A borboleta no filme
CARLOS ALBERTO MATTOS – Docblog, 30/10/2007- 12:16
"O Cineasta da Selva" sai em DVD da Programadora Brasil
Ainda hoje os filmes de Silvino Santos (1886-1970) parecem bem mais que peças de um museu cinematográfico. Suas tomadas enchem os olhos pelos sentidos de movimento, ação, composição e detalhe. Cineasta do capitalismo caboclo nascente, cronista de índios, seringueiros, pescadores e grandes empresários, Silvino praticamente inaugurou, junto com o Major Tomaz Reis, o documentarismo etnográfico brasileiro. E também uma série de dilemas que o nosso cinema historicamente enfrentou junto aos poderes político e econômico.
Aurélio Michiles adotou uma perspectiva romântica para enfocar esse pioneiro em O Cineasta da Selva. José de Abreu encarna um Silvino meio fora do tempo, que fala trechos das memórias de seu personagem diretamente "para nós". O efeito ressalta a opção de Michiles por uma espécie de memorialismo lúdico, combinando rigor histórico e liberdade poética.
Uma cobra avança entre cachos de película, uma borboleta pousa num pedaço de filme. São imagens sintéticas que pretendem substituir grandes esforços de produção do filme de época. Da mesma forma, o uso gracioso de fotografias, mapas, transições de cor e incrustações digitais, além de um trabalho musical delicadíssimo e primoroso, tudo solicita do espectador uma atenção pelo menos tão lírica quanto histórica. A síntese acaba sendo a maior virtude desse filme que se lança ao desafio de retratar uma epopéia.
Por isso navegamos sem peso através de toda a carreira de Silvino Santos, no Brasil como em Portugal, com uma criteriosa seleção de trechos de seus filmes. E conhecemos do homem não apenas seu trabalho de desbravador, mas também um pouco de sua intimidade pessoal: a mitomania, a vocação para servir aos patrões, a aceitação tranqüila dos supostos desígnios do destino.
O Cineasta da Selva desenha uma pequena genealogia do cinema amazonense. A vida de seu maior pioneiro é revisitada pelo amazonense Michiles, um "herdeiro" de Silvino. Nele comparecem os conterrâneos Djalma Limongi Batista e Márcio Souza. A dedicatória, por sua vez, vai para o manauara Cosme Alves Netto, que tanto fez pela memória e a cinefilia no Brasil.
O ciclo da borracha, tão bem retratado por Silvino Santos, serve a um paralelo com a situação da Amazônia dos anos 1970 no curta Sangue e Suor – A Saga de Manaus. O documentário lança mão de variados registros – poema, música coral, explanações turísticas, entrevista – para montar sua retórica de denúncia das contradições do desenvolvimento industrial. As imagens ilustram um discurso verbal caudaloso como o Amazonas.
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