Dom Luiz Cappio inicia novo jejum e pede arquivamento da Transposição do rio São Francisco
O bispo de Barra (BA) enviou uma carta ao presidente Lula pedindo que o Exército pare as obras
O frei Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese de Barra (Bahia), iniciou na manhã de hoje, terça-feira (27/11), um novo jejum em protesto contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Ele está recolhido na Capela de São Francisco, na Vila São Francisco, no município de Sobradinho (Bahia), às margens do rio, próximo à barragem de Sobradinho.
Na manhã de hoje, ele enviou uma carta (em anexo) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi protocolada no Palácio do Planalto por Dom Tomas Balduíno e Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Na carta ele informa que retomou seu recolhimento de jejum e oração e que só suspenderá o jejum após a retirada do Exército do canteiro de obras da transposição e o arquivamento do projeto. Ele afirma que o presidente enganou a ele e a toda a sociedade, pois não honrou o compromisso assumido em outubro de 2005. Na ocasião, Dom Cappio suspendeu um jejum de onze dias, após Lula ter se comprometido a suspender o processo da transposição e iniciar um amplo diálogo sobre o projeto com a sociedade.
No entanto, em janeiro de 2007, o governo anunciou que a obra estava na lista de projetos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Em fevereiro, Dom Cappio protocolou uma carta ao presidente Lula solicitando a reabertura do diálogo, mas não teve resposta. Em junho, o Governo Federal enviou o Exército para iniciar a primeira etapa da transposição.
Na avaliação de Malvezzi, o gesto de Dom Cappio é maior que nossa compreensão. “Ele está querendo colocar uma reflexão mais profunda para que a sociedade brasileira possa pensar na sua relação com os bens naturais”, disse em coletiva à imprensa na manhã de hoje.
Eles lembraram que Frei Luiz mantém a convicção de que a transposição não atenderá à população pobre do semi-árido. Dom Tomás Balduíno reforçou que a obra beneficiará as grandes empresas responsáveis pela obra, os grandes proprietários de terra da região, os produtores de camarão (carcinicultura) e outras produções voltadas para a exportação.
O ato de Dom Cappio está ligado à esperança do povo, segundo Dom Tomás. “Dom Cappio amarrou a vida dele à vida do rio São Francisco”, concluiu.
Alternativas
Na avaliação de Frei Luiz, a melhor alternativa para a população do semi-árido são as 530 obras sugeridas pela Agência Nacional de Águas (ANA) em seu Atlas do Nordeste e que seriam suficientes para abastecer os 1,3 mil municípios da região com mais de 5 mil habitantes a um custo muito inferior ao da transposição: R$ 3,6 bilhões contra R$ 6,6 bilhões.
O jejum de Frei Luiz será apoiado por diversas entidades e movimentos sociais como MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CPT (Pastoral da Terra), Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Cáritas Brasileira entre outros.
Serviço:
Contatos:
Ruben Siqueira – Comissão Pastoral da Terra: (71) 92086548
Dom Tomáz Balduíno: (62) 81171950
Roberto Malvezzi – Comissão Pastoral da Terra: (74) 99795231
Comunicação
Clarice Maia –Articulação São Francisco Vivo: (71) 92369841
Cida Lima – Cáritas Brasileira (61) 3214 5420 (61) 8134 8849
Renina Valeja – Cáritas Brasileira (61) 3214 5420 (61) 8134 9453
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Diocese de Barra – Bahia
4 de outubro de 2007
Festa de São Francisco
Senhor Presidente,
Paz e Bem!
No dia 6/10/05, em Cabrobó, Pernambuco, assumimos juntos um compromisso: o de suspender o processo de Transposição de Águas do Rio São Francisco e iniciar um amplo diálogo, governo e sociedade civil brasileira, na busca de alternativas para o desenvolvimento sustentável para todo o semi-árido. Diante disso suspendi o jejum e acreditei no pacto e no entendimento.
Dois anos se passaram, o diálogo foi apenas iniciado e logo interrompido.
Já existem propostas concretas para garantir o abastecimento de água para toda a população do semi-árido: as ações previstas no Atlas do Nordeste apresentada pela Agência Nacional de Águas (ANA) e as ações desenvolvidas pela Articulação do Semi-Árido (ASA).
No dia 22 de fevereiro de 2007 protocolei no Palácio do Planalto documento solicitando a reabertura e continuidade do diálogo, e que fosse verdadeiro, transparente e participativo. Sua resposta foi o início das obras de transposição pelo exército brasileiro.
O senhor não cumpriu sua palavra. O senhor não honrou nosso compromisso. Enganou a mim e a toda a sociedade brasileira.
Uma nação só se constrói com um povo que seja sério, a partir de seus dirigentes. A dignidade e a honradez são requisitos indispensáveis para a cidadania.
