinheiro, no Instituto São Geraldo, que funcionava na Rua 24 de Maio quase esquina da Costa Azevedo. Depois, estudou no D. Bosco e no Colégio Estadual do Amazonas.
Conhecido internacionalmente, requisitado por vários centros de pesquisa, Alberto Santoro recebeu convite para organizar um curso de pós-graduação na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e montar ali um Laboratório de Física Experimental de Altas Energias, com o apoio do CERN. – “Nós não podemos nos dar o luxo de ter o senhor fora de Manaus” - lhe disse o então reitor da UEA, Lourenço Braga, num ato público. Com ligação afetiva forte com o Amazonas, Santoro aceitou.
Entusiasmado, mobilizou a família toda: sua esposa Elizabeth, seus filhos Leonardo e Giulia, e vários físicos de sua equipe – Francisco Caruso, Vitor Oguri e outros. Convenceu vários pesquisadores a acompanhá-lo nessa aventura, que deixaria – aqui pra nós – os paraenses morrendo de inveja. Viajou várias vezes a Manaus, onde recebeu até homenagem da Assembléia Legislativa. Mas o convite ficou por isso mesmo: só no papo. De concreto, nada. Tudo, farofa. Cascata. O que dá sentido à crítica contundente do escritor Márcio Souza quando escreveu no seu livro A Expressão Amazonense:
- Bem faz Thiago de Mello, que anda pelo mundo espocando de amor e defendendo a liberdade. Bem faz Cláudio Santoro, enriquecendo o povo da Alemanha e apagando de seu passado o calor da burrice amazonense. Ai de vós, artistas ou bêbados inveterados que ousam declarar-se homens de cultura em Manaus.  
O Amazonas ficou a ver navios e Alberto Santoro continuou, então, “regendo sua orquestra” de físicos. Ele aponta os benefícios trazidos para a humanidade com as pesquisas em física, desde o tratamento de vários tipos de câncer com aceleradores especificamente construídos para isto, até a evolução de toda a indústria eletrônica e computacional, que usa instrumentação inicialmente inventada para a Física de Partículas. Não é por diletantismo que a Organização Européia para Pesquisa Nuclear (CERN) já investiu quase 6 bilhões de dólares no LHC. Mas essa não é a motivação principal de Santoro:
É preciso que se entenda que fazer coisas por prazer e curiosidade é muito importante. Os poetas fazem poesias para o prazer do homem, os cientistas fazem ciência para melhorar nosso conhecimento e, é claro, ter uma vida mais completa resolvendo os conflitos com o Universo.
Sim, mas o espaço está acabando e a pergunta inicial não foi respondida: o que é que a bunda do elefante tem a ver com essa história? Bem, é que quando encontrei Alberto e Beth em Paris, em 1971, a CIMADE – uma associação de solidariedade com imigrantes, refugiados e exilados - havia arrumado um trabalho para mim no Circo Medrano, de Lyon, com carteira assinada, para tratar de Mina, uma elefantinha, cuja foto cheguei a ver. Aceitei na hora. Foi essa história que circulou entre um pequeno grupo de exilados. Mas na realidade nem comecei meu trabalho. Uma brasileira funcionária da CIMADE, Irecê da Silva, brigou com os franceses dizendo: “Temos que buscar algo compatível com os estudos dele. Apesar de Mina ser fofinha, não é o caso”.  
P.S. – Um belo livro bilíngüe, de capa dura, intitulado ALBERTO SANTORO – A LIFE OF ACHIEVEMENTS – A FESTSCHRIFT ON THE OCCASION OF HIS 70th BIRTHDAY (516 PGS) foi organizado por F. Caruso, E. Christoph, V. Oguri & R. Rubinstein, em homenagem aos 70 anos de Alberto Santoro. Traz fotos e artigos de diversos autores no campo da Física de Altas Energias e de outras áreas da física, além de fotos e depoimentos pessoais sobre Santoro.

Fonte: TAQUIPRATI

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