PICICA: Quando o Brasil estava dividido entre conservadores e progressistas (termo que perdeu seu vigor semântico), a imprensa careta, alguns intelectuais e boçais de um modo geral não entendiam Joãozinho Trinta. Veja o que diz uma memorável resenha, escrita pela psicanalista Betty Milan, e reproduzida em Revirão - Revista da Prática Freudiana, sobre a imprensa à época quando o assunto era Joãozinho Trinta. Para Milan, a imprensa preocupada em criticar a estética kitsch do Carnaval, demonstra algo pior ainda: seus ouvidos não conseguiam escutar o que diziam as palavras do carnavalesco, quando ele citou os bicheiros como exemplo do cumprimento da palavra dada. Logo veio a distorção da fala de Joãozinho, por conta de uma falsa interpretação do não dito, escapando o que subjazia em sua frase. Depois ninguém acredita quando se afirma que nesse País nunca fomos modernos. Trinta anos se passaram, o futuro chegou, a linguagem da imprensa tornou-se politicamente correta, e paulatinamente vem perdendo a credibilidade. Fica o exemplo das transgressões da imaginação de Joãozinho, que ao menos abriu caminho para que as novas expressões da vida intelectual saibam conciliar leitura crítica com a alegria de viver. Valeu, Joãozinho Trinta!
Psicanálise Beija-Flor
Rio de Janeiro, Aoutra/Taurus, 1985.
Por Betty Milan
O que é que ela tem? ... ela quem? A impresa. Ouvidos para
não escutar.
A evidência disso é a versão do que teria dito Joãozinho
Trinta no Colégio Freudiano do Rio de Janeiro e publicado sob o título Psicanálise
Beija-Flor.
Se o carnavalesco diz que bicheiro, por ter palavra, é o
último britânico na face da Terra e, por ser eficaz, há muito já teria pago a
dívida externa, a imprensa dá que, segundo Joãozinho Trinta, o País deveria ser
governado por bicheiros, autorizando-se a chamá-lo de visionário (Folha de S.
Paulo, 2/2/85).
Insensível à palavra, o jornalista não ouve que através do
bicheiro o carnavalesco valoriza o cumprimento da palavra dada; não percebe que
subjaz à sua fala uma ética a ser adotada. A Nova República acaso pode ser
feita à revelia da palavra dada? O Carnaval deveria inspirar o futuro, pela
ética e a competência do que é capaz.
Mas a imprensa não se entrega ao samba, é movida por uma
outra tradição, a do escândalo, a proposta de entregar o País à comunidade de
bicheiros é escandalosa. Também o é a homossexualidade e Joãozinho, daí a
ênfase a esta, tanto na Folha quanto pelo Jornal do Brasil (30/1/85).
(...)
Samba para a mídia é oba-oba, caso descobrisse o contrário
teria que se renovar. A mídia quer a notícia, a novidade, propriamente, ela
recusa, caça novas para se exercer no seu conservadorismo.
Joãozinho Trinta vive de se reinventar recriando a tradição.
(...)
(...)O samba não é uma ilusão, mas um recurso poderoso, pode
mover montanhas ritmando o trabalho de grandes mutirões em Nilópolis e nas
outras várias polis do País.
Se brincar é agir, por que não fazer brincando este País?
Pelo sim e pelo não, conquistá-lo através da nossa imaginação? Verdade que para
o júbilo o planeta está imaturo e é preciso arrancar a alegria do futuro –
Maiakowsky.
(Folha de S. Paulo, 7 fev. 85)
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