Portanto retomo o meu jejum e oração. E só será suspenso com a retirada do exército nas obras do eixo norte e do eixo leste e o arquivamento definitivo do Projeto de Transposição de águas do Rio São Francisco. Não existe outra alternativa.
Acredito que as forças interessadas no projeto usarão de todos os meios para desmoralizar nossa luta e confundir a opinião pública. Mas quando Jesus se dispôs a doar a vida, não teve medo da cruz. Aceitou ser crucificado, pois este seria o preço a ser pago.
A vida do rio e do seu povo ou a morte de um cidadão brasileiro.
"Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho."
Que o Deus da Vida seja penhor de Vida Plena.
“O Brasil é uma terra de grandezas. Terá dirigentes com a mesma grandeza?"
(Bourdoukan Georges in “Capitão Mouro”)
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM
Bispo Diocesano de Barra
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Resumo da biografia de Dom Luiz Flavio Cappio
“A vida do rio e do seu povo ou a morte de um cidadão brasileiro”
Dom Frei Luiz Flavio Cappio, nasceu em 1946, em Guratinguetá (SP), no mesmo dia em que é comemorado o dia do santo que empresta o nome ao rio São Francisco, 04 de outubro. Dos seus 61 anos, pelo menos 40 se passaram às margens do chamado Velho Chico. Ainda jovem, deixou a família abastada e tornou-se religioso franciscano, tendo feito estudos teológicos em Petrópolis (RJ), onde se formou também em Economia.
Recém ordenado padre, no ano de 1974 atuava na Pastoral Operária quando saiu de São Paulo, apenas com a roupa que vestia, e seguiu para o semi-árido da Bahia. Estava ali afirmada a relação com a Bacia do rio São Francisco. Em 1997, ordenado bispo da diocese de Barra (BA), na região do médio São Francisco, foi consolidada a proximidade com o rio e com os ribeirinhos, de quem tem reconhecido respeito e afeição.
Marcante também na história do frei é a peregrinação que fez, entre os anos de 1992 e 1993, desde a nascente do rio São Francisco, em Minas Gerais, até a foz, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Junto com ele estavam três pessoas: Adriano Martins, sociólogo, a irmã Conceição e o lavrador Orlando de Araújo. Um pouco desse movimento ecológico-religioso pode ser lido no livro: “O Rio São Francisco, uma caminhada entre a vida e morte” (Editora Vozes), escrito por Cappio, Adriano Martins e Renato Kirchner.
Para Dom Luiz o rio São Francisco é "a mãe e o pai de todo o povo, de onde tiram o peixe para comer, a água para beber e molhar suas plantações — principalmente em suas ilhas e áreas de vazantes. Mesmo não sendo o maior rio brasileiro em volume d'água, talvez seja o mais importante do país, porque é a condição de vida da população. Sempre dizemos: rio São Francisco vivo, povo vivo; rio São Francisco doente e morto, população doente e morta".
Em 2005 fez um jejum de 11 dias, entre 26 de setembro e 05 de outubro, em Cabrobó (PE). Conhecida como a “greve de fome” em defesa do São Francisco, foi explicada por ele “como um gesto desesperado, um grito desesperado”. Ele argumentava que ”o que norteia minha vida é minha fé incondicional” e completava que “quando a razão se extingue, a loucura da fé é o caminho”.
O resultado foi que milhares de pessoas, em solidariedade, se dirigiram ao local do jejum. Além disso, organizações, inclusive estrangeiras, assinaram cartas e documentos de apoio. O ápice aconteceu quando o governo considerou o ato e enviou um negociador, o ex-sindicalista e ex-ministro, atual governador da Bahia, Jacques Wagner (PT).
O bispo encerrou a “greve de fome” com a promessa, do presidente Lula, de que seria iniciado um debate amplo sobre o projeto de transposição e a revitalização do rio São Francisco. O acordo não foi cumprido o que ocasionou uma série manifestações dos movimentos populares e ações judiciais com o intuito de paralisar a mega obra.
Ao comentar o acordo firmado com o governo, Dom Luiz afirmou publicamente que se a promessa não fosse cumprida ele voltaria ao jejum e não estaria sozinho. Esgotadas e infrutíferas foram todas as tentativas. Dessa forma ele retomou o jejum esta manhã (27) na Capela de São Francisco, em Sobradinho (BA), ao pé da barragem de Sobradinho. Revelando todo o estado de mingua em que se encontra o São Francisco – o imenso lago vem diminuindo suas reservas e nesse momento se encontra com menos de 14% da sua capacidade.
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Retrospectiva
Acompanhe os principais acontecimentos desde que a equipe do presidente Lula desengavetou o projeto de transposição de águas do rio São Francisco e organizações sociais, movimentos populares, povos e comunidades tradicionais intensificaram os atos pelo arquivamento definitivo do projeto.
2004
Lula desengaveta o projeto da transposição.
2005
26/09 a 06/10 – O Dom Luiz Flávio Cappio, faz jejum contra o projeto de transposição, em Cabrobó (PE). O presidente Lula, pressionado, envia o então ministro Jaques Wagner para negociar. A “greve de fome” encerra mediante a assinatura de um acordo.
- Formação da comissão para negociação e debate entre governo e organizações sociais.
Novembro – O Ministério Público Federal e o da Bahia, além do Fórum Permanente em defesa do São Francisco na Bahia, entram com nova ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedem a suspensão do processo de licenciamento ambiental em trâmite no Ibama.
15/12 – Primeira audiência do presidente Lula com a comissão de negociação e Dom Luiz Cappio.
2006
23/02 – Ofício é protocolado para o presidente Lula cobrando agenda para debate público sobre o projeto de transposição, prometido pelo governo desde outubro de 2005. Assinam o documento Dom Tomaz Balduino, pela CPT, Dom Luiz Cappio, Ministério Público e Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco.
06 e 07/07 – Oficina de trabalho sobre desenvolvimento do semi-árido, entre representantes da sociedade civil e do governo federal, criação de três câmaras temáticas para aprofundar as questões sobre revitalização.
04 a 07/10 – Acampamento de Mobilização e Formação de Cabrobó (PE).
10/11 – Tribunal de Contas da União publica Relatório de Auditoria Operacional do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, e faz recomendações ao Ministério da Integração.
Dezembro – Lançamento do Atlas Nordeste, da Agência Nacional de Águas (ANA), com propostas alternativas para abastecimento em áreas urbanas de municípios com 5 mil a mais habitantes, nos nove estados do Nordeste e mais o norte de Minas Gerais.
19/12 – O então Ministro Sepúlveda Pertence (STF) derruba as 11 liminares que impediam o início das obras do projeto de transposição.
2007
22/01 – Lançamento do PAC – recursos públicos no PAC destinados ao projeto de transposição: R$ 6,6 bilhões, no período 2007 a 2010.
05/02 - Fórum Permanente de Defesa do São Francisco na Bahia entra com recurso no STF contra a decisão do ministro Sepúlveda Pertence que suspendeu as liminares.
12/02 – Procurador Geral da República, Fernando Antonio de Souza, entra com recurso no Supremo Tribunal Federal e pede a cassação da licença ambiental para obra da transposição.
21/02 – D. Luiz protocola carta à Lula reivindicando a retomada do diálogo.
Março - O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (IBAMA) concede licença ambiental e autoriza o início das obras da transposição.
12 a 16/03 – Acampamento em Brasília “Pela vida do rio São Francisco e do Nordeste, contra a transposição”, com mais de 600 pessoas da Bacia do Rio São Francisco e de outros estados, como Ceará e São Paulo.
16/03 – Geddel Vieira Lima é nomeado ministro da Integração Nacional no lugar de Pedro Brito.
16/04 – OAB/SE entra com ação contra o projeto do governo federal, de transposição do Rio São Francisco. Documento com 150 laudas traz estudos do Banco Mundial, relatos sobre a situação hídrica do Ceará, a escassez por má distribuição e a afirmação que seria sete vezes mais barato fazer obras para abastecimento no chamado Nordeste Setentrional.
Maio – Exército reforça grupamentos que tocam a primeira parte da obra na área da tomada de água dos eixos norte e leste do projeto de transposição.
04/06 - Carta cobra de Geddel cumprimento de acordo firmado pelo governo federal, desde 2005. Assinam: Dom Luiz Cappio, Adriano Martins, Yvonilde Medeiros, Jonas Dantas (Fórum Permanente de Defesa do São Francisco), Luciana Khoury (Ministério Público da Bahia); Subscrevem: ASA (Articulação do Semi Árido), Frente Cearense por Uma Nova Cultura das Águas; Fórum Sergipano, Via Campesina Brasil, MST Brasil, comunidades quilombolas, pescadores e povos indígenas da Bacia, Ministério Público de Sergipe, professores João Suassuna e João Abner.
26/06 a 04/07 - Mais de 1500 pessoas ocupam o canteiro das obras do eixo norte do projeto de transposição, em Cabrobó (PE). Nos dias seguintes índios Trukás e Tumbalalás ocupam e retomam terras na mesma região.
Julho - Procurador geral da República, Antonio Fernando de Barros, entra com petição em que pede a suspensão imediata das obras de transposição.
19/08 a 01/09 – Caravana em defesa do rio São Francisco: contra a transposição e por uma nova estratégia em relação ao semi-árido brasileiro percorre 11 cidades.
10 a 14/09 – Mutirão de trabalho na região do eixo leste do projeto de transposição.
03 a 10/11 – Mutirão de trabalhos na região do eixo norte do projeto de transposição.
27/11 – Dom Luiz Cappio retoma greve de fome e afirma que só irá cessar o ato se o exército for retirado da região e o projeto for arquivado definitivamente.
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